Disparada dos combustíveis aquece a indústria de bicicletas

As bicicletas têm ganhado cada vez mais espaço nas cidades, o que tem pressionado os governos locais a investirem em novas rotas para esse modal.

Por Samuel Santos

Bicileta
Cresce número de pessoas que usam bicicleta para trabalhar Foto: Pixabay

Pedalar já é mais que uma simples atividade de lazer ou exercício físico. As bicicletas têm ganhado cada vez mais espaço nas cidades, o que tem pressionado os governos locais a investirem em novas rotas para esse modal. Além de fazer bem para o meio ambiente, corpo e mente, o pedal também se mostra viável do ponto de vista econômico.

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A disparada de novos ciclistas nos últimos anos tem estimulado uma cadeia produtiva que andava um pouco esquecida. Para o ciclista, ter uma bike significa menos dor de cabeça com o trânsito caótico das grandes metrópoles e economia com combustível, que anda com o preço nas alturas. Para a cadeia produtiva, uma chance de realizar bons negócios.

Se tem mais ciclistas nas ruas e avenidas, há um mercado que tem aproveitado os bons ventos, que começaram a soprar com mais força no começo da pandemia da Covid-19, em 2020. Quando ainda não se tinha vacina contra o novo coronavírus, a saída encontrada por muitos para evitar as aglomerações no transporte público foi a “magrela”, que ficou ainda mais popular.

No ano de 2020 houve um salto expressivo nas vendas de bicicleta no Brasil, algo em torno de 50% acima do registrado ao longo de 2019, de acordo com a Associação Brasileira do Setor de Bicicletas (Aliança Bike). Pelo levantamento da entidade, que reúne lojistas, fabricantes e montadores de todo o país, os modelos mais vendidos foram as chamadas “bicicletas de entrada”, com valores que variam entre R$ 800 e R$ 2 mil.

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O movimento de adesão ao modal seguiu mesmo com a vacinação em massa e a reabertura das atividades. Ainda de acordo com levantamento da Aliança Bike, em 2021, o mercado brasileiro de bicicletas continuou em alta, mesmo com o recuo de 2% com relação ao ano anterior. Foram vendidas 5,8 milhões de unidades no período, ante 6 milhões em 2020, o que mostra que o cenário segue positivo para o setor.

“Tivemos um ótimo volume de vendas para o mercado, principalmente no primeiro semestre. Os seis meses iniciais do ano passado foram de recuperação das importações, após a escassez de produtos do setor em escala global, por conta da alta nas vendas da bicicleta em todo o mundo. Em consequência, as montagens das bicicletas também cresceram no Brasil, o que alavancou o mercado”, explica o vice-presidente da Aliança Bike, André Ribeiro.

Para a indústria, o aumento da demanda por bikes na pandemia veio acompanhado de um problema já conhecido em épocas de crise: a falta de suprimentos. “Desde o início da primeira onda da pandemia começamos a sentir o aquecimento do mercado de bicicletas, mas também o colapso de toda a cadeia de suprimentos a nível global, isso decorrente do aquecimento do mercado na Europa e Estados Unidos. Neste período até o início do segundo semestre de 2021, o mercado ficou extremamente aquecido, mas já com indícios de uma retração nos produtos de entrega (abaixo de R$ 2 mil), muito devido a entrada de várias marcas nesta faixa de preço, levando o mercado a uma guerra de preços e canibalização de margem”, destaca Marcos Ribeiro, Head de Produto da Caloi, uma das maiores fabricantes de bicicletas do Brasil.

Ainda de acordo com a gigante de bicicletas, apesar das dificuldades enfrentadas pela indústria, o mercado brasileiro continua aquecido, mas na faixa mais básica, principalmente, pela falta de matéria prima para produtos de médio e alto preço. “O Brasil possui um mercado de bicicletas de baixo valor agregado. Este nível de produto ainda se mantém como o grande volume e onde boa parte dos players no mercado nacional estão atuando, com produtos na faixa de R$ 1,5 mil a R$ 3,0 mil”, destaca Marcos Ribeiro.

Mobilidade sustentável e sem combustão

O que surgiu de uma necessidade sanitária passou a fazer parte da rotina de muitas pessoas, já que o vilão agora é outro: a bomba do posto de combustíveis. Com o preço nas alturas, a bicicleta se tornou essencial para o cumprimento de atividades rotineiras, como ir para o trabalho ou escola, por exemplo.

O servidor público Victor Anunciação percebeu que a bicicleta poderia ser bem mais que uma atividade física ou de lazer em 2018. Inicialmente, a motivação para abandonar o transporte público e diminuir o uso do carro foi o trânsito caótico do Recife. Com a escalada dos combustíveis nas bombas, ele percebeu que estava no caminho certo.

“Eu sempre tive bicicleta, mas nunca usei como deslocamento para fora do meu bairro. Depois que comecei a usá-la, percebi que era bem melhor pois eu ganhava tempo, e ainda passei a economizar cerca de R$ 430 reais de combustível por mês, já que meu carro era um 2.0 e eu trabalhava de terno e gravata, então não tinha condições de ir de ônibus. Meu trajeto de casa ao trabalho dura 50 minutos de carro e 13 minutos de bicicleta. Carro agora só final de semana”, afirma Victor, que passou a levar roupas na mochila e tomar banho do trabalho.

O servidor faz parte dos 72,5% de brasileiros que utilizam a bicicleta até cinco vezes por semana, seja como meio de transporte ou para lazer. O dado é da terceira edição da Pesquisa Nacional sobre o Perfil do Ciclista Brasileiro, realizada pela Transporte Ativo e o Laboratório de Mobilidade Sustentável da Universidade Federal do Rio de Janeiro (LABMOB-UFRJ). Foram ouvidos 10 mil ciclistas em 16 cidades, entre elas, as nordestinas Maceió, Recife e Salvador.

Bicicleta Itaú
Laranjinhas do Itaú se espalham por várias cidades/Foto: Bike Itaú

Entre as capitais do Nordeste, a sondagem apontou algumas particularidades. Em Maceió, por exemplo, 91,5% dos entrevistados disseram que usam a bicicleta como meio de transporte para o deslocamento até o trabalho. Também são maioria os que dizem levar até 30 minutos para completar o percurso (74,7%). Em salvador, o destaque é com relação a renda dos ciclistas. Segundo a pesquisa, 43,8% dos respondentes disseram que ganham entre 1 e 2 salários-mínimos. Já no Recife, a curiosidade é que menos de 50% dos entrevistados estão na faixa entre 25 e 34 anos de idade, o que mostra uma predominância de ciclistas mais maduros circulando pela cidade.

O futuro é das bicicletas elétricas

Quem opta por não ter uma bike para chamar de sua, ou usa o transporte para atividades de lazer e pequenos trajetos, investe nas bicicletas compartilhadas, nicho que tem crescido e ganhado relevância. A principal representante do setor é a TemBici, maior operadora de bicicletas compartilhadas da América Latina. A empresa foi criada em 2010, mas ganhou destaque a partir de 2017, após uma parceria com o Itaú Unibanco. As inconfundíveis bicicletas “laranjinhas” podem ser vistas em regiões metropolitanas de grandes capitais como São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Recife.

A plataforma conta com mais 50 mil usuários ativos e oferece planos mensais e diários. A TemBici conta com 6 mil bicicletas no Brasil e em países como Chile e Argentina. Na parte mais dura da pandemia, o número de assinantes despencou, resultando em saldo negativo no acumulado de 2020, ante 2019. Em 2021, a startup tomou folego novamente e encerrou o período com um salto de 40% no faturamento, o que corresponde a R$ 146 milhões. No entanto, o resultado ficou abaixo das projeções para o ano, de R$ 180 milhões. Para 2022, a meta é dobrar a receita, segundo informou a empresa.

A grande aposta da TemBici para os próximos meses são as bicicletas elétricas, que já estão sendo montadas na Zona Franca de Manaus e devem começar a operar nas cidades em breve, com estações estruturadas para recarga. A projeção da startup é chegar até o final do ano com 30 mil unidades, sendo 90% concentrada no mercado brasileiro.

Cidades buscam adequação

Com mais bicicletas nas ruas, prefeituras de grandes cidades têm percebido a necessidade de investimentos em infraestrutura cicloviária. No Nordeste, cidades como Fortaleza, Recife e Salvador expandiram suas rotas cicláveis, o que garante mais segurança e conforto para quem pedala. Na capital cearense os ciclistas contam com 410 km de infraestrutura para realizar suas viagens, segundo a prefeitura. O projeto é formado por ciclovias, ciclorrotas e passeios compartilhados. A cidade saltou de 68 km, em 2013, para mais de 400 km.

No Recife, as rotas cicláveis chegam a 165,5 km, de acordo com a prefeitura da capital pernambucana. Desse total, pelo menos 78 quilômetros são de rotas que ligam a Zona Norte ao centro da cidade Já Salvador possui 310 km de ciclovias e ciclofaixas, concentradas, principalmente, ao longo das praias da capital baiana, portanto, utilizadas mais como opção de lazer.

ciclovia Bicicleta
Cidades do Nordeste investem mais em ciclovias/Foto: Bike Itaú

Um projeto ousado, tocado pela Companhia do Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Paranaíba (Codevasf), pretende criar a primeira ciclovia litorânea do Nordeste, com 320 km, ligando Salvador a Aracajú (SE). As obras estão orçadas em R$ 200 milhões. Segundo o diretor-presidente da empresa, Marcelo Moreira, há um acordo de cooperação com a Embratur para que a Codevasf também promova ações de desenvolvimento voltadas para o turismo na sua área de atuação.

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