No final de março de 2023, uma imagem chamou a atenção do mundo e rapidamente tornou-se viral. Um papa Francisco high tech, estiloso, vestido num casaco puffer branco, brilhante, suscitou amplo debate. Muitos aprovaram, outros tantos condenaram. Mas todos ficaram supressos ao saber que a foto foi criada por Inteligência Artificial (IA).
A partir daí, a discussão mudou de foco e passou a ser sobre os limites no uso da nova tecnologia. Um ano e meio depois, o uso da IA ganhou aplicações muito mais nobres. Na administração pública, as instâncias de poder trabalham forte para aplicar nas suas gestões a tecnologia da IA, facilitando a vida dos cidadãos.
Em Pernambuco, órgãos públicos fazem da inteligência artificial uma companheira de gestão, acelerando processos, apresentando soluções, aumentando a eficiência da máquina pública, para entregar serviços de melhor qualidade para a população.
Órgão de controle externo, com autonomia administrativa e financeira em relação aos Três Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), o Tribunal de Contas do Estado (TCE-PE) ingressou no mundo da IA Generativa este ano.
A sua solução tecnológica nasceu em março, para um pequeno grupo, e recebeu o nome de Aurora, numa referência à avenida que abriga o tribunal. Em julho, o acesso ao sistema foi ampliado para todos os funcionários do tribunal, através de um chat, que fornece dados e informações para auxiliar no trabalho.
Ainda voltada exclusivamente para o público da casa de contas, com a Aurora já é possível resumir e simplificar textos, extrair e analisar dados estruturados. A ferramenta será uma parceira nos processos internos, para melhorar, com isso, o serviço de controle externo, tornando mais ágil a análise das contas dos diversos órgãos públicos.
“A inteligência artificial está vindo para esse uso interno, a fim de aprimorar o tribunal na realização desse seu papel, principalmente focado em políticas públicas, que é o que está mais relacionado ao cidadão. A gente tá trazendo a IA para classificar grandes volumes de dados, apoiando o processo de construção do plano de controle externo”, destacou Ana Carolina Morais, diretora de TI do TCE-PE.
Ela explica que, por meio do chat, a Aurora facilitará a análise de um caso ou um processo. “A gente pega um documento e pede: liste os pontos críticos da proposta, ou os pontos de alerta, e ele já traz um resumo com os problemas que podem existir, auxiliando na análise da proposta. O segredo está na pergunta, para obter uma boa resposta”, coloca a diretora.
Segurança, a preocupação na inteligência artificial
Acrescentando que a grande preocupação durante todo o processo é com a segurança das fontes de consulta e sempre com a supervisão humana, Ana Carolina afirma que a ferramenta também permite realizar a transcrição das sessões do tribunal de forma rápida, dando mais celeridade às etapas seguintes ao julgamento.
Por ainda estar no princípio, ela afirma ainda não ter previsão de abrir o uso da Aurora pelo público externo ou para gestores públicos.
Se no TCE-PE o uso da inteligência artificial atende apenas os servidores da Casa, na Prefeitura do Recife a meta é incorporar a ferramenta aos serviços voltados para a população, aumentando cada vez mais o número de beneficiados.
A evolução do uso de tecnologia no Recife começou em 2017, com a ideia do Conecta Recife, que levou dois anos para ser desenvolvido e é uma espécie de guarda-chuva que abriga todos os serviços da PCR, como o GO Recife, Recife Cuida, o CadÚnico, entre outros.
Serviços na palma da mão
Mas foi na pandemia da Covid-19 que ganhou destaque, por ser o meio pelo qual as pessoas podiam agendar a vacinação. Atualmente, o app tem uma base de 1,39 milhão de downloads e mais de 805 serviços no celular, na palma da mão.
Secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação da Prefeitura do Recife, Rafael Figueiredo explica que todo o trabalho na pasta é regido por três letras: SPC, que nada tem a ver com problemas de crédito, mas sim com “Simplificar” a vida dos cidadãos, “Promover” as pessoas, fazendo a roda da economia girar, promovendo renda e, consequentemente, a arrecadação, e “Cuidar” da população.
Sustentado nesse tripé, a equipe da PCR chegou à conclusão de que os serviços do Conecta precisariam chegar de forma mais fácil a mais pessoas. E os dados ajudaram a dar um caminho para solucionar a equação. Segundo estudos, a população passa 54% do tempo na frente de uma tela, e se o governo não for digital, estará fora do mundo. Também que 99% das pessoas utilizam o WhatsApp, aplicativo, inclusive, que funciona mesmo que não tenha crédito da operadora.
“Então colocamos tudo no WhatsApp. ‘Ah, mas ainda tem gente que não sabe ler e escrever’. Tem! Então, precisamos admitir isso e adaptar. Oferecemos o serviço via áudio, da forma mais didática possível. Assim, a gente criou uma porta de entrada digital única, que é o Conecta Recife, que tem três versões de acesso: web, app e WhatsApp. E no WhatsApp, temos a IA Generativa para ajudar o cidadão”, explica Rafael, que revela que o grande proposta da Prefeitura do Recife é fazer capacitação em massa da população utilizando o IA.
Ele acrescenta que, pelo WhatsApp, os 360 mil usuários cadastrados para receber os serviços podem, por exemplo, marcar consultas médicas, e a IA vai mostrar as opções de dia e horário; quando um usuário completar 60 anos, o sistema já manda o PDF da plaquinha para que possa estacionar em vaga do idoso; se tiver uma dor de dente, pode consultar onde pode ser atendido naquele momento.
A busca por processos mais ágeis
Em todos os órgãos que buscam soluções na inteligência artificial, as palavras se repetem: agilizar processos. E é isso que o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) vem fazendo. Em 2018, criou a Comissão de Inteligência Artificial (CIA) da Casa para estudar como poderia resolver processo de execução fiscal, que é bem repetitivo, numeroso e relativamente simples. Era um campo que a IA poderia ser aplicada de maneira eficiente.
Foi criado, então, o primeiro robô com IA do Poder Judiciário brasileiro, a Elis, desenvolvido para checar informações do processo judicial eletrônico da petição inicial e da Certidão da Dívida Ativa (CDA)para verificar alguma inconsistência, se há prescrição, se alguma outra questão está envolvida.
“Então classifica o processo como Ok, ou seja, ele pode dar prosseguimento, ou Não Ok, se encontrou, por exemplo, que o tribunal é incompetente ou que exista repetição daquele processo com outro com a mesma CDA em outro processo”, explicou o juiz Faustino Macêdo, responsável pela solução criada para o TJPE.
De acordo com ele, com essa avaliação e seleção, foi possível reduzir o tempo de tramitação na análise inicial do processo. “A gente levava um ano e seis meses para verificar tudo isso. Isso foi reduzido para apenas 15 dias com a utilização da IA”, colocou o magistrado.
Mas na Justiça pernambucana há também um episódio curioso envolvendo IA. Membro da 1ª Turma da 1ª Câmara Regional de Caruaru (PE), o desembargador Alexandre Freire Pimentel conseguiu um feito impressionante: zerar os processos do seu gabinete.
Quando ele começou a utilizar a inteligência artificial generativa, em julho de 2023, havia no seu gabinete mais de 3 mil ações. Pouco mais de um ano depois, em 17 de setembro passado, não existia mais qualquer pendência a ser apreciada.
Cada vez mais o poder público recorre à inteligência artificial, em busca de soluções para os gargalos da gestão. Ao mesmo tempo que ganha rapidez, eliminando etapas, entrega serviços de melhor qualidade, em menor prazo e com mais eficiência.
A população agradece.
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