Crise das eólicas: após 2,5 mil demissões, setor pede socorro

A crise das eólicas se aprofunda, com problemas estruturais no setor elétrico. Nesta série de três reportagens, o Movimento Econômico mostra as causas do problema e as soluções possíveis para salvar o setor. Confira a primeira reportagem
Elbia Gannoum aposta em solução para a crise das eólicas já em 2024
Elbia Gannoum é otimista e não vê risco da crise das eólicas evoluir da indústria de equipamentos para as geradoras/Foto: Abeeólica (Divulgação)

Em meio a um ciclo de investimentos bilionários no Nordeste, a crise das eólicas avança como um paradoxo. Em meio à implantação de projetos de geração com orçamento estratosférico, a indústria de equipamentos para o setor passa por sufoco desde 2022, evidenciado por 2,5 mil demissões no país. A presidente da Abeeólica, Elbia Guannoum, descarta o risco de fechamento de parques geradores, mas o quadro evoluiu a tal ponto de intensidade que foi bater nos gabinetes de Brasília.

Na capital federal, a Associação Brasileira de Energia Eólica é responsável pela relatoria de um grupo de trabalho criado recentemente para solucionar essa questão junto com com o governo federal. O GT inclui os ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), Fazenda (MF) e Casa Civil.

O cenário com que o grupo se depara é altamente desfavorável ao setor. Depois de uma vendaval de empreendimentos de geração nos estados nordestinos e da instalação de gigantes globais de bens de capital no Brasil, a atração de novos contratos simplesmente parou na indústria de equipamentos eólicos.

Questionada sobre a dificuldade de se entender essa crise das eólicas, diante de uma paisagem dominada, no Nordeste, por complexos geradores grandiosos – em operação ou em construção – Elbia Guannoum tem uma explicação simples: “Os parques eólicos em funcionamento ou em implantação e também os que só agora estão sendo anunciados são todos resultado de decisões de investimento antigas e os equipamentos foram comprados até o primeiro semestre de 2022”.

Crise das eólicas: Aeris Energy demitiu 1,5 mil empregados no Ceará
Em poucas semanas, Aeris Energy dispensou 1,5 mil trabalhadores no Ceará e se tornou o maior case de demissões em massa na crise das eólicas/Foto: Aeris Energy

Crise das eólicas começou há dois anos

A calmaria no segmento de equipamentos eólicos começou no segundo semestre de 2022. Com a parada de novas encomendas, as contas foram chegando e as empresas vendo o caixa minguar. A situação foi se deteriorando até o ponto de os fabricantes paralisarem a produção.

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Uma das primeiras a emitir sinais de que havia algo muito errado na cadeia foi a baiana Torres Eólicas do Nordeste (TEN). Em junho do ano passado, a companhia – joint venture entre a Andrade Gutierrez (Brasil) e a GE (EUA) – suspendeu as atividades e demitiu 500 empregados.

Entre o final de abril e o início de maio de 2024, foi a vez da produtora de pás Aeris Energy, localizada no Ceará, dispensar 1,5 mil trabalhadores em poucas semanas.

A situação se repetiu nas fábricas de outras empresas do ramo, na região e no país. A unidade de aerogeradores da dinamarquesa Vestas em Aquiraz (CE) entrou para essa estatística, que seguirá crescendo no segundo semestre deste ano, quando a planta da WEG, em Jaraguá do Sul (SC), vai paralisar temporariamente a produção.

O que explica a crise das eólicas?

Por trás dessa crise das eólicas, há um panorama bastante complexo e difuso. O país vem produzindo mais energia do que o mercado é capaz de absorver. Parte dessa superprodução está relacionada à meteorologia: os reservatórios das hidrelétricas encheram nas estações chuvosas dos últimos anos, impactando a geração eólica, que é complementar à hidráulica.

Além disso, o barateamento dos painéis fotovoltáicos, provocado pelo efeito China, fez a geração solar distribuída (GD) se expandir de forma desordenada no país, o que vem contribuindo para desequilibrar o setor elétrico no Brasil.

A GD é uma solução sustentável do ponto de vista ambiental mas que, na outra ponta, vem causando problemas sistêmicos no país. Isso acontece num momento em que, nos Estados Unidos e Europa, placas solares são usadas até para a construção de muros e cercas de jardim devido aos preços irrisórios.

Não bastasse isso, a atividade econômica no Brasil, desde a década de 2010, vem passando por anos seguidos de voo de galinha. Com o baixo crescimento do Produto Interno Bruto, a demanda de energia avança pouco ou fica estagnada.

A solução desse conjunto de problemas interessa principalmente ao Nordeste. A região não apenas é um dos maiores polos produtores de equipamentos eólicos do país, como lidera a geração de energia a partir dos ventos e a capacidade instalada no Brasil.

Dos seis maiores produtores desse tipo de eletricidade, no país, cinco são estados nordestinos: Rio Grande do Norte (1º), Bahia (2º), Ceará (3º), Piauí (4º) e Pernambuco (6º). Apenas uma unidade da federação de outra região entra nesse top 6: o Rio Grande do Sul (5º).

Crise das eólicas: Vestas, que tem fábrica no Ceará, é uma das indústrias de equipamentos afetadas pelas dificuldades no setor
Dinamarquesa Vestas, que instalou fábrica no Ceará, é uma das indústrias de equipamentos que entrou para as estatísticas da crise das eólicas/Foto: Vestas (Divulgação)

Enquanto crise das eólicas cresce, GD avança

No Brasil, geração distribuída já ultrapassa 30 gigawatts (GW) de potência instalada em operação. Esses dados integram estudo recém divulgado pela Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica e realizado pela consultoria Volt Robotics. De acordo com o levantamento, o total de unidades consumidoras que usam energia solar distribuída atinge 3,7 milhões no país, em 2024.

Nesse momento de superaquecimento do mercado, o astro rei brilha como nunca para as empresas que abastecem o segmento de GD, especialmente as que exploram novas modalidades do negócio, como a assinatura de energia e o comodato de equipamentos, serviços sob medida para pequenos negócios e residências.

Nos estados nordestinos, essas modalidades vivem um boom impressionante. Na região, o Santander ativou, em abril, seu serviço de comercialização para correntistas, o FIT Energia, cuja eletricidade vem da GD. Na primeira fase, o produto foi disponibilizado em Pernambuco, Bahia, Ceará, Alagoas, Piauí e Rio Grande do Norte.

Também brigam por um lugar ao sol do Nordeste outras empresas, como a portuguesa EDP, a geradora Kroma e a comercializadora Setta, ambas pernambucanas. O que tem de comum entre elas? Geração distribuída, eletricidade por assinatura e a promessa de redução de 30% na conta de luz.

Na outra ponta, empresas de equipamentos solares, como a Connectoway (Recife) vêem o faturamento crescer dois dígitos por ano. Em 2024, a companhia espera um salto de 20% na receita em relação a 2023.

A Connectoway é focada principalmente na venda de inversores fotovoltáicos com certificação de qualidade, como os da marca chinesa Huawei Digital Power. Nesse caso, o alvo da parceria é o B2B. Esse ano, o B2C também entrou no mix da companhia, que passou a oferecer um serviço de assinatura (e comodato do kit solar completo) para microempresas e consumidores residenciais.

Como vai funcionar o socorro para a crise das eólicas?

Nesse panorama em que as eólicas choram enquanto a geração distribuída vende lenço, uma das medidas em estudo na capital federal para enfrentamento da crise é a concessão de incentivos para as exportações de equipamentos de geração a partir dos ventos.

O objetivo dessa estratégia é tornar os produtos brasileiros competitivos em regiões onde ainda há demanda de novos projetos desse tipo de geração, como nos Estados Unidos e União Europeia. Esses benefícios contribuiriam para reduzir o impacto da desaceleração da cadeia eólica no Brasil.

Elbia Gannoum defende que a carga tributária atual e o Custo Brasil inviabilizam a entrada dos fabricantes instalados no Brasil não apenas nesses mercados, mas no comércio exterior como um todo.

Outra ação que está sendo discutida é um aperto nas regras dos bancos públicos para as operações de financiamento destinadas ao setor solar. Passaria a haver a exigência de um percentual de nacionalização de equipamentos, de forma a garantir “isonomia” e desestimular as importações.

Segundo a presidente da Abeeólica, atualmente existe uma “assimetria”, pois esses produtos têm apenas 20% de conteúdo nacional, enquanto, nos aerogeradores, os componentes fabricados no Brasil atingem 80%.

Também vem sendo analisada a possibilidade de um aumento na alíquota para importação de equipamentos chineses, decisão que passa pelo Ministério da Fazenda e já foi discutida pessoalmente pelos empresários com o ministro Fernando Haddad.

Esse foi um dos caminhos adotados pelo governo norte-americano, que elevou o imposto para entrada de painéis fotovoltáicos da China de 25% para 50%.

Sobre o futuro formato desse socorro e o prazo em que será anunciado, o Mdic não informa detalhes. “As discussões ainda estão em andamento. Por essa razão, não temos como antecipar qualquer informação”, diz o ministério por meio de nota.

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