Mais de 33% dos parques eólicos e solares instalados no Brasil foram construídos em locais sem títulos de terra, segundo estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Recursos Naturais e Ciências da Vida, da Áustria, e da London College, da Inglaterra, publicado, esta semana, na revista “Nature Sustentability”. O Nordeste tem mais de 90% dos parques eólicos do País. Portanto, grande parte deste problema está na região.
Ocorreu uma rápida expansão da geração solar e eólica no Brasil nas últimas duas décadas. Até 2021, mais de um terço dos parques eólicos foi construído em locais sem título de terra, de acordo com o estudo. Isso incluiu até áreas públicas não-designadas de uso comum que respondem por 7% do total ocupado.
Também até 2021, 28% da área registrada para abrigar parques eólicos e solares se baseou somente no Cadastro Ambiental Rural (CAR), instrumento que não comprova a titulação fundiária, de acordo com a pesquisa, que comparou dados espaciais de parques eólicos e solares, a situação fundiária e os investimentos realizados entre 2000 e 2021. O estudo foi intitulado Large-scale green grabbing for wind and solar photovoltaic development in Brazil que significa captura verde em grande escala no desenvolvimento de eólica e solar fotovoltaica no Brasil.
Os autores do estudo dizem que a falta de titularidade da terra “é particularmente grave no Nordeste do Brasil, onde as condições geofísicas são ideais para o desenvolvimento de energia renovável, mas a posse da terra é sujeita a uma profunda insegurança e conflito decorrente de inequidades históricas na propriedade da terra, lacunas regulatórias e governança fraca.”
O estudo também mostra que empresas globais europeias respondem por grande parte dos investimentos em eólicas realizados no País. Das 89% das empresas que se declaram nacionais, a maioria funciona como subsidiárias de grandes grupos internacionais. As empresas estrangeiras atuam em 78% da área destinada às eólicas no País. Nas usinas solares fotovoltaicas, este percentual é de 96%.
Por exemplo, entre as 10 maiores empresas eólicas que aparecem como brasileiras, sete são companhias de fora que detém 68% da área usada para este tipo de geração no Brasil. O levantamento também mostra que as gigantes Enel, da Itália, e a Engie, da França, somam 52% da área dos parques eólicos do País, sendo que a primeira sozinha tem 30%. O estudo também mostra que muitas das empresas estrangeiras implantaram os empreendimentos com financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
A expansão das energias eólica ocorreu no Brasil num ritmo acelerado a partir de 2010, concentrando mais de 90% destes parques na Região Nordeste, que tem maior potencial para este tipo de geração de energia.
Os parques eólicos e o estudo
A coordenadora do Projeto Nordeste Potência, Cristina Amorim, diz que este é o primeiro estudo científico que olha de maneira integrada para os dados públicos, mostrando o conflito que existe entre a expansão das renováveis no Brasil e a falta de governança na questão fundiária, “que é a ponta do iceberg”.
Ela chama a ponta do iceberg por argumentar que sem a titularidade da terra podem ocorrer ilegalidades, como arrendamentos inválidos, retirada das pessoas de locais onde elas habitam há decadas etc.
“O estudo desbanca o mito do vazio demográfico com áreas que não estão demarcadas nos mapas oficiais, mas existem pessoas morando lá e trabalhando”, comenta Cristina. Grande parte dos parques solares que se instalaram no Nordeste estão em áreas do Sertão que tem baixa densidade demográfica.
A especialista defende que deveria ser feito um ordenamento fundiário, que é entender quem está lá, o que produz e quais as necessidades daquela população. E, depois disso, um zoneamento ecológico/econômico dos Estados, definindo o uso inteligente do território, mostrando as vocações destes lugares, entre outras informações.
Ela também lembra que foi instituída a Política da Devida Diligência na União Europeia. “Com essa lei, as empresas vão ser responsabilizadas por toda a cadeia envolvida nas suas operações”, explica. A falta de titularidade da terra pode abrir caminho para vários tipos de violência, incluindo o assédio, na opinião da especialista, e isso vai ser cobrado às empresas europeias.
“A grande questão é o Brasil vai manter esta rota de conflitos ou vai enfrentar isso de forma aberta e transparente para mudar e transformar a transição energética em justa”, conclui, acrescentando que também entende que a transição energética é uma questão urgente também para o meio ambiente, mas não pode contribuir para aumentar a desigualdade.
*Com informações do Nordeste Potência
Leia também
Documento aponta medidas para mitigar o impacto da geração eólica e solar
Plano Nordeste Potência prevê 2 milhões de empregos com energias renováveis