O industrial Bruno Veloso assume a Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco (Fiepe), nesta segunda-feira (17). Ele sucede Ricardo Essinger, que se despede do cargo após oito anos à frente da instituição. Nascido no Recife em 1959, Bruno Veloso é engenheiro civil e sócio na indústria de concreto Goiana Pré-moldados. Vindo de uma família de industriais – seu avô foi dono de indústria têxtil em Campina Grande e seu tio, Domício Velloso da Silveira, foi presidente da CNI, em 1977, tendo sido fundador da Federação das Indústrias da Paraíba (FIEP) -, Bruno Veloso conversou com o Movimento Econômico sobre seu novo desafio à frente da Fiepe. E já deixou um recado para o governo do estado: “Não há espaço para negociar o FEF”.
Movimento Econômico: O senhor assume a Fiepe num momento desafiador, com uma reforma tributária em curso e em meio a esforços nacionais para o resgate do protagonismo da indústria na economia. Qual sua principal preocupação?
Bruno Veloso: Os desafios são enormes. Precisamos, primeiramente, ter um ambiente de negócios favorável para que possamos não só manter as empresas aqui, mas atrair novas indústrias. É preciso trabalhar a questão dos impostos, já que temos a terceira maior alíquota de ICMS do país (20,5%) e temos o FEEF (Fundo de Equilíbrio Fiscal), que pega de volta 10% dos incentivos fiscais que a indústria obteve. Toda essa tributação faz com que tenhamos um estado que seja menos atrativo e precisamos voltar a ter mais atratividade.
ME: O governo do estado não parece interessado em descartar uma nova prorrogação do FEEF, que representa R$ 700 milhões no orçamento de Pernambuco…
BV: Quando a governadora Raquel Lyra assumiu, nos pediu um sacrifício que foi a prorrogação do FEEF. Atendemos seu apelo. Depois, ela elevou a alíquota do ICMS, que passou de 18% para 20,5%. Então, só neste governo tivemos a reedição do FEEF e o aumento no ICMS. Não temos mais espaço para negociar o FEEF.
Impostos: assunto urgente na Fiepe
ME: Impostos são um assunto urgente. E a infraestrutura?
BV: Precisamos fazer um esforço para levar nossa indústria para o interior. Para isso é necessário que tenhamos boa infraestrutura. Estou falando de logística de transporte, seja rodoviária, seja ferroviária. Precisamos ter energia suficiente, e isso inclui o gás, porque temos muitas dificuldades com isso no Agreste e Sertão. Precisamos ainda de água e de internet. Sem esses quatro pilares não vamos conseguir levar a indústria para o interior, o que é fundamental para desenvolver o estado. Porque para ter equilíbrio econômico é preciso ter equilíbrio na distribuição da atividade industrial. A indústria paga os melhores salários e gera produtos com valor agregado maiores, o que torna o estado economicamente mais forte. É preciso um olhar diferente para a indústria.
ME: Muitos tributaristas dizem que a reforma tributária prejudicou fortemente o Nordeste, com o fim aos incentivos fiscais, na medida em que criou o IBS, que substitui o ICMS e o ISS. Qual sua opinião?
BV: A reforma tributária não terá efeito imediato e independentemente da reforma, já estava previsto o fim dos incentivos. Mas a reforma vem fazer com que os segmentos econômicos paguem a mesma alíquota, o que é sábio e usado no mundo todo. Hoje temos segmentos em que é mais barato importar do que fabricar aqui, gerando desemprego e reduzindo a participação da indústria no PIB nacional.
Nos anos 70, o Brasil exportava mais que a China. Hoje é o inverso, porque a China fez a opção de ser um país industrializado. Décadas depois, continuamos a exportar as mesmas coisas: café, açúcar, minério de ferro… só que em quantidades maiores porque melhorou a produtividade.
ME: A reforma tributária ajudará de fato na competitividade?
BV: Ela alivia a carga tributária da indústria e isso nos dá melhor competitividade, mas não resolve algumas dificuldades regionais, como é o caso de empresas que têm produtos com baixo valor agregado e muita dificuldade de distribuição, devido à deficiência na nossa infraestrutura de transporte. Nestes casos, o custo do transporte acaba sendo maior que o valor do produto. Vamos precisar dar condições de infraestrutura e de logística para que essas empresas se sintam aqui acolhidas e que mudar de endereço não seja uma opção para elas.
ME: O cenário que se desenha no pós-reforma indica que será necessário muito planejamento dos estados para distribuir os novos investimentos pelas diversas regiões. Concorda?
BV: Vamos ter que dar condições às indústrias de continuar aqui, de vir para cá. Porque se você tem um produto que não anda nem 100 km, será necessário uma indústria aqui, outra no Agreste, outra no Sertão para o produto chegar a todos os cantos. Agora, se tenho uma grande indústria no Sertão e consigo colocar meu produto num vagão para enviar para outras regiões a custo baixo é outra coisa.
ME: Quais outros desafios que a indústria de Pernambuco precisa superar para se tornar competitiva?
BV: As indústrias precisam se renovar. E o Senai Tecnologia está pronto para levar a transformação digital às indústrias que estão com tecnologia atrasada, com máquinas ultrapassadas, com parque fabril em dificuldades. Porque é preciso investir na produtividade. E temos feito um trabalho de buscar essas indústrias para mostrar que é necessário fazer a transformação digital.
ME: O governo federal lançou o programa Nova Indústria Brasil para estimular o setor. Ele de fato ajuda nesse processo?
BV: O programa é bom e atende nesse ponto. Ele tem a parte de diagnóstico, de treinamento e o Senai está credenciado para levar essa transformação digital adiante. E tem a parte do financiamento. O problema é que precisamos colocar as promessas em prática. E como será isso? O governo promete R$ 300 bilhões de reais, mas não sabemos quando o dinheiro virá, porque o governo está negativado. O programa é bom. Mas não podemos ficar só na conversa.
ME: Qual sua opinião sobre Zonas de Processamento da Exportação? Acha um equipamento necessário para uma economia estadual?
BV: Pernambuco precisa muito de uma ZPE. A exportação é fundamental para o equilíbrio do estado e do país. Temos que sair dessa pauta de exportação que há três séculos é a mesma coisa. Não tem cabimento estarmos exportando commodities e importando produtos de alto valor agregado. Somos os maiores exportadores de minério de ferro do mundo. Exportamos o minério a 40 centavos de dólar o quilo e importamos o ferro laminado a U$ 4,50. Qual a lógica disso? A questão é simples: para industrializar qualquer coisa no Brasil pagamos tantos impostos que inviabiliza a produção. Aí fica mais fácil exportar o minério e importar o aço 11 vezes mais caro. Então essa opção pela indústria precisa ser levada a sério. Um país só é forte com uma indústria forte. Não dá para ser rico exportando café e milho. É bonito, alimenta o mundo, mas não dá para crescer. Vamos seguir crescendo 1%, 2% ao ano.
ME: Banco continua sendo um problema para o setor industrial?
BV: Sim. A dificuldade de crédito ainda é um problema, porque é difícil o acesso e com taxas de juros tão altas ninguém se arrisca. Minha gerente me disse que a carteira de crédito do banco para a indústria está quase a zero. Nem o banco oferece, nem a indústria vai buscar. Precisamos de taxas competitivas e até subsidiadas, porque o pouco que sobra no caixa das empresas não é suficiente para investir e é aí que o programa da Nova Indústria Brasil faria a diferença, permitindo taxas diferenciadas.
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