Sealba é uma nova fronteira agrícola que começou a ser aberta a partir da instituição da Comissão de Grãos, em Alagoas. Milho, soja e algodão ocupam a paisagem antes dominada pela cana-de-açúcar, onde o gado também se faz muito presente
Por Patrícia Raposo
A cana-de-açúcar está presente na paisagem da Zona da Mata de Alagoas e de Pernambuco há quase 500 anos. Mas quem olhar atentamente vai perceber que na divisa dos dois estados algo está mudando: os campos estão abrindo espaço para a agropecuária e para o cultivo de grãos. E não é só neste trecho que há transformação. Há uma nova fronteira agrícola se consolidando, a Sealba, uma região de denominação regional que reúne os estados de Sergipe, Alagoas e Bahia.
A Sealba tem sido campo fértil para uma cultura da qual o Nordeste é dependente, o milho. Mas também se vê por ali soja e algodão. As mudanças que permitiram a introdução dessas commodities começaram a acontecer de uns 10 anos para cá, depois que várias usinas entraram em recuperação judicial ou decretaram falência, deixando terras ociosas.
“Estamos percebemos uma forte movimentação do agronegócio nos estados de Alagoas e Pernambuco, com muito crescimento na pecuária e no cultivo de grãos”, confirma o superintendente do Banco do Nordeste (BNB) em Pernambuco, Pedro Ermírio. Segundo ele, empresários de Alagoas saíram na frente e o estado já tem bastante áreas ocupadas com gado, milho e soja. “Os pernambucanos, vendo a movimentação dos alagoanos, estão indo na mesma direção”, diz.
Um recorte dos últimos cinco anos mostra que o crédito fornecido pelo BNB para o cultivo de grãos tem crescido nos dois estados. Em Alagoas, foram destinados R$ 4,4 milhões em 2016 para o cultivo de grãos. No ano passado, o valor havia dobrado para quase R$ 10 milhões. E este ano já alcançou R$ 18 milhões no primeiro semestre. Em Pernambuco, o salto foi bem mais significativo: indo de R$ 1,4 milhão, em 2016, para R$ 19 milhões no ano passado e fechando o primeiro semestre de 2021 em cerca de R$ 17 milhões.
“A nova fronteira agrícola começou a ser aberta a partir da instituição da Comissão de Grãos, criada em 2015. Foi quando o estado iniciou forte trabalho de diversificação”, explica Filipe Willians Gomes, gerente executivo do BNB em Alagoas.
O estado alagoano já teve mais de três dezenas de usinas e destilarias e 600 mil hectares cultivados com cana, chegando a produzir 30 milhões de toneladas da commodity. Alagoas foi, por anos seguidos, o segundo produtor nacional, só perdendo para São Paulo. Mas a falência de várias usinas deixou cerca de 130 mil hectares ociosos.
Comissão de Grãos
Em 2015, o então secretário de agricultura, Álvaro Vasconcelos, um empresário do setor agrícola, viu uma oportunidade para a diversificação da agricultura no estado ao perceber como o Nordeste era dependente de milho e soja. “Ele sugeriu, então, a criação da Comissão de Grãos, o que envolveu diversos setores, como Universidade Federal de Alagoas, Embrapa, bancos, revendas de máquinas e indústria química, Federação da Agricultura, entre outros. A Comissão começou a pôr em prática um projeto inovador focado em grãos, especialmente o milho”, explica Hiberon Cavalcante Albuquerque, ex-secretário de Agricultura de Arapiraca e atual coordenador de comissão.
Hiberon revela que foi através dos trabalhos da Comissão que surgiu a Sealba. “Nesta região se incluem boa parte das terras de tabuleiros de Alagoas, onde é possível o uso de máquinas no cultivo, o que faz muita diferença”, explica, acrescentando que a denominação fez a área de cultivo crescer. “De 130 mil hectares, já ocupamos 15 mil. Mas esse é um mercado em expansão. O próprio estado Alagoano ainda precisa importar o milho que consome”, explica.
Como carro-chefe, o milho ocupa 80% desses 15 mil hectares e metade da produção é consumida por Pernambuco, que lidera a avicultura regional. A soja vem em segundo, sendo usada para rotação com plantações de cana-de-açúcar. O cultivo de algodão renasce e cresce, se espalhando por quase dois mil hectares.
“Outras regiões do Nordeste despertaram para a importância de cultivar milho. Pernambuco tem começado a investir nisso também. O Nordeste é muito dependente e compra milho até do Cone Sul. E tem produtores em Alagoas alcançando melhores preços que os de Sergipe, que têm 200 mil hectares cultivados com esse grão, produzindo mais de 900 mil toneladas anuais”, diz Hiberon.
Segundo ele, o Nordeste tem tanta demanda que está ocorrendo compra antecipada, algo incomum na região. “Já temos pedidos de milho apalavrados para 2023”, revela. A produção de milho em 2020 foi de 68 mil toneladas e deve bater 100 mil toneladas este ano.
Pecuária
Mas, a maior parte das terras ociosos nos tabuleiros alagoanos foi ocupada por gado. A região é favorecida pelo regime hídrico, com chuvas bem mais frequentes. A criação de bovinos é outro negócio no qual se investiu muito em Alagoas nos últimos anos e que também tem inspirado empresários de estados vizinhos.
“A seca levou muitos fazendeiros nordestinos a desistirem de seus rebanhos, deixando tudo em fogo morto. Alagoas saiu na frente, usando áreas de cana para fazer pasto. Agora vemos uma reação em Pernambuco. Muita gente está voltando a investir na criação”, revela Marcelo Tavares de Melo, criador de gado das raças Sindi e Nelore, na Fazenda Três Irmãos, no Agreste de Pernambuco.
Segundo dados do BNB, o crédito para a pecuária em Alagoas saltou de R$ 131 milhões em 2016, para R$ 210 milhões em 2020. E este ano, já foram concedidos R$ 128 milhões no primeiro semestre. Em Pernambuco, foram destinados R$ 471 milhões em 2020 contra os R$ 299,5 milhões de 2016. Este ano, até junho, os financiamentos já somavam R$ 234 milhões.
Fim da seca, preços da arroba elevados e a entrada em operação de um grande abatedouro da Masterboi na cidade de Canhotinho, no Agreste pernambucano, animam o mercado regional. Com capacidade de abate de 500 cabeças dia, a empresa tem estimulado antigos criadores a retomarem seus rebanhos, já que promete manter aquecida a cadeia da pecuária na região.