Biogás tem potencial de reduzir dependência externa até 2030

Combustível proveniente de matérias-primas como resíduos de aterros sanitários e resíduos vegetais do processo de açúcar e etanol podem ajudar o Brasil a ter menos dependência da volatilidade do mercado internacional de combustíveis fósseis.

Por Juliana Albuquerque

O aumento no valor dos combustíveis de origem fósseis e o risco de escassez de oferta, acentuado com a guerra entre Rússia e Ucrânia, faz com que o Brasil acelere sua busca por novas fontes de energia,, entre elas estão o biogás e o biometano.

Além de serem alternativas mais econômicas e não terem o preço atrelado ao dólar, como a gasolina e diesel, contam com matéria-prima disponível em grande escala nos aterros sanitários e nas usinas sucroalcooleiras – resíduos vegetais do processo de fabricação do açúcar e do etanol. Outra vantagem: ao investir neste segmento, o Brasil pode conseguir cumprir a sua parte no acordo global de redução de 30% dos gases poluentes até 2030.

Sindaçúcar-PE, Renato Cunha
Renato Cunha, presidente da NovaBio e do Sindaçúcar-PE

“O mundo, mesmo antes da guerra [entre Rússia e Ucrânia], tem demandado energias renováveis, principalmente fontes verdes e limpas que geram bônus ambiental contra os efeitos fixados em metas das conferências mundiais – como a recente COP26, na Escócia, e a COP27, que será realizada no Egito”, comenta Renato Cunha, presidente da Associação dos Produtores de Açúcar, Etanol e Bioenergia (NovaBio) e do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool no Estado de Pernambuco (Sindaçúcar-PE).

Ele explica que as produções do biogás e do biometano na indústria da cana são realizadas a partir de resíduos vegetais do processo de fabricação do açúcar e do etanol, como as tortas de filtros oriundas das usinas e também da vinhaça – a partir da destilação do etanol.

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“As empresas distribuidoras de gás estão caminhando na direção de fornecerem mais benefícios ambientais ao gás, na promoção de matrizes energéticas veiculares totalmente alinhadas com a melhoria da qualidade de vida no nosso planeta”, complementa.

De acordo com Fábio Morgado, da Diretoria Técnico-Comercial da Copergás, há mais de dois anos o mercado está atento para ampliar a matriz energética. A própria Copergás abriu, no mês de fevereiro, edital para selecionar empresas interessadas em fornecer biometano.

“A Copergás sempre teve interesse em inserir o biometano em sua matriz. Com essa chamada pública, que encerra no próximo dia 25 de março, estamos mostrando ao mercado quais são os termos e as condições para a Copergás comprar esse produto. Esse edital está acontecendo este ano e pode acontecer sempre, pois a nossa meta é buscar substituir parte do gás natural de origem fóssil por fontes mais renováveis”, explica.

Segundo Morgado, essa é uma oportunidade que a longo prazo pode fazer com que Pernambuco tenha sua própria produção de gás, a exemplo do que já acontece no Rio de Janeiro, na Bahia e no Rio Grande do Norte. “Nosso interesse é comprar. Agora resta verificar se aparecem interessados em vende”, complementa.

Biogás: segurança energética

Compondo apenas 0,1% da matriz energética do Brasil, segundo dados da Associação Brasileira de Biogás (Abiogás), o gás natural renovável tem muito potencial para aumentar a sua participação no mercado brasileiro e interromper a dependência externa e volatilidade do mercado internacional.

Abiogás
Tamar Roitman, gerente-executiva da Abiogás.
Foto: Divulgação

“Temos aqui o produto, não precisamos importar, o que reduz a dependência de importação para indústria e transporte e pagamos por ele Real, o que é melhor ”, considera Tamar Roitman, gerente-executiva da Abiogás. Ela acredita que até 2030, cerca de 10% da matriz energética do Brasil tenha o biogás em sua composição.

“Atualmente, em todo o Brasil, existem entre 10 e 15 plantas de biogás, algumas construídas dentro de usinas de cana-de-açúcar, com a queima do bagaço, utilizada para geração de energia, e outras fontes que utilizam biodigestores e tecnologias no processo de purificação de lixos, por exemplo, para a retirada de contaminantes para criar o gás natural igual ao fóssil. Eles podem ser vendidos em cilindros, em sua forma comprimida, ou em carretas para ser injetado diretamente em gasoduto das distribuidoras, a exemplo do que acontece de forma pioneira no Ceará, onde a Cegás já recebe biogás diretamente em sua rede”, afirma a especialista.

O pioneirismo do Ceará

Cegás
Combustível é a partir do biogás gerado dos resíduos sólidos no ASMOC (Aterro Sanitário Municipal Oeste de Caucaia) é injetado na rede de gasoduto da Cegás, distribuidora do Ceará. Foto: Cegás/Divulgação

Trata-se de uma iniciativa inovadora, ousada e pioneira, já que a Cegás foi a primeira distribuidora no Brasil a injetar na sua rede de gasodutos, a partir de dezembro de 2017, gás natural renovável produzido do lixo e a Cerbras tornou-se a primeira indústria brasileira a utilizar gás natural renovável canalizado em seu processo produtivo.

O projeto é um bom exemplo de Parceria Público-Privada (PPP). O Governo do Ceará, por meio da Cegás, estruturou a operação e faz a distribuição do gás natural renovável, a Prefeitura de Fortaleza viabilizou o acesso aos resíduos sólidos, a GNR Fortaleza (dos grupos Marquise e Ecometano) montou a usina de produção e a Cerbras – Cerâmica do Brasil, cliente da Cegás, assumiu o compromisso de consumir o gás produzido no período inicial da operação.

Investimentos são necessários

Tamar Roitman diz que, para que o mercado cresça, são necessários investimentos, uma vez que a oferta ainda é muito reduzida no Brasil. “Precisamos de políticas públicas, de previsibilidade, de linhas de financiamento e uma série de ações que precisam ser colocadas à disposição para colocar essas plantas/usinas de biogás em pé e em um maior número”, explica Roitman.

Vice-presidente da Abiogás
Vice-presidente da Abiogás, Gabriel Kropsch. Foto: Divulgação

Para isso, a Abiogás lançou edital para investidores interessados em gerir o Fundo Garantidor do Biogás, uma iniciativa feita em parceria com o Laboratório Global de Inovação em Mudanças Climáticas para atrair investimentos para o setor de biogás nacional. A ideia é ajudar empreendedores que queiram investir no setor, mas não tenham capacidade para dar as garantias exigidas em financiamentos convencionais.

“Se todo o potencial fosse aproveitado, a gente teria uma produção superior a 30 milhões de metros cúbicos por dia. Isso é 50% a mais do que o volume do gasoduto Bolívia-Brasil nos tempos áureos. É metade do consumo de gás natural do Brasil e 50% do consumo de óleo diesel do país inteiro. É 25% de toda a geração de energia do nosso país. É extremamente relevante”, analisa o vice-presidente da Abiogás, Gabriel Kropsch.

O Banco do Nordeste (BNB) também tem fomentado esse mercado. Recentemente, com recursos de financiamento da linha FNE Verde, possibilitou a aquisição de equipamentos e infraestrutura para viabilização da primeira usina alagoana de energia elétrica por biogás oriundo do metano do lixo. Inaugurada na última quinta (17), tem capacidade para gerar um megawatt/hora de energia, suficientes para suprir a rede elétrica de 5 mil unidades residenciais.

lixo como combustível
Usina de biogás do metano do lixo inaugurada em Alagoas. Foto: BNB/Divulgação

“Podemos considerar essa usina um marco para as ações empresariais que primam pela visão da sustentabilidade e da responsabilidade socioambiental nos negócios. Produzir energia elétrica por meio do gás gerado pelo lixo estimula a cultura de uso da energia limpa, beneficia o meio ambiente, reduz custos de processos produtivos e mostra as vantagens da produção sustentável”, destaca o superintendente estadual do BNB em Alagoas, Sidinei Reis.


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