Paulo Guimarães*
A crise do Covid-19 e seus impactos econômicos já são conhecidos e preocupantes em seus desdobramentos. O início de forma isolada como uma questão sanitária se desdobrou em um colapso na oferta agregada e em uma crise de demanda global, impactando a logística e consequentemente as cadeias de valor. Os governos reagiram com pacotes e programas volumosos, mas ainda assim o PIB mundial regrediu cerca de 3,5% em 2020 de acordo com o FMI. A Organização Internacional do Trabalho (OIT)[1] estimou uma perda de 255,0 milhões de empregos de tempo integral, quantidade muito superior às perdas registradas no mercado de trabalho na crise financeira de 2008.
É nesse contexto que se observa os efeitos da pandemia também nas escolhas de políticas econômicas e de desenvolvimento. Com a escassez de insumos, o travamento da logística mundial, e o aumento no preço do frete, o impacto é imediato nas cadeias de valor. A fragilidade do sistema logístico exposta pela pandemia leva a questionamentos sobre o modelo global outsourcing, com terceirização de parte do processo produtivo para posterior integração, já que para ser competitivo é necessário funcionar de forma eficiente.
O antigo e polêmico debate sobre política industrial reaparece com mais força. Recentemente os economistas Lavínia Barros de Castro, Paulo Gala e Thiago Miguez levaram esse debate para as redes sociais pelo canal Missão Desenvolvimento, e enriqueceram a discussão como base no recente estudo intitulado Scoring 50 Years of US Industrial Policy, 1970–2020, publicado pelo Peterson Institute for International Economics, que faz uma avaliação sobre os últimos 50 anos da política industrial americana.
Ainda que se observe a guerra comercial e tecnológica por trás das escolhas políticas e econômicas, principalmente entre as maiores potências, o que chama atenção é a insegurança sobre os modelos de produção trazida pela pandemia, inclusive para os países desenvolvidos. Dominar a parte mais nobre dos processos produtivos não garante finalizar a produção. Em um certo momento, países europeus e os Estados Unidos perceberam que não podiam produzir, por exemplo, máscaras, equipamentos hospitalares ou mesmo vacinas, já que faltavam insumos ou componentes pelo “desligamento” da economia mundial. Essa questão foi ilustrada em uma das primeiras medidas tomadas pelo Conselho Europeu, através do financiamento de três novas fábricas de vacinas na Europa.
Nesse aspecto, destaca-se a importância de se estimular o tema no Brasil, a partir das oportunidades, por exemplo, relacionadas às demandas sociais, com destaque para a saúde pública. Uma política industrial associada ao SUS e às compras governamentais impulsionariam o chamado complexo industrial da saúde e, consequentemente, gerariam investimentos, emprego e renda. Outra oportunidade vem do campo tecnológico, com as necessidades de conectividade e o recente leilão para exploração e oferta do 5G, que também podem ser associados a políticas específicas proporcionando inovação e presença de segmentos de ponta no país.
O que se observa sobre a politica industrial é que há um novo debate em curso e algumas medidas já em andamento na Europa e nos Estados Unidos. No caso americano, o estudo mencionado divide a política industrial em três blocos: (i) as de comércio exterior relacionadas à barreiras tarifárias e não tarifárias, (ii) as de subsídios que são relacionadas à empresas ou setores específicos, e (iii) as de pesquisa e desenvolvimento que são associadas ao avanço nas fronteiras tecnológicas.
O documento do Peterson Institute for International Economics apresenta maiores pontuações para as políticas de pesquisa e desenvolvimento, embora em situações e momentos específicos o estudo destaca bons resultados também nos outros dois blocos.
Ressalta-se que a discussão promovida pelos economistas é bem mais rica do que foi possível inserir neste curto artigo. O propósito aqui é destacar que o choque provocado pela Covid-19, além dos impactos econômicos imediatos, traz também questões conceituais de médio e longo prazos, e enriquece o debate sobre os sistemas de produção, inovação e de desenvolvimento econômico. Trata-se de um momento oportuno para maior dialogo entre os setores produtivos e o Estado, no sentido de examinar e redesenhar políticas aderentes aos novos desafios pós pandemia.
*Paulo Guimarães é economista, doutorando pela Universidade de Lisboa e sócio- diretor da Ceplan Consultoria Econômica