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Apostas esportivas: regulação, desafios e caminhos para um futuro sustentável

O mercado de apostas esportivas no Brasil apresenta um enorme potencial, mas também desafios complexos que exigem respostas claras e efetivas
Pedro Menezes de Carvalho
Pedro Menezes de Carvalho/Foto: divulgação

Pedro de Menezes Carvalho[1]

O mercado de apostas esportivas tem experimentado uma expansão notável no Brasil nos últimos anos, impulsionado pelo avanço das tecnologias digitais, pela popularização das plataformas de apostas online e pelo crescente interesse do público em atividades que combinam entretenimento e a possibilidade de retorno financeiro. Esse aumento no número de empresas atuantes no setor e na base de consumidores reflete a consolidação de um segmento que, apesar do potencial econômico, apresenta desafios significativos relacionados à regulamentação, à proteção do consumidor e à prevenção de ilícitos.

Nos últimos anos, as apostas online se consolidaram como um fenômeno econômico no Brasil, movimentando cifras bilionárias e tornando-se um setor de impacto significativo para a economia nacional. Desde a legalização das bets em 2018, o país se tornou líder mundial em acessos a sites de apostas, superando mercados tradicionais como Reino Unido e Estados Unidos. Segundo um relatório do Itaú, apenas nos 12 meses encerrados em junho de 2024, os brasileiros gastaram R$ 68,2 bilhões em apostas online, com um gasto líquido de R$ 23,9 bilhões, após a distribuição de prêmios.

O peso desse mercado no Produto Interno Bruto (PIB) já é perceptível: os valores apostados representam 0,62% do PIB nacional e quase 1% do consumo total do período, de acordo com a Confederação Nacional do Comércio (CNC). Além disso, os montantes movimentados pelas bets mensuram-se em até R$ 21 bilhões mensais, valores que, em setembro de 2024, representaram entre 93% e 109% do saldo positivo das exportações brasileiras.

O impacto financeiro dessas plataformas, apesar da imprecisão dos números, também se reflete nas estimativas de receita anual, que variam entre R$ 8 bilhões e R$ 20 bilhões, equivalendo de 2,52% a 6,32% do superávit comercial do Brasil. No contexto mais amplo do mercado de jogos, o volume de apostas – incluindo loterias federais, apostas esportivas online e atividades informais – pode ter atingido entre R$ 100 bilhões e R$ 150 bilhões em 2023. Com números expressivos e um crescimento acelerado, o setor de apostas online já não pode ser ignorado no debate sobre economia e regulação, levantando tanto oportunidades quanto desafios para o país.

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Em resposta a essa realidade, o governo federal editou, em 29 de dezembro de 2023, a Lei Federal nº 14.790, que encerrou os efeitos da Medida Provisória nº 1.182/2023, promulgada em 24 de julho do mesmo ano. Essa legislação trouxe alterações importantes à Lei nº 13.756/2018, autorizando a exploração das apostas esportivas de quota fixa por pessoas jurídicas de direito privado, algo anteriormente reservado ao poder público. Essa mudança, embora represente um passo significativo na modernização do setor, também evidencia a necessidade de estímulo ao crescimento econômico com a proteção de direitos e a mitigação de riscos associados à atividade.

Definição de apostas

A Lei nº 14.790/2023 define as apostas esportivas de quota fixa como operações em que os resultados dependem de eventos futuros e aleatórios, sendo regidos por sistemas de regras previamente estabelecidos. Contudo, a legislação trouxe limitações importantes, como a proibição de apostas em competições compostas exclusivamente por menores de idade, refletindo preocupações éticas e de proteção a públicos vulneráveis. Paralelamente, o texto exclui da necessidade de autorização estatal atividades como o fantasy sport, uma modalidade em que os resultados são determinados pelo desempenho de pessoas reais em ambientes virtuais. Apesar de seu potencial de crescimento, a ausência de regulamentação específica para o fantasy sport levanta preocupações, uma vez que a falta de supervisão pode comprometer a proteção dos consumidores e a integridade do setor.

A criação da Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA), vinculada ao Ministério da Fazenda, representa uma tentativa de organizar e supervisionar o mercado de apostas no Brasil. Caberá à SPA emitir licenças, fiscalizar operações e monitorar o cumprimento das normas legais.

As apostas de quota fixa serão exploradas em ambiente concorrencial, mediante autorização prévia expedida pelo Ministério da Fazenda. Essa autorização terá natureza de ato administrativo discricionário, sendo fundamentada na conveniência e oportunidade do Ministério da Fazenda, com base no interesse nacional e na proteção dos interesses da coletividade. A legislação estabelece que não haverá limites mínimos ou máximos de agentes operadores, que a autorização terá caráter personalíssimo, inegociável e intransferível, e que sua validade será de até cinco anos, conforme decisão do Ministério da Fazenda. Embora essas disposições visem flexibilizar e organizar o mercado, a subjetividade dos critérios utilizados, como “interesse nacional” e “conveniência e oportunidade”, gera preocupações no setor econômico. A ausência de parâmetros objetivos pode criar insegurança jurídica, dificultar o planejamento das empresas e abrir espaço para disputas judiciais. Essa falta de clareza contrasta com o artigo 7º da mesma lei, que estabelece requisitos gerais e objetivos para que as pessoas jurídicas interessadas possam atuar no setor. A adoção de critérios igualmente claros e específicos para a concessão de autorizações promoveria maior previsibilidade e segurança jurídica, criando um ambiente mais confiável e estável para investidores e operadores.

Outro aspecto relevante da legislação é a exigência de que as empresas implementem políticas de compliance robustas, abrangendo medidas de prevenção à lavagem de dinheiro, financiamento ao terrorismo e manipulação de resultados. Além disso, são obrigatórias práticas de jogo responsável que ajudem a prevenir transtornos patológicos. Essas exigências refletem uma tentativa de alinhar o setor de apostas esportivas aos padrões internacionais de conformidade, garantindo maior segurança para os consumidores e fortalecendo a credibilidade das operadoras.

Uma inovação significativa da legislação é a separação patrimonial entre os recursos das operadoras e os valores mantidos nas contas dos apostadores. Essa medida assegura que os recursos dos consumidores não possam ser utilizados para saldar dívidas das empresas ou ser alvo de arresto em processos judiciais, protegendo-os em casos de falência ou recuperação judicial. Essa iniciativa é um marco na proteção dos direitos dos consumidores, promovendo maior confiança no mercado.

A obrigatoriedade de uso de tecnologias avançadas para identificação dos apostadores, incluindo reconhecimento facial, também foi introduzida como medida para reduzir fraudes e assegurar a autenticidade das transações. No entanto, desafios como a apresentação de documentos falsos continuam a exigir investimentos em sistemas de identificação e monitoramento mais eficazes. Nesse contexto, o compliance desempenha um papel crucial, garantindo que as operadoras mantenham controles rigorosos e estejam preparadas para lidar com as complexidades do setor.

Apesar dos avanços trazidos pela Lei nº 14.790/2023, algumas lacunas permanecem. Uma delas é a falta de regulamentação específica para o fantasy sport, que, embora dispensado de autorização estatal, demanda supervisão para assegurar um funcionamento ético e responsável. Além disso, a discricionariedade atribuída ao Ministério da Fazenda para suspender ou deixar de instaurar processos administrativos sem critérios objetivos claros abre espaço para insegurança jurídica e questionamentos éticos.

A experiência internacional pode oferecer insights valiosos para o aprimoramento do marco regulatório brasileiro. Países como o Reino Unido estabeleceram sistemas de regulação avançados, com auditorias rigorosas e exigências detalhadas de compliance, que asseguram maior transparência e proteção aos consumidores. No Brasil, a integração de legislações fiscais, penais e normas específicas para o setor de apostas é essencial para criar um ambiente regulatório eficiente e confiável. A obrigatoriedade de reportar transações suspeitas ao COAF e à Receita Federal é um passo importante, mas precisa ser acompanhada de mecanismos tecnológicos e humanos que identifiquem e previnam fraudes de forma proativa.

A consolidação do mercado de apostas esportivas no Brasil exige uma abordagem integrada e equilibrada, capaz de fomentar o crescimento do setor sem comprometer a proteção dos consumidores e a integridade do mercado. O fortalecimento das estruturas de compliance, a adoção de critérios objetivos para autorizações e sanções e a incorporação de práticas internacionais bem-sucedidas são medidas indispensáveis para alcançar esses objetivos.

Em síntese, o mercado de apostas esportivas no Brasil apresenta um enorme potencial, mas também desafios complexos que exigem respostas claras e efetivas. A Lei nº 14.790/2023 é um marco importante nesse processo, mas sua eficácia dependerá da capacidade do governo e das empresas de implementar normas e práticas que assegurem um ambiente seguro, transparente e competitivo. Somente com uma regulamentação sólida e uma fiscalização rigorosa será possível transformar o setor em um exemplo de desenvolvimento sustentável e responsável.


[1] Pedro de Menezes Carvalho é advogado e professor universitário com mestrado em Direito pela UFPE. Especialista em Contratos pela Harvard University e em Negociação pela University of Michigan. Advogado na área de Regulação, Negócios, Energia e Financeira. Experiência destacada na docência na UNICAP, IBMEC e PUCMinas.

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