Por Juliana Cavalcanti
A redução de alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para veículos e produtos da linha branca, na prática pode significar uma transferência de renda às avessas – de pobres para ricos – na avaliação da economista Amanda Aires. Professora de Economia do Centro Universitário Unifbv/Wyden, ela analisa o impacto que a medida pode ter diretamente nas contas dos municípios – especialmente os mais pobre e dependentes do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
Criticada por prefeitos e governadores, a medida deve ter impacto de pelo menos R$ 12 bilhões nos cofres municipais, comprometendo políticas públicas e até mesmo o funcionamento de pequenas cidades. Mas por que a medida adotada em 2009, durante o segundo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para enfrentar os efeitos da crise mundial, não deve ter o mesmo efeito neste momento, em 2022? É o que comenta a economista Amanda Aires, em entrevista ao Movimento Econômico:
Movimento Econômico – Segundo estimativa da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), a redução da alíquota de IPI em 25% na linha branca causará perdas de R$ 5,8 bilhões aos municípios, sendo R$ 755,2 milhões apenas aos municípios de Pernambuco até 2024. Por que a medida não é bem vista pelos gestores neste momento e que impacto pode ter nos próximos anos para as contas municipais?
Amanda Aires – Para responder essa questão, primeiro é preciso compreender que todos os impostos vão para o mesmo ‘bolo’ do Tesouro Nacional, no sistema de federalismo fiscal. Esse imposto é arrecadado pela União e distribuído para os municípios, através do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) – [uma transferência constitucional relativa a 23,5% da arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI)]. Os municípios recebem de acordo com o tamanho da população, com base em dados estatísticos do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Em 2009, quando houve a redução do IPI para a linha branca – essa redução foi de certa forma repartida para os consumidores, pois o Brasil vinha num ritmo elevado de consumo e isso se refletiu nos preços praticados diretamente nos produtos.
Movimento Econômico – O governo diz que esta medida pode estimular a recuperação da economia, como já aconteceu anteriormente. Como essa medida repercute diretamente nos municípios?
Amanda Aires – A gente precisa ter claro que muitos municípios vivem dos repasses do FPM e na hora que o estado corta essa transferência, o município fica sem arrecadação, pois não tem fonte alternativa de renda. Neste momento, o governo diz que esta medida pode estimular a economia, mas, na prática, é preciso avaliar questões como o nível desemprego, de endividamento das famílias, se e quanto as empresas vão repassar essa redução para o preço final ao consumidor. Senão, a gente pode dizer que o que acontece é uma transferência de renda de pobres para ricos. O pleito dos municípios faz um enorme sentido.
Movimento Econômico – Neste sentido, quais são as perspectivas para a economia brasileira em 2022?
Amanda Aires – Obviamente que, em comparação ao ano de 2020, a situação da economia brasileira é muito melhor do que naquele momento, no auge da pandemia [do Covid-19]. Contudo, ainda existe um elevado volume de desempregados no Brasil, estamos vivendo com uma inflação muito alta [10,06%, em 2021 e estimativa de 5,06% em 2022] e um cenário não muito otimista. Quem ficou desempregado também está mais pobre, numa avaliação do cenário ‘stricto sensu’. Sem falar que a pandemia ainda não está controlada e existe também uma guerra, que não está controlada. Então, temos um cenário desafiador e ruim, porque a população está empobrecida. De fato, o pleito dos prefeitos precisa ecoar, pois são a ‘parte fraca’ na balança.
Movimento Econômico – Que reflexos podemos esperar da política de isenção fiscal nesta conjuntura?
Amanda Aires – Será preciso avaliar a repercussão dessa redução no consumo e no estímulo da economia, da indústria. Em que medida teremos uma expansão das vendas, neste cenário atual? O que se espera neste momento é que não haja essa expansão, por questões de conjuntura da economia brasileira e talvez não faça sentido a redução do IPI hoje, porque a população não vai comprar produtos de linha branca quando não há o que comer. Já para muitos municípios, o FPM é o único recurso que eles têm; é a única fonte que eles têm. No cenário que temos hoje pode soar até não inteligente essa medida.
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