Militar da reserva fica surpreso ao descobrir que foi presidente da República em 2004

Ao ver o seu extrato no INSS, o militar da reserva da Aeronáutica Jairo Raposo descobriu que foi colocado como presidente em 2004
Jairo Raposo
Jairo Raposo

Um leve exercício de memória: quem era o presidente da República em abril de 2003? Todos com um pouco de conhecimento de política responderão Luiz Inácio Lula da Silva, que havia sido eleito no ano anterior. Mas para o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), o comandante do Brasil a partir 23/04/2003, e pelos 10 meses seguintes, respondia pelo nome de Jairo Raposo Junior, um militar da Aeronáutica de 29 anos à época. A surpresa do hoje suboficial da reserva com a informação veio acompanhada com a preocupação com as implicações que podem surgir a partir da duplicidade de registros no seu extrato.

Em 2022, após 31 anos de trabalho, Jairo queria descansar. O trabalho pesado na área de eletrônica na Aeronáutica, inclusive com mudança de cidades de São Paulo para o Recife, seria substituído por uma vida mais tranquila, ao lado da família. Nada de estresse, só a praia de Piedade para se preocupar.

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Há alguns dias, numa conversa informal, um amigo também aposentado garantiu que toda a vida funcional dele estava registrada no INSS. Ele ficou curioso, pois, ao contrário dos civis, os militares não possuem um regime de Previdência Social. Tecnicamente, a expressão correta, no caso, é Sistema de Proteção Social dos Militares.

Surpresa no Meu INSS

Mas ele baixou o aplicativo e realmente toda a sua carreira funcional estava lá. E não só isso. Em 23/04/2003 constava a informação de um contrato na Presidência da República e cita como endereço a “PC dos três Poderes SN Palácio do Planalto”. Logo abaixo, na “Ocupação inicial”, constava: “111205 – PRESIDENTE DA REPÚBLICA”.

“Quando baixei o aplicativo (Meu INSS) aí veio esse cargo de trabalho na Presidência da República. Tem militares da Aeronáutica que vão para a presidência, né? Muitos no cargo de segurança. Mas nunca foi o meu caso. Aí fui ver a ocupação e constava “PRESIDENTE DA REPÚBLICA”. Aí eu peguei o CNPJ, coloquei também no Google, e estava lá: Presidência da República”, destacou Jairo.

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Desde então ele vem sendo o centro das atenções dos amigos, que o chamam de presidente. Ele até brinca, vez por outra, com essa ocupação inusitada na sua folha do INSS.

Preocupação com eventuais consequências

No entanto, longe das brincadeiras, Jairo tem a preocupação com as consequências que podem surgir dessa duplicidade de funções em seu extrato previdenciário.  

“O Meu INSS mostra todos os pagamentos do meu salário como militar em 2003. Mas também aparece o salário de 2003 na Presidência. Mostra que alguém usou os meus dados para receber esse salário aqui no meu lugar”, analisou o militar da reserva.

À época terceiro sargento da Aeronáutica, Jairo Raposo recebia R$ 1.596,00 de soldo e gratificações. Já como presidente da República, o vencimento nos dois primeiros meses foi de R$ 6.143,36, sendo reduzido nos oito meses seguintes para R$ 4.898,50. No total, na sua “passagem” pela Presidência da República o militar teria recebido R$ 51.474,72. Mas ele nunca viu a cor desse dinheiro. E essa é uma das preocupações de Jairo.

“Poderia ser um erro administrativo. O cara teria que colocar 3S (patente militar) e coloca Capitão. Um erro administrativo, tá entendendo? Mas tá dentro da esfera de comando aeronáutico. No meu caso, me tirou do comando da aeronáutico e me colocou no Executivo. Outra esfera totalmente diferente”, explica Jairo, que, apesar de constar como presidente em 2003, só foi a Brasília pela primeira vez em 2007, para fazer um curso.

Apoio jurídico

Temendo um processo administrativo, o militar da reserva já procurou a advogada Luciana Vidal, para que ela possa resolver esse imbróglio. Ela afirma que, primeiro, entrará com uma ação para regularizar o extrato do seu cliente.

A advogada Luciana Vidal vai questionar o INSS sobre o extrato de Jairo Raposo Foto Márcio Didier

“Ainda bem que foi ele que descobriu, mas se fosse um terceiro, alguém que iria dizer que ele recebeu de forma indevida. Ele responderia uma ação criminal. Ele tá na reserva, ok. Mas ele poderia perder a farda se houvesse um processo. Por isso, o primeiro passo é resolver essa questão no extrato do INSS”, avaliou Luciana Vidal, acrescentando que a perda da farda acarreta o fim da aposentadoria.

Erro é a hipótese mais provável

Mas a hipótese de um erro é a mais provável. Essa é a avaliação do advogado previdenciário Elizeu Leite, que disse já ter visto casos semelhantes e que isso chega a ser comum. Segundo ele, houve um tempo, nas décadas passadas, em que a atribuição do NIT poderia ser dada em vários órgãos. E isso acabou provocando a ocorrência de um mesmo número para mais de uma pessoa.

“É muito comum quando a gente acessa as informações do segurado na plataforma do Meu INSS e encontrar alguns vínculos que não correspondem à realidade dele contributiva. Isso pode ser uma fraude? Pode. Mas geralmente isso é um erro de cadastro. Olhando aqui o caso concreto dele, penso que é um erro. Até pelo período do vínculo do cargo”, destaca Elizeu Leite, que há 14 anos se dedica exclusivamente ao direito previdenciário.

O advogado previdencialista Elizeu Leite acredita em erro do INSS Foto: Reprodução do Instagram

Ele acrescenta que esse erro de sistema pode ser solucionado através do portal Meu INSS ou através do portal 135, por telefone, solicitando um acerto de vínculos e remunerações.

“Ele pode dizer ‘olha esse vínculo não é meu e eu quero que saia do meu histórico’. Até porque, depois que ele foi para a reserva, agora ele pode ter um vínculo de natureza privada, em alguma empresa. Ou ser contribuinte individual autônomo e se aposentar também pelo INSS. Não tem problema nenhum, desde que ele cumpra os 15 anos de contribuição e a idade 65 anos”, finalizou o advogado Elizeu Leite.

Alguns pontos corroboram a hipótese levantada pelo advogado:

  • Como uma pessoa de 29 anos poderia assumir um cargo (presidente) cuja idade mínima é de 35 anos;
  • Por que o extrato continua em aberto, se só constam 10 meses de pagamento?;
  • Em 2004, o presidente da República recebia R$ 8.885,48. No entanto, no extrato de Jairo Raposo aparece R$ 6.143,36 e, sem qualquer movimentação na ficha, dois meses depois caiu para R$ 4.898,50. Por que essas discrepâncias de números;

O Movimento Econômico entrou em contato por e-mail com o setor de imprensa do INSS com alguns questionamentos e não obteve retorno. Logo que respondam, este texto será atualizado.

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