Por Lenildo Morais*
A digitalização da medicina e da saúde faz parte de uma transformação global, definida como a quarta revolução industrial. Quais são as implicações? A digitalização da medicina e da saúde faz parte de uma transformação global, definida como a quarta revolução industrial. Assim, a chamada revolução digital implica adesão às inovações tecnológicas nas áreas de conectividade, controle de informações e dados aplicados à produção de bens e serviços e com impacto econômico, social e político.
Tecnologias disruptivas, como inteligência artificial, análise de dados em massa, computação quântica, robótica e nanotecnologias aplicadas à saúde, o aumento exponencial da capacidade de processamento de dados e a consequente redução de seus custos causam muitas mudanças e grandes oportunidades.
Essas tecnologias se dão na implantação de prontuários eletrônicos unificados, nas inúmeras formas de monitoramento remoto e assistência à saúde (telemedicina), na obtenção de maior precisão nos diagnósticos, nas intervenções e na capacidade de prestar atendimento mais rápido a quem chega a um hospital. O paciente ganha, com a redução de tempos, com tratamentos personalizados e maior segurança, ganham os profissionais de saúde, que conseguem aumentar o sucesso dos tratamentos.
O impacto da tecnologia digital na saúde
Estamos vivenciando uma transformação acelerada que tem sido chamada de quarta revolução industrial.
A primeira revolução industrial foi desencadeada pela invenção da máquina a vapor e sua aplicação na produção e transporte, substituindo a resistência humana pela resistência mecânica. O mundo foi bastante reduzido pelo surgimento de ferrovias e navios a vapor. A indústria passou a ocupar o centro dinâmico da economia, com as fábricas substituindo as oficinas artesanais e promovendo profundas mudanças na vida social. O setor se especializou em atender a indústria com matéria-prima, acabando com a produção em pequena escala e expulsando mão de obra das cidades, que começam a atrair milhares de pessoas. Era o início da era moderna.
A segunda revolução industrial ocorreu no final do século XIX, com o advento da eletricidade e da linha de montagem, dois fatores que possibilitaram ampliar as dimensões de tudo o que se faz e se pensa. A produção industrial cresceu e se acelerou, promovendo a redução dos preços dos produtos e do consumo de massa. As cidades foram iluminadas, o tempo de estudo da população aumentou, assim como a oferta de cursos técnicos. O carro apareceu e com ele as estradas e a ideia de lazer e tempo livre. Logo chegaram a indústria do rádio, do cinema e do entretenimento.
A terceira revolução industrial, a partir da década de 1960, centra-se no desenvolvimento e progressiva popularização dos computadores, com uma crescente digitalização das várias facetas da vida. As redes de computadores se espalharam por todas as esferas da produção, com automação industrial e serviços. O celular e a Internet revolucionaram as comunicações, radicalizando a globalização.
A quarta revolução, na virada do milênio, é um acúmulo de tudo isso e um salto qualitativo. Caracteriza-se pela inteligência artificial, a disseminação da robótica, a internet das coisas, veículos autônomos, nanotecnologia, armazenamento de energia e uma série de novas ferramentas e tecnologias impulsionadas por maior velocidade de processamento de dados, redução de custos e possibilidades oferecidas pelas conexões entre dispositivos tecnológicos.
A fusão dessas tecnologias e sua interação entre os domínios físico, digital e biológico que tornam a quarta revolução industrial fundamentalmente diferente das revoluções anteriores. A quarta revolução industrial é a era das coisas, serviços e pessoas que se conectam por meio de redes inteligentes. Os espaços também podem ser inteligentes, veículos, residências, empresas, escolas, cidades. É um momento de aprofundamento das inovações no campo da biologia, particularmente na genética e na chamada biologia sintética, com a capacidade de modificar organismos existentes alterando seus códigos genéticos e de criar organismos personalizados e adaptá-los a condições adversas.
Aprendizado automático para proteger a visão
O risco de perder a visão e não ser diagnosticado a tempo é uma ameaça comum em muitos países. Para prevenir novos casos e oferecer suporte a quem convive com as consequências da perda da visão, foi desenvolvido um software para rastrear pacientes com doenças que potencialmente levam à cegueira. Estudos clínicos mostraram que este sistema é capaz de selecionar com sucesso muitas doenças oftálmicas com um alto grau de precisão.
A inteligência artificial e o aprendizado de máquina são usados para ensinar o sistema operacional a reconhecer sinais e sintomas preditivos de doenças oculares e identificar pacientes em risco precocemente, estudando os testes e as informações fornecidas. A tecnologia tem o potencial de mudar a forma como os profissionais realizam exames oftalmológicos e pode ajudá-los a priorizar pacientes com doenças oculares mais graves antes que ocorram danos irreversíveis. Com o tratamento certo na hora certa, muitos casos são evitáveis.
Tecnologias que podem alcançar pacientes com risco de cegueira, onde quer que estejam. Para isso, são necessárias câmeras especiais, smartphones e banda larga via satélite pequena, mas de baixo custo. O software captura imagens de alta resolução da retina do paciente e as envia criptografadas para oftalmologistas via satélite de banda larga.
Aposte na Telessaúde
Um dos desafios enfrentados pelos sistemas de saúde é reduzir a espera entre a consulta com o clínico geral e o especialista. Um intervalo crítico, pois os pacientes ainda não têm um plano de tratamento nesta fase.
Outro recurso são as visitas e consultas virtuais, que têm se mostrado muito úteis em situações de triagem de pacientes em meio a surtos de doenças infecciosas, por exemplo, e também no manejo de pacientes com transtornos mentais, permitindo que profissionais de saúde acompanhem o paciente em um sistema de comunicação online seguro, via mensagem, telefone ou vídeo. As visitas virtuais reduzem significativamente as viagens de equipes de saúde ou pacientes, diminuem a demanda em ambulatórios e melhoram a satisfação de profissionais de saúde e pacientes. Eles também se aplicam ao processo de renovação de medicamentos, explicando resultados de exames de saúde, avaliando problemas de pele e alergias, resfriados e gripes e monitorando pacientes com doenças crônicas, saúde mental e educação. para saúde.
Os tablets também fazem parte do arsenal digital que pode ajudar os médicos de clínica geral a rastrear e identificar, por exemplo, alterações mentais na população atendida.
São esses prestadores de cuidados primários que rastreiam, diagnosticam e encaminham esses pacientes pelo sistema. Por meio dessa interface portátil, os médicos aplicam questionários padronizados enquanto os pacientes aguardam na sala de espera. As respostas tendem a ser mais espontâneas do que as obtidas em entrevistas presenciais e são utilizadas para atualizar prontuários eletrônicos em tempo real.
Isso ajuda a identificar pessoas com doenças como ansiedade, pressão e outras doenças. Para as equipes médicas, essas avaliações dão suporte a um quadro mais completo do estado de saúde mental do paciente, indicam o risco potencial de suicídio e reduzem a probabilidade de a condição do paciente ser diagnosticada erroneamente.
Dependendo da gravidade do problema, os pacientes podem ser encaminhados para especialistas da comunidade e programas de apoio. De fato, o processamento dos algoritmos em tempo real pode gerar alertas para as mais diversas condições. Trata-se de priorizar e informar os programadores.
A expansão da Telemedicina
A telemedicina e todas as tecnologias relacionadas estão incorporadas ao cotidiano da saúde brasileira de várias maneiras e têm grande potencial de expansão.
Informalmente, muitos médicos praticam a telemedicina há muito tempo quando esclarecem dúvidas e prescrevem tratamentos por meio de plataformas como WhatsApp, Messenger e FaceTime, celular ou e-mail. Nesses aparelhos há um grande tráfego de imagens de problemas de pele, dúvidas sobre exames, indicações de como tomar o medicamento ou como seguir o tratamento, dieta, exercício físico. Essas atividades se multiplicam sem regulamentação e sem garantia de proteção de dados do paciente ou que a presença seja registrada em prontuário, como nas consultas presenciais. Há até especialistas que não consideram essas atividades como telemedicina por não ocorrerem em ambiente seguro.
Oficialmente, hospitais e planos de saúde estão cada vez mais se fundindo com serviços de telemetria e teleorientação. O teletransporte é usado para guiar pessoas com sintomas em sua jornada pelo sistema. Dependendo da gravidade, eles são encaminhados para um hospital ou para marcar uma consulta, por exemplo. Outra modalidade que começa a ser explorada pelas operadoras é a teleorientação pediátrica para responder perguntas simples. Em casos graves, um médico pode ser enviado para casa ou a criança levada para o hospital.
Dentre as muitas aplicações da telemedicina, uma das mais avançadas é o telediagnóstico. Após uma fase inicial de adoção de recursos e plataformas de automação para análise de exames de imagem e patologia e emissão de laudos remotos, os laboratórios começam agora a adicionar inteligência artificial a esses processos. Isso expande a capacidade de gerar dados e pesquisar bancos de dados em busca de respostas para perguntas novas e complexas.
Outro formato de serviços de telemedicina que muito tem contribuído para a melhoria do atendimento são os pacotes oferecidos pelos centros de referência para atender às necessidades dos hospitais que carecem de algumas especialidades. Por exemplo, um desses pacotes oferece visitas virtuais de neurologistas e cardiologistas a pacientes internados em terapia intensiva em vários hospitais todas as manhãs. A visita é realizada em colaboração com o clínico geral, que na maioria das vezes utiliza um tablet ou celular por meio do qual se conecta à equipe de profissionais para discutir as condições dos pacientes e realizar os procedimentos necessários. O resultado desse encontro melhora o prognóstico dos pacientes e pode salvar vidas.
Mas não é só por via terrestre que a telemedicina reduz a distância para disseminar conhecimento e melhorar a qualidade do atendimento. Desde 2014 chega também a plataformas petrolíferas no meio do oceano, onde os trabalhadores podem consultar e ser orientados sem necessidade de desembarque.
De fato, a teleconsultoria é a forma de telemedicina com maior potencial de expansão, por diversos motivos. Uma delas é a empatia dos pacientes com o meio ambiente.
Outro tipo de telemedicina praticada é a teleconferência cirúrgica, que promove o monitoramento remoto de cirurgias invasivas e exames realizados por um especialista experiente para auxiliar na tomada de decisões durante o procedimento. As televisões, nas quais um médico pode operar remotamente controlando as pinças de um cirurgião-robô inseridas no corpo do paciente, exigem treinamento altamente especializado e equipamentos muito caros em ambos os lados, o que dificulta a execução.
Para melhorar a aquisição de dados para a prática da medicina remota, novos dispositivos estão surgindo. Geralmente, esses kits consistem em câmera, termômetro e dispositivos modernos com insertos de estetoscópio. Há também sensores que podem ser fixados na pele, na região do tórax, para monitorar os sinais vitais. Por exemplo, eles detectam mudanças repentinas nos parâmetros de integridade. Outros recursos transmitem imagens de ultrassom captadas por médicos, paramédicos ou enfermeiros em casos urgentes, que podem ser enviadas diretamente para o smartphone, tablet ou computador do médico. Quanto aos exames, com o auxílio de aparelhos para aquisição de imagens e sensores colados ao corpo para obtenção de dados, o médico terá acesso às informações do paciente. Assim, na hora de prescrever exames e medicamentos, você pode assinar digitalmente o documento e enviar para o paciente, farmácia ou centro de distribuição que pode entregar o medicamento na casa do paciente.
Obviamente, a telemedicina produz mudanças positivas, mas sua adoção também implica em investimentos. Para realizar reuniões por videoconferência, há um desembolso inicial em infraestrutura e software. Há também uma curva ascendente para os médicos que saem do consultório particular e passam a ser empregados porque não têm condições de arcar com o investimento em prontuários eletrônicos e facilidades para a prática da telemedicina, como o registro de todas as consultas.
Educação Médica na Era Digital
As transformações proporcionadas pela inteligência artificial só serão consolidadas se acompanhadas de profundas mudanças culturais. É assim com todas as mudanças que quebram paradigmas. Por isso, de nada adiantam os algoritmos e a interpretação do mundo feita pela tecnologia se os futuros médicos, gestores de saúde, pacientes e sociedade não entenderem que seus benefícios só serão efetivos na presença de um pacto pela mudança. Isso significa mudar hábitos e vícios mentais em todas as áreas e adotar novos conceitos e comportamentos. A inteligência artificial e seus resultados exigem uma nova forma de pensar e trabalhar.
Para funcionar adequadamente, a saúde precisa que cada engrenagem de sua cadeia esteja em sintonia com a nova ordem da organização. Uma das partes mais importantes do sistema continua sendo o médico. No entanto, para exercer seu papel em um cenário completamente diferente do que conhecemos hoje, o médico do futuro precisa de outro tipo de formação. Obviamente, deve incluir o aprendizado básico de anatomia e outras disciplinas. Mas é fundamental que desde os primeiros semestres do curso tenha contato com os princípios da inteligência artificial e também com recursos tecnológicos, alguns disponíveis em todos os lugares, outros ainda oferecidos por alguns centros de saúde. Além disso, o profissional de saúde que deseja ser bem-sucedido tem a responsabilidade de se olhar como gestor. O médico que apenas verifica a agenda de consultas e atende seus pacientes não tem mais espaço.
Grandes entidades médicas começam a promover as mudanças necessárias para que essa nova geração de médicos empreendedores tenha consciência do papel que desempenham na cadeia da saúde. Basicamente, dadas as necessidades emergentes, o modelo atual é considerado ineficiente, inflexível e comprometido pela falta de aprendizagem centrada no aluno. O ensino centra-se em testes de desempenho e não na análise da capacidade de desenvolver competências e competências profissionais de cada aluno. Também não há incentivo para aplicar conhecimentos e resolver problemas.
A divulgação de informações por meio digital também mudou o perfil do paciente. Agora muito mais informado, ele também tem maior poder de decisão sobre o que fazer em relação à sua saúde. O modelo vertical, em que o médico estava em cima e o paciente em baixo, está finalizado. A relação é cada vez mais horizontal, com discussão e compartilhamento de responsabilidades pelas decisões, o que exige uma mudança de comportamento por parte dos médicos. Daí a necessidade de desenvolver cada vez mais a capacidade de socialização.
Uma parte importante dos profissionais de saúde não compreende o impacto negativo da recomendação de exames desnecessários para a sustentabilidade do sistema e para o paciente. Muito disso se deve a uma mentalidade que ainda prevalece em um mecânico que paga pelo serviço e não pelo resultado. Outro agente responsável por fornecer as solicitações de exames é o próprio paciente. Muitos, ainda que incorretamente, não se contentam em sair da consulta sem solicitação de exame e buscar auxílio de outros especialistas até que um deles solicite uma lista de exames. Nesses casos, os médicos cometem erros, que cedem aos pacientes e insistem em procedimentos desnecessários. Como vários profissionais não se consideram parte do sistema de saúde, negligenciam que a utilização do laboratório terá um custo que será compartilhado, recaindo sobre todos. Nesse contexto, é necessário comentar que o vínculo idealizado pelos pacientes entre a solicitação de exames e a sensação de ter sido bem atendido é um sinal das diversas fragilidades que estão inseridas na relação médico-paciente.
É verdade que os diagnósticos são feitos com mais rapidez e precisão do que antes, mas o abuso de buscar respostas na tecnologia também pode levar a um aumento de atitudes intervencionistas que não agregam qualidade ou valor à vida das pessoas. Por fim, há falta de discernimento para separar o que é valioso do que é abuso, perdendo assim o foco no paciente e a capacidade de vê-lo como um todo.
Ética e segurança de dados
A chegada da inteligência artificial na saúde levantou questões éticas e legais que nunca haviam sido pensadas. Quem é o proprietário dos dados coletados? O paciente, o médico, o prestador de serviço? Quando termina a privacidade e começa o direito de usar informações sobre as pessoas? Como garantir que os algoritmos não sejam criados com base em fundamentos que levarão a conclusões erradas? Como é a relação entre o médico e o paciente quando há um diagnóstico ou uma proposta de tratamento apresentada por um software entre eles? Essas são apenas algumas das perguntas que vêm sendo feitas na mente dos estudiosos desde que os sistemas inteligentes começaram a se multiplicar na prática médica.
O surgimento de novas tecnologias sempre impulsiona discussões éticas. Na área médica, em particular, tendem a ser intensas porque envolvem a discussão do valor da vida a partir de diferentes perspectivas, muitas vezes guiadas por posições filosóficas ou religiosas bem estabelecidas. Muitos dilemas estão em discussão. Uma das primeiras diz respeito à dificuldade de atribuir valor ou número às sensações humanas, como a dor, com base em critérios como custos e resultados esperados.
Como combinar circunstâncias tão diferentes no mesmo algoritmo? Como garantir que o modelo adotado não favoreça a redução de custos ou leve em consideração as condições financeiras do paciente para arcar com o tratamento? Robôs são robôs. Eles carecem de habilidades humanas, como a empatia diante da dor. Além disso, é muito difícil para o paciente entender a lógica de uma máquina, o chamado dilema da caixa preta, e aceitar um diagnóstico ou tratamento indicado pelos sistemas. Especialistas também defendem que os profissionais de saúde devem entender a inteligência artificial, esse terceiro elemento na relação entre médicos e pacientes, como algo complementar à prática diária da medicina, sem deixar de usar seus próprios valores e as informações que possuem sobre a história. o paciente. Você também se pergunta quem é o responsável nos casos em que a máquina aponta para uma conclusão incorreta. Do médico, do prestador de serviços ou do desenvolvedor?
Não há respostas definitivas para nenhuma dessas perguntas. Uma delas, proposta pelos próprios profissionais, diz respeito ao seu lugar em meio à revolução digital. Qual será o papel do médico em um mundo de máquinas? Afinal, o que um profissional de saúde deve fazer nesses casos? O principal argumento dos especialistas era que a máquina jamais ultrapassaria suas capacidades no gerenciamento de medicamentos e, sobretudo, em casos imprevistos.
Outro conjunto de questões é a busca por soluções inteligentes para garantir a proteção dos dados. Respostas a essa discussão, assim como as de cunho moral, são urgentes. Não é por outro motivo que o segmento de inteligência artificial em saúde rapidamente se tornou um dos primeiros da lista dos mais atacados por hackers em todo o mundo. As informações obtidas com a invasão de sistemas médicos são um ativo valioso, pois permitem que as identidades das vítimas sejam roubadas, possibilitando a obtenção de dados financeiros sobre quem foi roubado. Além disso, os dados facilitam a produção de fraudes contra seguradoras ao invocar alegações de saúde que não existem.
Elementos para um Plano Geral de Digitalização de Saúde
Os países mais desenvolvidos já perceberam a necessidade de uma política de Estado voltada para a digitalização da área da saúde, que pode ou não ser integrada a um plano mais amplo de promoção da Internet das Coisas. Em diferentes níveis de cobertura, esses países contam com planos e objetivos governamentais que visam promover o desenvolvimento de recursos tecnológicos que viabilizem a saúde digital, bem como uma série de ações para estimular o acesso dos cidadãos a esses recursos. Isso envolve desde o financiamento para a indústria de equipamentos de informática até o incentivo ao surgimento de soluções de atendimento ao cliente, software e aplicativos. Portanto, a digitalização da política de saúde deve incluir um plano mestre que oriente como ela deve se desenvolver em intervenções coordenadas.
A infraestrutura de TI é a base para a digitalização da medicina e o compartilhamento efetivo de dados clínicos. E a hipótese de que essa troca ocorra é a conectividade. Todo centro médico deve ser informatizado e ter acesso à Internet de alta velocidade. Isso implica ter servidores, que são computadores com grande capacidade de armazenamento, um conjunto de equipamentos para diversas atividades diárias, como computadores desktop, notebooks, dispositivos móveis, além de ter acesso a uma rede de telecomunicações de grande capacidade. e ampla capilaridade.
Da mesma forma, o cidadão comum, usuário do sistema de saúde, deve ter acesso à internet banda larga por meio de smartphones, tablets e computadores, além de dispositivos específicos para monitoramento de saúde, quando necessário. Para garantir a conectividade, é necessário um forte investimento em poderosas redes de micro-ondas e fibra ótica, que são as rotas de tráfego da informação digital. Linhas de crédito para o desenvolvimento de equipamentos para todas as camadas do sistema, desde grandes bancos de dados até equipamentos eletroeletrônicos, devem ser incluídas em um plano de digitalização de medicamentos.
Interoperabilidade, padronização e análise
A existência de múltiplos sistemas de informação instalados, a diversidade de fornecedores, os vocabulários em uso, a diversidade de finalidades para a coleta e uso da informação em saúde exigem estruturas e interfaces que permitam a interoperabilidade desses sistemas entre si. Um plano mestre para a digitalização da saúde deve definir padrões e processos para garantir isso. É esta interface que permite a recolha, armazenamento de dados e o seu tratamento. Também seria importante buscar formas de estimular os profissionais de saúde a buscar essa interoperabilidade.
Uma das primeiras tarefas da construção de um sistema de saúde digital é um projeto de big data para realizar a leitura, depuração e integração dos dados de saúde existentes, reunindo-os em um único banco de dados. Isso inclui um único prontuário eletrônico dos pacientes, com os resultados dos exames, a incidência da doença, os resultados do tratamento, a gama de tratamentos ou diferentes iniciativas, os repositórios de medicamentos. Também é importante coletar dados de gastos, para que se possa avaliar os custos reais de cada tratamento, tanto para destacar, quanto para evitar desperdícios e, sobretudo, calcular custos com resultados realistas.
Um plano digital deve prever o indispensável desenvolvimento de uma sólida capacidade de analisar e aprender com esses dados, por meio de análise de dados e inteligência artificial. É assim que uma série de informações presentes nos prontuários eletrônicos individuais podem ser transformadas em evidências médicas e nortear os protocolos de atuação das equipes de saúde. E quando se trata de big data, também é necessário planejar a área de armazenamento, que é um ambiente flexível em que os dados serão armazenados.
Recursos Humanos
Um sistema de medicina digital exige a capacitação de todos que irão utilizá-lo, cidadãos, pacientes, profissionais de saúde e gestores devem estar preparados para aproveitar ao máximo o acesso aos dados compartilhados. Além dessa formação geral, é preciso formar profissionais, das áreas de saúde e digital, em todos os níveis e esferas do sistema. Pode ser difícil treinar pessoas que conhecem a fundo as duas áreas, mas as pessoas que precisam de uma transformação digital precisam entender de saúde e os profissionais de saúde precisam entender as possibilidades de digitalização para sua área.
Devem participar da concepção, desenvolvimento, implantação, manutenção e monitoramento dos sistemas, bem como facilitar o relacionamento com outros atores, em todos os aspectos relativos às tecnologias e à informação em saúde. A medicina baseada em evidências trabalha com protocolos e permite total transparência na relação do paciente com as equipes de saúde, médicos, enfermeiros, centros de imagem e centros de análises clínicas. Para participar da transformação digital, um profissional de saúde deve saber ser transparente, trabalhar em equipe, seguir protocolos e recomendações. Esse deve ser o padrão, mas nem todas as universidades estão interessadas em formar um médico preparado para os novos tempos.
Além disso, embora uma parcela significativa dos usuários do sistema de saúde utilize amplamente telefones celulares e computadores, caberá aos centros médicos ajudar aqueles que não são especialistas em equipamentos eletrônicos a aproveitá-los e dispositivos de monitoramento. Com atenção especial à eficiência e qualidade do sistema, a expectativa é promover a integração de novas ferramentas na vida do profissional para que ele tenha condições e informações adequadas para humanizar a assistência. Entre eles, tempo para uma boa conversa, boas ferramentas de diagnóstico e suporte de inteligência artificial.
Devemos aproveitar as oportunidades tecnológicas que os desafios nos oferecem e criar as condições para enfrentá-los corretamente. A experiência internacional mostra que a disseminação de soluções digitais deve ser pautada por um projeto de inclusão que ajude sua adoção em todos os níveis. Desde facilitar o acesso em locais públicos ao desenvolvimento de manuais para explicar tecnologias e explorar sua implementação em setores como engenharia, comunicação, pesquisa científica, medicina, arte, agricultura e indústria.
Claro, não se pode ignorar que a tecnologia traz inúmeros riscos. Se usado superficialmente, para digitalizar a burocracia ou robotizar o atendimento e as interações humanas, tornará os processos ainda mais impessoais. Este é um caminho que não gera o resultado que precisamos.
A proposta que propomos procura exatamente o contrário. A tecnologia deve ser concebida e aplicada a serviço da melhor relação entre o profissional de saúde e o paciente, contribuindo para uma saúde mais humanizada. O caminho é expandir a cultura de uso de soluções digitais e suas melhores práticas. Assim, teremos clareza, como sociedade, do potencial desses recursos para enfrentar os desafios que surgem neste século.
*Lenildo Morais é Mestre em Ciência da Computação, Professor Universitário, Pesquisador e Gerente de Projetos.