
Mais de 70 famílias agricultoras do Agreste pernambucano e membros da tribo indígena Kapinawá, do Vale do Catimbau, ocuparam a sede da Agência de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco (ADEPE) na manhã desta segunda-feira (17). O movimento conta com o apoio de estudantes da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e da Universidade de Pernambuco (UPE), além de diversas organizações sociais. O protesto denuncia os impactos negativos causados pela instalação de complexos eólicos na região.
De acordo com os manifestantes, os empreendimentos eólicos têm provocado danos irreversíveis às comunidades locais. Entre as principais queixas estão a perda de territórios, remoções forçadas e agravamento de problemas ambientais e de saúde. Famílias que vivem próximas às torres relatam piora na qualidade de vida, doenças associadas ao funcionamento dos aerogeradores e contratos abusivos que as prejudicam economicamente.
A maioria das famílias impactadas vive em áreas rurais de municípios como Caetés e Venturosa. Além disso, o povo indígena Kapinawá enfrenta o risco de perder parte de seu território devido à expansão dos complexos eólicos na região.

Os manifestantes apresentaram uma série de reivindicações ao governo estadual e federal. “Queremos a revogação imediata das licenças de operação dos complexos eólicos Ventos de Santa Brígida, Ventos de São Clemente e Serra das Vacas”, disse João do Vale, agente pastoral da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Além disso, os líderes dos movimentos exigem a suspensão das atividades dos mais de 280 aerogeradores até que medidas de reparação e compensação sejam implementadas. “Queremos a paralisação dos processos de licenciamento de novos empreendimentos pela CPRH (Agência Estadual de Meio Ambiente) e pela Semas (a secretaria estadual de Meio Ambiente) e o fim de incentivos fiscais e crédito a empresas envolvidas em violações de direitos humanos, até que estudos técnicos comprovem a ausência de impactos negativos às comunidades locais”, disse João do Vale.
Falta de diálogo e impactos das energias renováveis
Segundo o agente pastoral da Comissão Pastoral da Terra (CPT), as tentativas de diálogo direto com o governo estadual se arrastam há quase três anos. “São famílias que estão há mais de oito anos convivendo com esse problema e estão em processo de adoecimento”, afirmou.
José Anchieta, diretor-presidente da CPRH, destacou que novos estudos precisam ser realizados antes que qualquer decisão seja tomada. “A interrupção das atividades de um parque eólico envolve diversas implicações. São empreendimentos que operam há mais de uma década e fazem parte da matriz energética nacional. Se não houver solução para mitigar ou minimizar os impactos, aí sim avaliaríamos o realocação do parque, mas antes disso, precisamos explorar todas as possibilidades”, explicou.
Ainda segundo Anchieta, as empresas responsáveis pelos parques eólicos serão notificadas e convocadas para um novo cronograma de estudos sobre os impactos na população. “Todas as medidas são possíveis, mas precisam ser construídas junto com a comunidade. Isso não pode demorar”, concluiu.
Manifestantes seguem em ocupação
Na tarde do mesmo dia, foi realizada uma assembleia na sede da ADEPE com representantes dos grupos envolvidos no ato. De acordo com João do Vale, a secretária da SEMAS, Ana Luiza Ferreira, prometeu levar as demandas à governadora Raquel Lyra. Enquanto aguardam uma resposta do governo, os manifestantes seguem ocupando a sede da agência.

O impacto dos parques eólicos
A energia eólica tem desempenhado um papel significativo no desenvolvimento energético do Nordeste brasileiro, a região abriga cerca de 70% dos parques eólicos do Brasil, com mais de 700 empreendimentos em operação.
Em Pernambuco, a energia eólica representa uma parcela considerável da matriz energética estadual. No Agreste pernambucano, municípios como Caetés destacam-se pela concentração de aerogeradores. Por exemplo, o complexo “Ventos de São Clemente” possui 126 aerogeradores distribuídos em quase 100 propriedades rurais, principalmente em Caetés. Com capacidade instalada de 216,1 MW, este é atualmente o maior complexo eólico em funcionamento no Estado.
Outro destaque é o complexo Ventos de Santa Brígida, formado por sete parques eólicos, distribuídos entre os municípios de Caetés, Pedra e Paranatama. São 107 aerogeradores instalados, com capacidade de gerar 181.9 MW, energia suficiente para abastecer 350 mil casas.
Pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco também indicam que a implantação de parques eólicos pode acarretar impactos ambientais, incluindo a morte de animais e a destruição de vegetação nativa. Estudos realizados na Caatinga apontam que a presença de aerogeradores pode afetar negativamente a biodiversidade local, alterando habitats e interferindo nas rotas migratórias de aves.
A reportagem do Movimento Econômico fez contato com as empresas por e-mail e ainda aguarda posicionamento.
Leia mais:
O impacto das eólicas foi desigual para os nordestinos do semiárido
Energias renováveis são a segunda causa do desmatamento da caatinga