A Caatinga, bioma único e exclusivamente brasileiro que cobre cerca de 11% do território nacional, com aproximadamente 850.000 km², está presente no norte de Minas Gerais e em todos os estados do Nordeste. Esse ecossistema, com sua rica biodiversidade, é vital para a economia local, especialmente para a agropecuária. A postura negacionista dos EUA em relação à preservação ambiental mundial coloca o Brasil em uma posição de destaque na pauta internacional, especialmente com a aproximação da 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), evento que será sediado no país, onde os biomas brasileiros, incluindo a Caatinga, serão protagonistas nas discussões sobre sustentabilidade e preservação.
A exploração e a preservação do bioma devem ser abordadas de forma local e nacional, com medidas de proteção que promovam seu uso sustentável. Especialistas apontam que o bioma tipicamente nordestino deve ser preservado por meio de políticas públicas eficazes que priorizem a biodiversidade e a sustentabilidade econômica, assim como a Amazônia.
O Brasil, especialmente o Nordeste, pode tirar proveito da crescente atenção internacional voltada à preservação dos biomas e à transição para uma economia verde. As discussões em torno do mercado de carbono e da bioeconomia, por exemplo, podem ser aliadas na preservação da Caatinga, uma vez que práticas como o uso sustentável da vegetação nativa ganham relevância.
Pernambuco tem plano que inclui reflorestamento
A Caatinga é fundamental para Pernambuco, cobrindo 80% de seu território e impactando diretamente a agricultura familiar, especialmente no Sertão. Segundo o IBGE, a área abriga 316.862 habitantes, sendo 51% deles residentes em zonas rurais. Nesse cenário, no último ano, o Governo de Pernambuco anunciou uma série de projetos voltados à preservação ambiental e à transição para uma economia sustentável.
As ações abrangem desde o reflorestamento de áreas degradadas até a criação de modelos econômicos, com forte investimento e metas. No dia 29 de abril de 2024, em homenagem ao Dia da Caatinga, comemorado em 28 de abril, foi lançado o Edital Caatinga. Com um investimento de R$ 16 milhões, a iniciativa tem como objetivo recuperar áreas degradadas no semiárido pernambucano, plantando 500 mil mudas do bioma.
No Dia Mundial do Meio Ambiente, em 5 de junho de 2024, foi lançado o Programa de Reflorestamento da Mata Atlântica e da Caatinga. A meta da iniciativa é plantar 4 milhões de árvores nativas até 2026, em uma área de 2,4 mil hectares, o equivalente a três vezes o tamanho do bairro de Boa Viagem, na capital pernambucana.
O programa conta com um investimento total de R$ 150 milhões e inclui ações complementares, como o lançamento de um aplicativo para engajar a população no plantio e um edital de R$ 4 milhões voltado a propostas de mitigação das mudanças climáticas
Além disso, no dia 1º de julho de 2024, em evento realizado no auditório do Porto Digital, no Recife, foi apresentado o Plano de Ação e Modelo de Governança, parte do Plano Pernambucano de Mudança Econômico-Ecológica (PerMeie). Desenvolvido pela Consultoria Econômica e Planejamento (Ceplan), com a participação da economista e socióloga Tania Bacelar, o plano é uma iniciativa inédita no Brasil e foi lançado oficialmente na COP28, realizada em Dubai, em dezembro de 2023.
Além disso, o Governo de Pernambuco iniciou estudos para criar seis novas unidades de conservação na Caatinga. A política pública é uma estratégia para resguardar territórios do estado onde há concentração do bioma a partir de regime especial de proteção ambiental.
A iniciativa receberá financiamento de R$ 1,8 milhões do Fundo Mundial para o Meio Ambiente, através do Programa do Governo Federal GEF Terrestre (GEF, sigla em inglês para Global Environment Facility Trust Fund). A coordenação é do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (FunBio) em conjunto com a Semas-PE e em articulação com a CPRH.
Especialista ambiental defende legislação eficiente
Apesar de todos os esforços do governo estadual para investir e reflorestar o bioma, o advogado ambientalista e doutorando em sustentabilidade pela Universidade de São Paulo (USP), Tiago Andrade, argumenta que é preciso estabelecer leis precisas sobre a temática, visando criar normas que sejam cumpridas e desenvolver um olhar diferenciado sobre a questão ambiental.
“A Mata Atlântica, por exemplo, está no rol de biomas protegidos pela Constituição Federal. O artigo 225, ele define que a Mata Atlântica é um patrimônio nacional e deve ser protegida. A Caatinga, no entanto, não está incluída. No âmbito local, em Pernambuco, temos a Constituição Estadual. A Mata Atlântica é mencionada nela, mas a Caatinga, que ocupa uma área muito maior e tem mais relevância no estado, não” comenta.
Em termos de preservação do bioma, o Código Florestal do Brasil determina que 20% da área de um imóvel rural deve ser destinada à Reserva Legal (RL) em regiões que não a Amazônia Legal. Ou seja, essa porcentagem determina uma área preservada para a regeneração da Caatinga, onde não é permitido nenhum tipo de exploração.
Em comparação com a Amazônia, essa mesma lei determina que 80% da área seja reserva legal, recebendo uma atenção maior em comparação com os biomas brasileiros. “Quando olhamos para a Caatinga, não há o mesmo rigor. A exploração acontece de forma desordenada, e espécies únicas no mundo, que deveriam receber maior atenção, acabam negligenciadas. É preciso trazer mais visibilidade para essa questão”, aponta Andrade.
Para o advogado ambientalista, para além de uma legislação mais rígida que proteja o bioma, é preciso a realização de mais estudos científicos. “Quando conversamos com empresas que fazem a precificação de projetos de carbono no Brasil, percebemos que elas não têm interesse na Caatinga. O foco está na Amazônia e a Caatinga sequer é considerada. Faltam estudos que mostrem o potencial desse bioma em termos de captura e recuperação de carbono, além de outras contribuições ambientais que ele pode oferecer”, defende o profissional ambiental.
Dessa forma, a união dos estados nordestinos em torno da proteção da Caatinga pode ser um passo importante para garantir que o bioma seja considerado em paridade com outros ecossistemas nacionais. No âmbito nacional, o mercado de carbono é um avanço significativo para esse movimento. “Considerando isso, acredito que o caminho para os estados nordestinos seria unirem esforços para criar uma legislação conjunta de proteção ao bioma. Se todos os estados atuarem em bloco, com leis alinhadas e objetivos comuns, isso pode se tornar um movimento de relevância nacional”, afirma Tiago.
“A Caatinga, que representa cerca de 11% do território brasileiro, é um bioma único no mundo. Caso seja protegida por um esforço coordenado de todos os governadores da região, terá um impacto expressivo, atraindo a atenção necessária para o bioma e oferecendo a segurança que os investidores precisam para alocar recursos aqui”, afirma ele.
Inclusão da Caatinga nos debates nacionais sobre preservação
Apesar da grande atenção voltada para a Amazônia, o Brasil possui outros biomas que também merecem destaque no olhar internacional. A Caatinga, como um bioma único do país, exige uma abordagem distinta e estudos aprofundados para que sua preservação ganhe visibilidade. A COP30, que será realizada em Belém do Pará em novembro deste ano, é uma excelente oportunidade para fortalecer a presença do Nordeste nas discussões climáticas.
Para o coordenador da Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais (Rede Clima) e vice-reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Moacyr Araújo, o Brasil já está conduzindo “uma verdadeira cruzada de compromissos” para a recuperação e manutenção de seus biomas, priorizando todos os biomas na COP 30. Ele cita a nova versão das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) brasileiras, anunciada no final do ano passado, durante a COP29, em Baku, sendo ela “bastante audaciosa”.
“Essas metas abrangem todos os biomas brasileiros, incluindo a Caatinga. É importante destacar que todos precisam dar sua contribuição, desde entidades públicas até privadas, para que os compromissos sejam cumpridos de maneira efetiva”, comenta o coordenador da Rede Clima.
Medidas prioritárias para a proteção da Caatinga
Diante do cenário internacional de desafios e oportunidades, algumas medidas prioritárias podem ser destacadas para a proteção da caatinga. A primeira delas seria a implementação de políticas locais e nacionais focadas na conservação e no uso sustentável dos recursos naturais. A criação de incentivos para a agricultura sustentável, com técnicas de baixo impacto ambiental, é outra medida essencial.
“Esse cenário envolvendo Trump é algo que precisaremos observar com mais atenção para entender como irá se desenrolar. Mas reforço que é fundamental unir esforços em torno de um sistema local. No caso da Caatinga precisamos primeiro adotar iniciativas locais, dar voz a esse bioma e estabelecer uma proteção efetiva”, afirma Andrade.
Para ele, se o Brasil mantiver o foco em suas metas ambientais, “a postura de Trump não trará, de maneira direta, um impacto sobre a Caatinga”. Ele ainda cita que a estratégia que pode levar ao êxito na proteção da Caatinga é começar com iniciativas locais e, posteriormente, partir para ações a nível regional e nacional.
O coordenador da Rede Clima afirma também que medida prioritária para a proteção da Caatinga nos próximos anos diante do cenário internacional seria substituir totalmente o uso de lenha pelo gás natural: “a ação prioritária passa necessariamente pelo aproveitamento de algo que temos em abundância na região: a energia. À priori, é preciso revisar as cadeias produtivas que, historicamente, são responsáveis pela destruição desse bioma”, comenta.
“Uma alternativa mais interessante seria direcionar os investimentos feitos no transporte de gás para desenvolver sistemas eficientes de produção de gesso com o uso de energia solar e/ou eólica, que são abundantes na região. Essa transição seria um grande avanço na preservação do bioma”, destaca o estudioso.
Em um hipotético cenário de escassez de recursos, tanto nacionais quanto internacionais — a depender do que pode acontecer mundialmente com as medidas de Donald Trump —, Moacyr Araújo destaca que fortalecer ações do governo federal podem ser uma saída para o bioma.
“As medidas concretas seriam reforçar as ações do Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Caatinga (PPCaatinga), lançado pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) do Governo Federal, além de ampliar os investimentos em cadeias produtivas voltadas à sociobioeconomia desse bioma”, comenta o vice-reitor da UFPE.
Por fim, o educador cita o que o fortalecimento de projetos de educação ambiental e a conscientização sobre a importância da caatinga são fundamentais para garantir soluções ecológicas. “A Caatinga possui uma biodiversidade incrível, ainda pouco explorada e que pode ser utilizada de maneira sustentável, promovendo também a justiça social. Os recursos para essas ações devem vir, majoritariamente, do Brasil, sejam eles públicos ou privados”, finaliza Moacyr.
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