Tem lugar para marcas nordestinas num mercado de moda em que o TikTok dita o que é tendência e dominado pelo fast fashion das plataformas chinesas ou pelos grupos multinacionais? A resposta é sim, há espaço para todo mundo, como evidenciam 3 empresas regionais que você vai conhecer. São empreendimentos que estão expandindo a atuação no mercado nacional, ampliando exportações ou se aventurando em novos negócios, como a ecomoda.
Na Paraíba, o Grupo Mioche, sediado em Campina Grande, decidiu abrir 10 novas lojas de suas três marcas em 2024 e entrar na região Sudeste. O cronograma de inaugurações vai até dezembro. Com a expansão, a rede passará a ter 27 unidades até o final deste ano.
“Nesse programa de investimentos, o passo mais ousado será a estreia no cobiçado e exigente setor de moda masculina da cidade de São Paulo” afirma o diretor comercial, Rhuan Penaforte. As outras operações próprias serão abertas nos estados de Minas Gerais, Alagoas e Bahia.
O empresário destaca que 100% da produção destinada às unidades varejistas do grupo e aos parceiros saem da planta em Campina Grande.
Ao todo, a Mioche trabalha, fora de sua rede, com mil lojas multimarcas, que representam e revendem suas peças para diversas localidades no país. Essa logística, assim como a produção, é realizada diretamente pela empresa.
Moda de alto padrão? Temos
A ampliação da Mioche – que tem público-alvo entre 25 e 35 anos – evidencia a expansão do segmento de moda masculina de alto padrão no Nordeste.
É um movimento em que empresas nordestinas aproveitam o conhecimento a fundo dos mercados onde estão instaladas e a demanda regional de uma classe média alta e A que consomem estilo e estão sempre ávidas por tendências.
Com isso, essas companhias desenvolvem negócios num nicho tradicionalmente dominado por marcas globais e nacionais.
Esse é o caso da Mioche, com uma particularidade em relação a alguns concorrentes regionais. Subindo a régua do design e da qualidade cada vez mais alto, a Mioche cruzou as fronteiras do Nordeste e começou a atuar em todo o país, inicialmente por meio de revendas e agora por meio de lojas de suas marcas.
Informação é questão de sobrevivência no mundo da moda
O grupo atualmente tem um mix de 150 produtos em suas linhas de moda praia, casual e social. O portfólio inclui de calçados a alfaiataria. Todos esses itens saem da área de criação da empresa, sempre atenta ao que acontece nas passarelas, nas ruas e nas redes sociais.
Sobre esse aspecto, Rhuan Penaforte destaca que a informação é um dos componentes indispensáveis da fórmula do sucesso nesse mercado concorridíssimo.
“Nossos designers fazem um trabalho minucioso de pesquisa e acompanhamento sobre tendências no vestuário masculino e inovação em tecidos e outros insumos”, destaca.
“Também participamos da semana de moda de Paris e dos principais eventos no calendário do setor, no Brasil, pois saber ‘o que está acontecendo’ é questão de sobrevivência em nossa indústria”, afirma.
Moda de Pernambuco em Paris e Nova York
Em Pernambuco, a Marie Mercié se destaca no setor de moda pela ousadia de apresentar suas coleções na França e Estados Unidos, pelo artesanal elevado ao estado da arte e pelo modelo de negócio com responsabilidade social.
Voltada para a camisaria feminina, a marca tem feito, nos últimos quatro anos, um investimento contínuo em participações na Who´s Next (Paris) e na Coterie NY (Nova York).
No período, a empresa contabiliza oito participações nesses eventos, que estão entre os principais do calendário fashionista mundial. O esforço faz parte da estratégia da Marie Mercié para incrementar a internacionalização do negócio.
Atualmente, 17% da produção já são embarcados para o Reino Unido, Estados Unidos, França, Portugal, Grécia, Itália e Japão, entre outros países.
“A expectativa é de que, pelo menos, 20% da produção passe a ser vendida fora do Brasil até dezembro, afirma a proprietária Mércia Moura.
O volume total de produção está na casa, atualmente, de 30 mil peças/mês. São vestidos, calças, chemises, saias, blusas e shorts que combinam modelagens clássicas e tendências contemporâneas com delicadezas da cultura regional.
Transparências de renda, renascenças e bordados são aplicadas de forma diferenciada em cada peça, para que cada uma delas seja de fato única e evidencie o trabalho autoral da marca.
Moda com responsabilidade social
A Marie Mercié tem um storytelling muito particular. A empresa nasceu como uma pequena confecção, com seis bordadeiras.
Quarenta anos depois, a marca tem uma fábrica com 300 empregos diretos (e 150 indiretos), três lojas próprias no varejo – uma em São Paulo e duas no Recife – e uma operação no atacado, com 4 mil clientes ativos em todo o Brasil.
Para Mércia Moura, no entanto, o maior orgulho não é o salto que a empresa conseguiu dar nessas quatro décadas, mas a conexão do negócio com a comunidade onde está inserida.
Os funcionários da fábrica são moradores de Itambé – área de tradição canavieira da Zona da Mata Norte – onde está localizada a unidade fabril.
Com a reestruturação da indústria sucroenergética – que perdeu relevância em algumas áreas, como Itambé – a empresa acaba contribuindo, por meio da geração de empregos, para movimentar a economia local com uma atividade sólida.
O que acaba tendo outro impacto positivo: evitar que essas pessoas deixem suas casas para buscar oportunidades de trabalho no Recife e em cidades médias do interior pernambucano.
Um ponto fundamental em sua cultura organizacional é que as mulheres são maioria no quadro de colaboradores. Márcia Moura, aliás, faz questão de enfatizar o compromisso da Marie Mercié com a autonomia das mulheres na região.
“Temos um propósito muito ligado ao gênero, ao feminino, que está em nosso DNA“, diz a empresária.
Ecomoda em parceria com a indústria automobilística
Em Goiana (PE), a Roda também aposta em propósito, mas na área ambiental. Criada em 2019, a empresa viu, no mercado nacional, uma grande oportunidade para a moda circular, um segmento em alta graças a uma sociedade mais consciente em relação à inviabilidade do consumo desenfreado.
Diante dos desafios globais impostos pela descartabilidade – e consequentemente pela geração de resíduos em escala cada vez maior – a Roda tem se dedicado a projetos com forte apelo de sustentabilidade.
Um exemplo são as duas collabs da marca com a gigante automobilística Stellantis, que tem na cidade seu complexo industrial mais moderno em todo o mundo.
Nessas coleções, airbags e cintos de segurança que não passaram no controle de qualidade, além de retalhos de couros e pedaços de borrachas foram transformados em bolsas, calçados e outros produtos. A mistura desses materiais com informação de tendências mundiais da moda resultou em peças com um estilo muito próprio e bastante contemporâneo.
Preservação das espécies e reciclagem
Uma outra iniciativa de sucesso da Roda foi a parceria com a ONG Mamíferos Aquáticos e a Latam Airlines. A marca de moda ficou responsável pela formatação de um curso de produção de roupas com técnicas de upcycling.
Diferente da pura e simples reciclagem, a “reutilização para cima” não destrói os materiais que utiliza, nem transforma esse descarte novamente em matérias-primas como plástico, vidro e metal, entre outros.
O conceito é outro: dar nova utilidade ao objeto que iria para o lixo, mas preservando parte das suas características e design. O produto é adaptado – literalmente remodelado – para utilização no vestuário.
O treinamento desenvolvido pela Roda foi utilizado para a formação de grupos sociais produtivos, na região de Barra de Mamanguape (PB). A localidade, apesar de estar no litoral, tem fortes características rurais e uma economia pouco consistente. O que leva uma capacitação como essa a ter um viés transformador.
Para a fundadora Manu Medeiros, essas collabs expressam exatamente os valores em que a marca acredita. “Tão importante quanto o produto da moda é a forma como ele é produzido e quem os produziu”, defende.
Leia mais sobre moda:
Mostra quer estimular a criatividade e a inovação no mercado de moda pernambucano
Evento O Negócio da Moda,em Santa Cruz do Capibaribe, atrai empresas de fora