São altas as expectativas em torno dos impactos positivos que deverão ser gerados pela montadora chinesa BYD na Bahia e, particularmente em Camaçari, considerando o rastro de destruição deixado pela saída da Ford na economia e mercado de trabalho. É uma página que empresários, profissionais desempregados, especialistas e governantes querem virar.
Os números sobre os estragos deixados pela marcha a ré da Ford são superlativos. O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) calcula que 50 mil pessoas perderam o emprego em toda a cadeia produtiva da montadora, incluindo os fornecedores de alimentação, transporte para os empregados, vigilância patrimonial e outros serviços. São 15 mil desempregados oriundos apenas da linha de produção.
Já a prefeitura de Camaçari estima que R$ 20 milhões por mês saíram de circulação da economia municipal, considerando somente os salários de empregados diretos da montadora e sistemistas.
É essa história que entidades empresariais do estado, lideranças dos trabalhadores, economistas e poder público querem superar com a chegada da BYD. A previsão é que o parque da montadora no Brasil comece a operar no segundo semestre de 2024.
O projeto da companhia prevê a instalação de três células em Camaçari, com investimento total de R$ 3 bilhões em uma montadora de veículos elétricos/híbridos, uma planta de chassis de ônibus e caminhões elétricos e uma fábrica de baterias de lítio. A estimativa é de que o complexo gere 5 mil empregos, entre diretos e indiretos.
BYD em sincronia com Stellantis
Economista com mestrado em Planejamento Global e Política Econômica e doutorado em Ciências Sociais, o ex-secretário de Planejamento da Bahia (2003/2006), Armando Avena, aposta que a BYD vai colocar a Bahia numa posição de destaque na indústria brasileira de carros elétricos e híbridos.
“A BYD é a maior produtora de carros elétricos do mundo, superior à Tesla de Elon Musk e tem tecnologia de ponta”. Ele também acredita que apesar da rivalidade no mercado, BYD e a Stellantis, que possui um complexo automotivo em Goiana (Pernambuco), podem se beneficiar de sinergias.
“A fábrica da BYD e a da Stellantis podem ser parceiras na montagem de um polo de fornecedores no Nordeste, como, aliás, vem sendo destacado pela própria Stellantis. A demanda por peças e equipamentos das duas fábricas pode dar escala para a construção de um polo de autopeças no Nordeste”, explica.
Sobre o impacto tecnológico, Avena ressalta que a BYD pode representar um novo salto para a Bahia e o Brasil como um todo, graças à possibilidade de se unir o know how que o grupo já detém com o trabalho do centro tecnológico Senai Cimatec Park. Localizada em Camaçari, a unidade tem quatro milhões de metros quadrados.
Com laboratórios avançados, grandes usinas piloto, áreas de segurança para testes e operações de risco e até uma pista de teste do setor automotivo, o Cimatec foi implantado inicialmente com apoio da Ford.
Mas segue ativo após a saída da montadora, graças à Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb) e ao Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). “O núcleo conta com um time de dois mil engenheiros altamente especializados”, ressalta o ex-secretário.
Quanto ao impulso no comércio exterior, Avena lembra que a BYD já vai encontrar pronta a infraestrutura para exportação, graças ao Terminal Portuário Miguel de Oliveira, conhecido como Porto da Ford. Localizado próximo ao Porto de Aratu (município de Candeias), o terminal tem 119 mil metros quadrados, 195 metros de comprimento e profundidade entre 12 a 14 metros. A largura do canal é de 26 metros.
Ele frisa que a nova montadora vai contribuir para a recuperação do peso dos produtos manufaturados na pauta de exportações da Bahia. “Haverá maior diversificação. Vale lembrar que as exportações baianas estão muito concentradas em commodities, o que piorou com a saída da Ford”, analisa.
Fieb: Ecossistema da montadora chinesa BYD pode ir muito além da indústria de veículos
O presidente em exercício da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb), Carlos Henrique Passos, afirma que a BYD vai gerar um novo ciclo virtuoso na indústria baiana, assim como a Ford, porém dessa vez com possibilidades ampliadas pelas oportunidades tecnológicas trazidas pela transição do carro a combustão para veículos elétricos ou híbridos.
“Teremos a abertura de novas oportunidades de trabalho em setores como manufatura, pesquisa e desenvolvimento. E também nas áreas de vendas e serviços de suporte para veículos elétricos, baterias e produtos de energia renovável. Além disso, haverá a transferência tecnológica e inovação, encorajando empresas locais e instituições de pesquisa a colaborar e inovar em áreas relacionadas. Isso cria condições para um ecossistema fortíssimo”, sustenta.
Metalúrgicos esperam que a montadora chinesa BYD reative o mercado de trabalho
O Sindicato dos Metalúrgicos de Camaçari teve, em julho, uma primeira reunião com a diretora nacional de Recursos Humanos da BYD, Gabriela Masetto, e o Governo da Bahia para tratar do aproveitamento da mão de obra disponível na região.
Outros encontros estão em fase de articulação, mas a ideia é construir uma agenda em parceria para suprir a demanda de trabalhadores no complexo automotivo a partir dos milhares de desempregados deixados pela Ford.
“Temos uma quantidade muito grande de operadores disponíveis e com experiência sólida, não só na linha de produção dos veículos, mas também nas áreas de logística, manutenção e engenharia, todos prontos para iniciar o processo produtivo da BYD”, afirma o afirma o representante do sindicato nas negociações, Júlio Bonfim, ressaltando que as discussões ainda são “preliminares”.
Ele destaca que o sindicato está consciente do processo fabril bem mais enxuto da montadora chinêsa, graças ao nível de automação maior e às particularidades dos motores elétricos, com menos componentes que os similares a combustão. “Ainda assim, um quadro com 5 mil empregos é muito significativo. Representa uma luz no fim do túnel diante da situação que estamos passando”, afirma.
Prefeitura trabalha para adensar cadeia produtiva da montadora chinesa BYD
O prefeito de Camaçari, Elinaldo Araújo (União Brasil), destaca que a vinda da BYD representa a oportunidade não apenas de reanimar a indústria automobilística local, mas também de viabilizar um polo automotivo na região que vá muito além das autopeças.
“Esperamos que a montadora atraia fornecedores de diversos tipos, tanto para a área de autopeças e outros equipamentos, quanto de serviços. Temos conversado e a empresa se mostra bastante disposta a contribuir para o desenvolvimento regional, dando prioridade a fornecedores locais já instalados ou que venham a se instalar aqui. Esta é uma das nossas principais frentes de trabalho. Queremos adensar essa cadeia produtiva e todos saem ganhando com isso, incluindo a BYD”, explica.
Governo considera montadora chinesa BYD avanço da sustentabilidade na indústria baiana
Para o secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, Angelo Almeida, “a BYD vai representar um impulso significativo para o desenvolvimento econômico do estado”, abalado com a saída da Ford.
Ele ressalta que “além disso, a BYD contribuirá para o avanço da sustentabilidade e da matriz energética limpa, promovendo a redução das emissões de gases de efeito estufa e a atração de novos investimentos para o setor na Bahia”. “Essa parceria estratégica fortalecerá a economia baiana e abrirá novos caminhos para o crescimento sustentável e inovador”, comemora.
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