A semana que passou a história republicana brasileira ganhou novo capítulo. O País acompanhou com expectativa as informações sobre o indiciamento pela Polícia Federal do ex-presidente Jair Bolsonaro e outras 36 pessoas por tentativa de golpe de estado e organização criminosa. Mas o que chamou a atenção foi o número de militares envolvidos na trama: 25, entre eles sete generais, alguns da alta cúpula das Forças Armadas, como Braga Netto e Augusto Heleno, que foram ministros do governo Bolsonaro, da Defesa e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), respectivamente.
Apesar do espanto pelo tamanho e detalhes do plano traçado para a tomada do poder no Brasil, após as eleições de 2022, é impossível dissociar a história do Brasil republicano da ação dos militares.
O filósofo, professor e cientista político Hely Ferreira explica que quando a República substituiu o Império no Brasil, ela chegou pelas mãos dos militares. “E, diga-se de passagem, qualquer historiador sério vai dizer que chegou de forma golpista. Ela não chegou aqui de forma tranquila, com o apoio popular da época”, pontou o professor.
A república e o poder militar
Hely acrescenta que, ao longo dos anos, a ideia de República no Brasil sempre esteve muito ligada diretamente ao poder militar, embora a gente reconheça a participação civil.
Essa posição é compartilhada pelo mestre em Ciência Política e doutor em Ciências Sociais pela Unicamp Rudá Ricci. Ele lembrou que, na década de 1930, metade das Forças Armadas, segundo uma pesquisa do Ministério da Guerra na época, hoje Ministério Defesa, aderiu ao Integralismo, a versão brasileira do regime fascista de Benito Mussolini.
“Então o que a gente precisa ter Claro é que esse tipo de concepção belicista, e não apenas para defender a nação contra uma guerra externa, mas para impor uma espécie de poder moderador no Brasil, é uma cultura instalada nas Forças Armadas”, avalia o professor.
Nesse contexto, lembra o professor Rudá Ricci, as forças militares brasileiras são o oposto do que ocorre nos Estados Unidos, que recentemente elegeu o empresário Donald Trump como presidente da República. “Por incrível que pareça, lá (nos EUA) as Forças Armadas são contra Trump. Eles acham que o Trump coloca em risco a democracia do país. É uma formação absolutamente distinta da formação Militar Brasileira”, destaca o professor.
O cientista político Hely Ferreira acrescenta que essa relação entre os militares e a política faz com que o Brasil sempre vive “à beira de um golpe’.
“O que está ocorrendo hoje no Brasil, quem acompanha o dia a dia da política, não fica surpreso. É estarrecedor, mas não é surpresa para quem acompanha o dia a dia da política nacional. O que se tem de novo agora é que a história sempre mostrou os militares colocando civis na cadeia. Hoje, nós estamos assistindo um cenário diferente, algo está sendo posto ao contrário. Resta saber se o Brasil suporta toda essa trajetória. O país está sangrando”, colocou Hely Ferreira.
Sobre o futuro, Rudá Ricci acredita que vai haver reação, pois os integrantes do plano serão denunciados pela Procuradoria-Geral da República e julgados ainda em 2025 pelo Supremo Tribunal Federal, para não sobrepor às eleições de 2026. Portanto, prevê, o próximo ano será muito turbulento.
“O caso será julgado pela primeira turma do STF, que é composta por gente que ou foi ameaçado diretamente pelo bolsonarismo, ou entrou em conflito, caso do ministro Alexandre de Moraes e do ministro Flávio Dino. Mas tem outros ministros. Caso do ministro (Luiz) Fux. Então já se tem mais ou menos uma ideia da tendência”, ponderou o professor.
Ele acrescenta que os próximos passos terão que ser assistidos atentamente. “Vamos acompanhar com muita cautela, principalmente a reação. E evidentemente que a situação, se for denunciado Jair Bolsonaro, passa a ser muito delicada e ele vai tentar insuflar a base bolsonarista. Então, de um lado, vamos ter que acompanhar a reação dos militares e, de outra, a própria reação que Bolsonaro pode tentar desfechar, sabendo que já vai ter assumido a presidência o recém-eleito presidente dos Estados Unidos, Donald Trump”, situa o professor Rudá Ricci.
Bolsonarista vê cortina de fumaça
Nas hostes bolsonaristas, a vitória de Donald Trump reacendeu a chama da direita no Brasil. Deputado estadual com forte ligação com o ex-presidente, o Coronel Alberto Feitosa acredita que a denúncia contra o ex-presidente e outras 36 pessoas é uma cortina de fumaça.
Segundo Feitosa, o governo Lula que esconder a queda de popularidade do presidente e ofuscar a vitória do presidente dos Estados Unidos. “Há uma perseguição implacável contra Bolsonaro, para tirar ele da rua. O presidente saiu vitorioso nas eleições de outubro passado. Além do que, ele vai é ovacionado, lula, por outro lado, é ovado”, brincou o deputado.
Ele critica a forma pela qual as investigações são conduzidas, ataca o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre Moraes, condenando o fato de ele conduzir um processo no qual é parte, e a delação feita pelo tenente-coronel Mauro Cid, que na última quinta-feira prestou depoimento ao próprio Moraes.
““imagina como Alexandre de Moraes vai ouvir Mauro Cid. ‘Mauro Cid havia um plano para me matar? Ele está agindo como vítima, promotor, investigador e juiz. Como pode? Não existe isso em canto do mundo. Qualquer aluno de direito sabe que está errado”, avaliou Feitosa.
Descanso em Alagoas
O ex-presidente soube do seu indiciamento quando está em São Miguel dos Milagres, em Alagoas, quando passava uma semana na Pousada Villas Taturé, do seu ex-ministro do Turismo Gilson Machado. Ele chegou na última segunda-feira (18) e, nos dias seguintes ao indiciamento, procurou não demostrar preocupação com o fato. Passeou de barco, caminhou pelo vilarejo, cortou o cabelo em um barbeiro, tudo regado a muitos sorrisos. Fica por lá até esta segunda-feira (25). Depois aguardará os próximos passos da investigação. Confiante com os novos rumos da política mundial, com a vitória de Donald Trump. Esse sentimento de otimismo com os ventos que vêm da América do Norte pode ser resumido em uma frase de Alberto Feitosa.
“Depois de 20 de janeiro (de 2025), o mundo é outro”, diz, numa referência ao dia da posse de Donald Trump.
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