Os setores industriais dos quatro países membros do Mercosul apresentaram aos governos, nesta segunda-feira (27), um documento com as medidas prioritárias para o bloco econômico. Entre as prioridades estão a conclusão do acordo entre o bloco sul-americano e a União Europeia, o que pode abrir novos mercados para as empresas do bloco, e a a implementação do Acordo de Facilitação de Comércio do Mercosul. O documento foi assinado pelo Conselho Industrial do Mercosul – formado pela União Industrial Argentina (UIA), pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), pela União Industrial Paraguaia (UIP) e pela Câmara de Indústrias do Uruguai (CIU).
O Acordo de Facilitação de Comércio do Mercosul tem o objetivo de desburocratizar os procedimentos de exportação, importação e trânsito de mercadorias, diminuindo entraves desnecessários que prejudicam os fluxos comerciais dentro do bloco.
Além de indicar prioridades, o posicionamento dos representantes das indústrias nos quatro países do bloco é uma reação ao futuro governo do presidente eleito da Argentina, Javier Milei, que assume o comando daquele país no dia 10 de dezembro. Durante a campanha o então candidato Milei menosprezou o Mercosul e chegou a dizer que a Argentina não iria fazer negócios com o Brasil e a China por serem dois países “socialistas”. Geralmente, os negócios são fechados entre as empresas e precisam dos governos pra estabelecerem os acordos comerciais.
“A parceria econômica com o Mercosul é fundamental para o Brasil e tem papel estratégico no processo de fortalecimento da indústria nacional”, diz o presidente da CNI, Ricardo Alban. “Na agenda externa, uma das principais recomendações que defendemos em conjunto com o setor produtivo dos países sócios do bloco é a conclusão do Acordo de Associação Mercosul-União Europeia, uma oportunidade que não podemos perder se quisermos de fato dar um salto na inserção competitiva das nossas economias”, argumenta. O documento foi redigido no XI Fórum Empresarial do Mercosul, evento prévio à cúpula do bloco, sendo realizado pela CNI e Ministério das Relações Exteriores em Brasília.
Na abertura do XI Fórum Empresarial do Mercosul, o vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, defende a unidade do grupo, dizendo que “no Mercosul ainda podemos fazer muito mais para aumentar o comércio e a integração física entre os países membros. Juntos podemos crescer mais e melhor, e precisamos do apoio de vocês pra fortalecer o bloco”.
“Politicamente é importante o Mercosul contar com o apoio da Argentina. O comércio entre o Brasil e a Argentina vai continuar o mesmo. A política de comércio exterior passa por uma legislação, sendo matéria de regulação pelo Congresso Nacional, porque envolve barreiras alfandegárias, tarifárias e fitossanitárias”, comenta o sócio diretor da PPK, João Rogério Filho. E acrescenta: “Milei já deu uma atenuada no discurso depois do primeiro turno. O discurso de extrema direita foi atenuado com as coalizões realizadas. No Congresso, ele tem franca minoria, vai ter que civilizar o discurso”.
A importância do Brasil
O primeiro capítulo da futura aproximação de Milei com Lula ocorreu no domingo (26), quando a deputada argentina eleita Diana Mondino, chanceler designada por Milei, entregou, em Brasília, um convite, em mãos, ao ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, para Lula ir a posse do novo presidente. Na visita, Mondino também disse que a Argentina não cogitar sair do Mercosul, mas pensa em fortalecê-lo. Ela também afirmou que a Argentina não é contrária ao acordo entre o Mercosul e a União Europeia.
O Mercosul é muito importante para o Brasil e a Argentina porque um grande percentual dos produtos comercializados entre os dois países tem taxa zero de importação, de acordo com o diplomata argentino aposentado e ex-cônsul, Jaime Beserman. Ele acrescenta que os produtos que não estão neste grupo – com zero de taxa de importação – têm uma alíquota diferenciada dentro da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM). Jaime passou 32 anos trabalhando na diplomacia argentina, incluindo 14 anos no Brasil, onde atuou em Curtiba, Florianópolis, São Paulo e Recife, sendo cidadão pernambucano e paranaense.
“O Brasil e a China são dois dos principais parceiros comerciais da Argentina. Para a China, a Argentina praticamente exporta commodities, como soja, carne, milho e trigo. Já para o Brasil, a Argentina vende produtos manufaturados como carros, máquinas de lavar, produtos químicos, vinhos, laticínios, queijos, caminhões entre outros”, resume Jaime. Ele cita que para as empresas argentinas são mais importante as vendas para o Brasil, porque são comercializados produtos com mais valor agregado.
Jaime Beserman argumenta também que, desde que voltou a democracia, a Argentina e o Brasil, com os respectivos presidentes Raúl Afonsín e José Sarney iniciaram um relacionamento, na década de 80, “que ultrapassa o cunho político do governo que está à frente do País com uma troca que inclui comércio, cultura e educação”.
O comércio entre os dois países e a atuação no Mercosul vão continuar unindo o Brasil e a Argentina, na opinião de Beserman, como ocorreu na época em que os presidentes do Brasil, Jair Bolsonaro (PL) e o da Argentina, o peronista Alberto Fernández, eram de campos politicamente diferentes.
Segundo o diretor de Desenvolvimento Industrial e Economia da CNI, Rafael Lucchesi, “o Mercosul tem importante papel no desenvolvimento econômico e social do Brasil. Por exemplo, cada R$ 1 bilhão exportado pelo país para o Mercosul, em 2022, gerou quase 25 mil empregos e mais de R$ 550 milhões em renda na economia brasileira”. Ele defende também que “os desafios e oportunidades que nossos países têm de avançar na agenda da neoindustrialização, de desenvolvimento sustentável, e de inserção internacional estratégica serão melhor enfrentados com um Mercosul integrado e fortalecido do que com um bloco enfraquecido ou fragmentado”.
O Mercosul é o terceiro principal parceiro comercial do Brasil. As exportações têm grande participação da indústria de transformação, especialmente de bens de consumo duráveis de bens de capital. Em 2022, o bloco foi o principal destino das exportações brasileiras desses produtos.
A difícil situação da Argentina
“O equilíbrio fiscal é o maior problema da Argentina, que gasta mais em subsídios e na máquina pública. Lá, há subsídios na energia elétrica, combustível, transporte público e saúde. A cultura do peronismo deu um peso grande ao Estado e isso não se desfaz da noite para o dia. Atualmente, 40% da população vive na linha de pobreza. Como vai dizer que vai triplicar o preço da energia ou que a passagem não é mais de graça ? Não se desfaz isso sem aumentar o quadro recessivo”, comenta João Rogério Filho, acrescentando que esse é um desafio para a próxima gestão.
Ele diz que o presidente eleito não apresentou uma proposta econômica com começo, meio e fim. “Ele quer dolarizar a economia, mas não tem reservas suficientes para fazer a dolarização. Falou em fechar o Banco Central, mas e aí quem vai regular o mercado ?”, questiona.
Milei é liberal e quer diminuir o tamanho do Estado. “Na campanha, o candidato também falou em privatizar a companhia petrolífera argentina, mas sem mexer no subsídio ninguém vai querer comprar”, comenta o consultor. O País também está passando por um processo de hiperinflação. Em termos anuais, a inflação já ultrapassou os 140%.
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