José Carlos Cavalcanti*
A inflação não sai do noticiário, só que do noticiário internacional! Aqui no Brasil, depois de uma experiência terrível com a hiperinflação dos anos 1980, e início dos anos 1990, adquirimos a crença de que a inflação foi “dominada”. Depois de uma taxa de inflação média da ordem de 6,5% ao ano, entre os anos de 2000 e 2014, a taxa oficial (medida pelo IPCA) atingiu um pico de 10,71% em janeiro de 2016, caiu em seguida, voltou a subir a partir de maio de 2020, alcançando um pico de 12,13% em abril de 2022, cedendo depois de então (até atingir a meta oficial para a inflação de 3,25%, em junho de 2023), como aponta a Figura 1 à frente!
É possível dizer, então, que o Banco Central do Brasil teve pleno sucesso em trazer a inflação para a meta oficial, e ficarmos despreocupados daqui em diante? Não há dúvidas de que o Banco Central do Brasil obteve sucesso nesta tarefa, mas o que valeu para o passado pode não valer para o futuro! E a razão é simples: ao contrário do passado, hoje a inflação está cada vez mais globalizada!
E para darmos suporte a este argumento, valemo-nos de um importante discurso proferido em Viena, na Áustria, em 11 de maio de 2022 por Isabel Schnabel, que pertence ao Conselho Executivo do Banco Central Europeu, cujo título dá nome a esta newsletter. Segundo a economista, há duas visões (que competem entre si) acerca do impacto da globalização sobre a inflação doméstica. Uma visão é a de que o componente global da inflação reflete, de longe, movimentos de preços em mercados de energia e de commodities. A globalização deve afetar a inflação subjacente, mas esses efeitos são julgados como sendo economicamente pequenos.
A visão alternativa é a de que o global economic slack (**) (hiato econômica global) importa para a inflação doméstica subjacente, e que a globalização deve ter baixado a sensitividade da inflação ao domestic slack (hiato doméstico), tese primeiramente apontada em Cicarelli and Mojon (2010). Apesar da força de tais fatores globais diferir ao longo das economias, uma falha em contabilizá-los apropriadamente pode resultar em erros de previsão significativos. Esta é hipótese da “globalização da inflação”.
No discurso proferido, a economista argumentou que a pandemia, e mais recentemente a invasão da Rússia na Ucrânia, estão provando evidência tangível em favor da segunda hipótese. Segundo a economista, grandes excedentes globais de poupança e excepcionalmente fortes excessos globais de demanda contribuíram para elevar o poder de fixação de preços de empresas ao longo de economias avançadas. Isto alimentou pressões de preços subjacentes mesmo em países onde o gap doméstico permanece presente.
Na área do euro, a forte elevação em selling prices (preços de venda) tem mitigado o impacto do choque adverso dos termos-do-comércio a partir dos preços de commodities mais altos, e tem reforçado os lucros corporativos em setores mais fortemente expostos à demanda global. Como resultado, empresas da área do euro têm recentemente sido tanto exportadoras de inflação – através de preços de exportação maiores – quanto têm sido importadores.
A extensão e a persistência às futuras pressões de preços subjacentes irão depender de duas coisas: o grau pelo qual a empresas estarão capazes de repassar as altas dos custos dos insumos para os consumidores, e se lucros maiores irão se traduzir em remunerações maiores.
O fato de que a inflação é, em larga extensão, guiada por fatores globais não significa que a política monetária pode ou deveria permanecer de lado. Ao contrário, argumenta a economista, choques globais persistentes implicam que a firme ancoragem de expectativas se tornou mais importante do que nunca. E à medida que os riscos estão crescendo de que a alta inflação corrente está se tornando entrincheirada em expectativas, a urgência por política monetária para tomar ação para proteger a estabilidade de preços aumentou nos anos recentes.
Algumas questões permanecem na análise da hipótese da globalização da inflação: a inflação na área do Euro e nos EUA são realmente diferentes? Como os choques comuns e os transbordamentos de choques estão guiando a sincronização global de preços? Como a subida de preços mitiga o choque dos termos-de-comércio e reforça os lucros corporativos? A persistência de choque implica em pressões de preços subjacentes? E, finalmente, como a normalização da política monetária está se torando mais urgente?
Estas são questões que serão tratadas na newsletter da próxima segunda-feira!
*José Carlos Cavalcanti é economista e professor da UFPE
**Economic slack é uma frase usada para descrever a quantidade de recursos na economia que não estão usados. Medidas de slack são taxa de desemprego e hiato de produto.
Leia também:
José Carlos Cavalcanti: The Shadow Banking System (O Sistema Bancário Sombra) (1)
José Carlos Cavalcanti: The Shadow Banking System (O Sistema Bancário Sombra) (2)