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Enzima eleva potencial do Brasil em biocombustíveis

A enzima descoberta pelos pesquisadores do CNPEM que desconstrói a celulose, liberando mais glicose. Ela pode ser usada para aumentar a produção de biocombustíveis
O pesquisador do CNPEM, Mario Murakami, liderou o estudo que descobriu a enzima que “desconstrói” a celulose. Foto: CNPEM/Divulgação

Se toda a biomassa de resíduos agroindustriais de quatro grandes culturas do Brasil, como cana-de-açúcar, eucalipto, laranja e milho, fossem destinadas a produção de energia, poderia atender oito vezes a demanda por combustíveis do País, numa estimativa feita pelo pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), Mario Murakami. Ele liderou o estudo que resultou na descoberta da enzima CelOCE (do inglês, Cellulose Oxidative Cleaving Enzyme), que vai causar uma verdadeira revolução no uso do resíduo vegetal, liberando uma maior quantidade de glicose. Isso pode resultar numa maior quantidade de biocombustíveis sem precisar aumentar a área de plantio.

A estimativa acima usou cerca de 70% dos resíduos agroindustriais das quatro culturas. E, se este potencial que já é grande, pode ficar maior com a molécula descoberta pela equipe do CNPEM. Trata-se de uma nova classe de biocatalisador, capaz de acelerar a desconstrução da celulose. Pelo menos desde o começo dos anos 2000, laboratórios, do mundo inteiro, tentam descobrir enzimas que aumentem a liberação de glicose nos resíduos de celulose.

A descoberta, segundo Mário, traz um “novo paradigma para a celulose e tem um imenso potencial tecnológico”. “A celulose é muito recalcitrante, resistente à despolimerização, à degradação biológica e química. E o que essa enzima faz? Ela abre esses cadeados, tornando a celulose mais acessível à ação de outras enzimas para despolimerização”, explica Mário.

Em condições industriais testadas pelos pesquisadores, o uso da enzima aumentou em 20% a liberação da glicose no resíduo da biomassa, que pode ser, por exemplo, o bagaço da cana-de-açúcar, a lasca de eucalipto, ou resíduo do milho. Isso significa maior produtividade e menor desperdício no processo industrial.

Um dos diferenciais da enzima descoberta é que ela produz peróxidos, somente onde há necessidade dentro do processo industrial, o que contribui para a liberação da glicose. Os peróxidos são compostos químicos que contêm oxigênio em estado de oxidação e ajudam no processo da liberação da glicose. “Isso é uma grande vantagem industrial e contribui para potencializar a liberação de glicose”, explica Mario.

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Somente para o leitor entender, os peróxidos já são usados nas monoxigenases ativas sobre a celulose, utilizadas para quebrar a celulose no processo de fabricação do etanol de segunda geração. Segundo o pesquisador, esses peróxidos (usados no álcool de segunda geração) são externos às enzimas usadas neste processo, altamente reativos e trazem uma dificuldade, em escala industrial, porque reagem em qualquer etapa do processo e não numa parte específica do processo.

E as futuras aplicações desta enzima num processo industrial ? “Ela gera glicose em qualquer molécula”, mas, pela escala, o pesquisador cita as aplicações em bioenergia, em quatro grandes classes de biocombustíveis: o etanol de segunda geração, e hidrocarbonetos, como o SAF, o bioquerosene sustentável de aviação; o diesel verde e a gasolina verde. “Essa descoberta potencializa qualquer tipo de biorefinaria, aumenta a eficiência de forma holística”, conta Mario. Até hoje, a tecnologia mais madura existente em biorrefinaria é o etanol celulósico, o de segunda geração.

Outro diferencial da enzima descoberta é que foi testada no próprio laboratório do CNPEM, simulando condições industriais. “É um pacote biotecnológico validado em planta pronto para o licenciamento”, comenta Mário, acrescentando que a instituição deu entrada na patente da descoberta e foram iniciadas conversas com empresas interessadas no licenciamento do uso da nova enzima, mas não revelou nomes.

E ao ser questionado, sobre a lição que a pesquisa trouxe aos pesquisadores, Mário argumentou que “esse trabalho mostra o potencial de se preservar a biodiversidade, que tem o potencial de revolucionar a nossa transição com a economia circular de base biológica, que é o futuro. O petróleo não é renovável, ele vai se esgotar num momento. Temos que ter outras alternativas ao petróleo. E a biomassa vegetal é uma grande alternativa, porque o Brasil produz, por exemplo, centenas de milhões de toneladas de biomassa vegetal”.

Outro fator que o pesquisador considera importante é que os resíduos vegetais que podem ser usado pra fazer mais biocombustíveis – utilizando a enzima – não concorrem com a produção de alimentos, “trazendo um retorno social e econômico importante”.

Laboratório do CNPEM onde foi testada a nova enzima simulando condições industriais. Foto: CNPEM/Divulgação

Pesquisa para descobrir a enzima levou cinco anos

A descoberta da enzima foi publicada na renomada Revista Nature no último dia 12. A descoberta ocorreu dentro do Programa de Mapeamento do Patrimônio genético da Biodiversidade Brasileira do CNPEM, iniciado há 10 anos. A pesquisa que resultou na descoberta da nova enzima foi concluída em cinco anos.

O projeto foi desenvolvido por pesquisadores do CNPEM, em Campinas – interior de São Paulo-, em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisa para Agricultura, Alimentos e Meio Ambiente da França (INRAE, da Universidade Aix Marseille), e com a Universidade Técnica da Dinamarca (DTU).

A enzima foi encontrada em solo brasileiro a partir do material genético de bactérias encontradas em resíduos de biomassa. Ela é constituída por uma estrutura que contém 115 aminoácidos e abre perspectivas de novos usos futuros ou mesmo de desenvolvimento deenzimas sintéticas, com aplicações inclusive em reaproveitamento de resíduos plásticos, segundo informações do CNPEM.

O CNPEM é um ambiente científico de pesquisa multidisciplinar, com ações em diferentes frentes do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação e desenvolve estudos que impactam as áreas de saúde, energia, materiais renováveis e sustentabilidade, entre outras.

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