A empresa turca MSK Maritime Services & Trading emitiu nesta quarta-feira (11) uma nota alegando que pretende “abandonar definitivamente” no mar de Pernambuco o ex-porta-aviões São Paulo, impedido pela Justiça Federal de atracar no Porto de Suape para reparos, por conter substâncias cancerígenas e radioativas.
Além de alegar que renuncia à propriedade do casco “em favor da União”, a empresa turca estipulou um prazo de 12h para que as autoridades brasileiras (a quem acusa de inação) “providenciem as aprovações necessárias” para que o navio seja recebido.
“Antes que a falta de recursos cause algum dano ambiental, estando hoje o casco seguro, sem oferecer riscos ao meio ambiente e à navegação, a ação mais razoável e ambientalmente segura é renunciar à propriedade do casco em favor do seu antigo proprietário, já que a obrigação assumida se tornou impossível em razão das dificuldades impostas pela ação das autoridades e entes brasileiros”, alega a MSK por meio de nota escrita pelo NSN Law Firm, seu representante legal.
Em resposta, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) emitiu uma nota oficial na qual afirma que adotará todas as medidas cabíveis, incluindo a notificação à empresa, determinando o não abandono do ex-navio, sob pena de cometimento de infração ambiental. O órgão ainda afirmou que “continuará coordenando esforços com a Marinha do Brasil para evitar danos ambientais imediatos ou posteriores”.
Além disso, o instituto entrou, nesta quarta-feira (11), com uma ação judicial contra o estaleiro turco Sök Denizcilik Tic Sti, que arrematou o casco, a empresa Oceans Prime Offshore, contratada pelo Estaleiro vencedor, exportadora responsável pelo cumprimento das cláusulas contratuais no Brasil, conforme exigências do Edital, e a MSK, que realiza o transporte, para obrigá-las a manter o casco do navio flutuando, sob pena de multa diária de R$ 500 mil.
De acordo com autoridades ambientais, o casco do ex-porta-aviões representa alto risco ambiental à biodiversidade marinha, por carregar substâncias perigosas, e também pode causar sérios acidentes, por atrapalhar o tráfego marítimo. Francisco Muniz, advogado pós-graduado em Direito Marítimo e Portuário, Mestre e Doutorando em Direito Civil, sócio do escritório Da Fonte Advogados, afirma que se os resíduos ficarem à deriva, “o que já é um perigo grande vai ser um perigo realmente alarmante”.
Ele explica que o Judiciário brasileiro será o responsável por determinar se os resíduos do porta-aviões podem ou não atracar no Brasil. O advogado esclarece que o governo da Turquia alegou um equívoco na autorização de exportação dos resíduos do ex-navio, concedidas pelo Ibama, como justificativa para impedir a entrada do casco – que contém cádmio e amianto – no país, para sua futura reciclagem.
A empresa, então, decidiu retornar ao Brasil mesmo sem autorização para reentrada dos resíduos no país, o que configura crime, de acordo com Francisco. “A MSK ameaçou abandonar o casco no nosso litoral, alegando que a culpa seria do governo brasileiro, o que é, obviamente, um absurdo. Ela é proprietária do resíduo, então tem obrigação de dar destinação adequada”, disse o advogado.
De acordo com o advogado, caso a ameaça se concretize, as empresas responsáveis pelos resíduos do ex porta navios podem ser condenadas por importar ilegalmente o casco do navio – reingresso não autorizado – e também pelo abandono dos resíduos, que fere a Convenção de Basileia e o Artigo 56, Parágrafo 1º, da Lei nº 9605 de 1998.
A norma proíbe “produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas” sob pena de reclusão de um a quatro anos e multa, que pode chegar até R$ 50 milhões, além de eventuais ações de reparação por perdas e danos ao meio ambiente.
O advogado explica ainda que a Justiça brasileira vai ter que decidir se o casco pode ou não atracar no país, visto que entrou ilegalmente e o Ibama alega que o Brasil não tem nenhum estaleiro com estrutura adequada para lidar com os resíduos e realizar a manutenção necessária para a exportação.
No que diz respeito às alegações da MSK, sobre negligência por parte das autoridades brasileiras, Francisco afirma que será necessária uma análise probatória para definir se o Ibama cometeu algum erro – ou não – ao atestar que aqueles restos de embarcação poderiam ser exportados.
Entenda o caso
Uma vez que o navio foi descomissionado pela Marinha, seu casco passou a ser classificado como “resíduo sólido, exigindo destinação final ambientalmente adequada, conforme a Convenção de Basileia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito.
A embarcação teve sua saída do país autorizada pelo Ibama após avaliação, para ser reciclado num estaleiro credenciado na Turquia. No entanto, a autoridade ambiental turca cancelou o consentimento para a operação quando a embarcação já estava a caminho, o que levou o Ibama a também suspender seu consentimento para a exportação e determinar o retorno do casco ao Brasil.
Nos últimos três meses, a Marinha orientou os proprietários a atracar em porto brasileiro e solicitar novamente a exportação para algum país que faça parte da Convenção de Basileia com a finalidade de reciclagem. A MSK chegou a solicitar arribada forçada no Porto de Suape, em Pernambuco, o que foi proibido pela Justiça Federal, sob o argumento de que a atracação traria riscos.
A transportadora do casco do porta-aviões, que alega cumprir todas as normas internacionais, ainda chegou a pedir à Justiça informações sobre outros barcos com amianto no porto, acusando uma diferença de tratamento com relação a estas, supostas, outras embarcações.
“A única forma de realizar o descarte do amianto é levarmos o navio para desmonte e reciclagem no estaleiro na Turquia, mas para isso é preciso consertá-lo, caso contrário ficará vagando eternamente na costa pernambucana, correndo risco de acidentes como recentemente ocorreu no Rio de Janeiro”, afirmou o advogado da empresa, Zilan Costa e Silva.
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