Por Kleber Nunes
Até o fim do ano, mais de 350 mil brasileiros – praticamente a população da cidade de Petrolina, no sertão de Pernambuco – estarão comprando, vendendo e investindo sem necessariamente movimentar Reais, seja em papel moeda ou por canais digitais. As operações financeiras se darão por meio das chamadas moedas sociais, que estão crescendo no Brasil e devem chegar a 180 municípios em todas as regiões do país.
De janeiro até este mês, segundo a Rede Brasileira de Bancos Comunitários, foram criadas 12 moedas sociais, totalizando 152 em atividade. A mais recente delas foi a Caatinga, iniciativa do Fundo Nacional de Permanência na Terra (Funpet) que está irrigando a economia dos municípios de Batalha, Jacaré dos Homens, Jaramataia e Major Isidoro, no sertão de Alagoas.
A moeda social é um ativo financeiro lastreado em Real que circula em uma determinado território mais restrito, cujo objetivo é gerar e distribuir a riqueza local. As transações comerciais desse tipo de dinheiro são taxadas em 2% e o recurso é alocado em um fundo de crédito local que, por sua vez, é gerido pela própria comunidade por meio de um banco comunitário, na perspectiva da economia solidária.
“Em tempos de Reais diminuindo no bolso da população, o fato de as pessoas comprarem no próprio local ajuda a evitar uma pobreza maior. Além disso, o fundo de crédito no banco pode ser usado como capital de giro para quem quer manter o seu pequeno ou médio negócio, mitigando os efeitos da crise econômica”, afirma o presidente da Rede Brasileira de Bancos Comunitários, Joaquim Melo.
100% digital até 2023
Melo é o precursor da moeda social no Brasil. Foi em 1998, depois de conhecer uma experiência de crédito produtivo descentralizado em Bangladesh, que surgiu a ideia de trazer para o país a iniciativa incorporada a um dinheiro próprio. Nasceu, então, o Banco Palmas e a moeda homônima, em Fortaleza, capital do Ceará.
Além de se espalhar pelo Nordeste e pelo Norte, posteriormente Sul, Centro-Oeste e agora mais forte no Sudeste, a moeda social – que tem o aval do Banco Central do Brasil (BC) – também entrou na era da digitalização. Com a chamada “Lei das moedas eletrônicas” (Lei nº 12.865, de 9 de outubro de 2013), os bancos comunitários passaram a ser enquadrados como “arranjo de pagamento pré-pago”. Mas foi na pandemia de covid-19 que, segundo Melo, a digitalização cresceu.
A Rede Brasileira de Bancos Comunitários contabiliza que das 152 moedas sociais em circulação no país, 110 já são eletrônicas, ou seja, as transações acontecem via cartão de crédito pré-pago ou aplicativo. A entidade estima que até o final de 2023 esse tipo de dinheiro deixe de circular em papel moeda, permanecendo apenas as movimentações via ferramentas digitais.
O presidente da Rede explica que essa onda de modernização das moedas sociais pode impulsionar ainda mais o surgimento de novas experiências, já que o custo e o tempo de implantação caem praticamente mais da metade. Melo calcula que para implantar uma moeda social sejam necessários pelo menos 60 dias e custe no mínimo R$15 mil para imprimir 5.000 cédulas de 1, 2, 5 e 10. As notas precisam ter os cinco itens de seguranças: infravermelho, número serial, marca d’água, código de barras e faixa holográfica.
“Em algumas localidades ainda há um pouco de resistência porque as pessoas gostam do dinheiro de papel, porém, ele tem uma sobrevida média de um ano e é preciso ficar repondo. Estamos trabalhando a conscientização mostrando a segurança do cartão e do app, além disso nós mantemos a customização com as cores e imagens que identifiquem a cultura local. Outro receio das comunidades é em relação a rede de internet fraca nesses municípios, mas isso também vem evoluindo”, diz Melo.
Moeda social vira política pública
Um segundo efeito da crise sanitária, foi o interesse de prefeituras em criarem as próprias moedas sociais para políticas de transferência de renda e até para pagamentos de servidores. Maricá, no Rio de Janeiro, foi a primeira a aderir ao modelo monetário. O município criou, em 2014, o Banco Comunitário e o dinheiro Mumbuca. Atualmente, outras cinco prefeituras fluminenses utilizam o sistema. Uma delas é Niterói (RJ), que de janeiro a junho contabilizou 56 milhões gastos no comércio da cidade beneficiando 100 niteroienses com a Arariboia.
“Enquanto que para uma organização social é preciso ter um estatuto, para prefeituras é necessária uma lei municipal criando o banco e a moeda social. Depois é preciso fazer uma chamada pública para selecionar a entidade que tem a tecnologia, no país apenas a Rede Brasileira de Bancos Comunitários dispõe desse requisito, por fim é implantado o banco com um comitê gestor comunitário, ou seja, que tenha a participação da sociedade”, destaca Melo.
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