O setor de shopping centers no Brasil apresentou um importante crescimento nas primeiras décadas do século XXI, segundo a Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce). Entre 2006 e 2019, o número de shoppings no país aumentou 64% e a quantidade de lojas 87%. Bem como, mais que dobraram a Área Bruta Locável (ABL), o faturamento, os empregos gerados e o tráfego de visitantes. No ano de 2019, especificamente o faturamento alcançou R$192,8 bilhões, ou seja, 8,4% em relação ao ano anterior.
A pandemia representou um impacto importante para o setor em 2020. O conjunto dos shopping centers do país registrou um faturamento de R$ 128,8 bilhões, uma retração de 33,2% em relação a 2019. No Nordeste a perda foi da ordem de 31%.
Em paralelo a retração das vendas físicas, a pandemia apresentou um intenso crescimento das vendas online. As vendas do comércio eletrônico superaram as dos shoppings centers em 2020 e, segundo estudo da gestora Canuma Capital, atingiram R$260 bilhões, um acréscimo de R$ 160 bilhões em relação ao registrado em 2019, antes da pandemia. Na verdade, a tendência de expansão do e-commerce no conjunto do setor de varejo brasileiro já vinha se apresentando, há alguns anos, alinhado com a perspectiva global. O contexto pandêmico fez acelerar ainda mais este movimento.
Estes dados, no entanto, não significam que os shoppings perderam relevância no varejo brasileiro, há cerca de 600 unidades em operação no país e é importante salientar que nenhum shopping center foi fechado em 2020. Além disso, mesmo com as grandes dificuldades apresentadas, sete novos shopping centers foram inaugurados neste ano, dos quais dois no Nordeste: Shopping Serra Talhada, no Sertão de Pernambuco, e Park Shopping Bahia (Lauro de Freitas/BA).
Não obstante, as mudanças estruturais que já vinham se apresentando e os impactos da pandemia, chama a atenção o desafio de se redefinir o modelo de negócio dos shoppings, considerando, entre outros fatores, a ascensão da era digital.
Em 2021 houve uma recuperação importante do setor, sobretudo, considerando as vendas do final do ano. Entre 19 e 25 de dezembro de 2021 elas tiveram acréscimo de 10,7% em relação a igual período de 2020, influenciadas, em grande parte, pela redução das restrições sanitárias. No entanto, a previsão de uma recuperação mais intensa foi frustrada por um contexto econômico que se apresentou com sinais de retração – desemprego mantendo-se em patamares ainda elevados, retomada da inflação, rigidez nos rendimentos e elevado patamar de endividamento das famílias.
As atenções agora se voltam para 2022. Para se avaliar o que vem pela frente devemos levar em conta dois vetores. De um lado, o contexto do ambiente de negócios que os shoppings enfrentaram neste ano, considerando os desdobramentos da conjuntura econômica nacional e os efeitos de um ano de eleição, com todos ingredientes de incertezas que carregam. Do outro lado, as perspectivas de mudanças que se aceleraram durante a pandemia, em função da veloz disseminação do digital em nossas vidas.
No primeiro o desafio é de administrar em meio a um ambiente de crise e instabilidade, o que deverá exigir gestão financeira eficiente dos negócios. No segundo desafio, a capacidade e habilidade de adequação a tendências da era digital, considerando hábitos que se ampliaram com a pandemia e que tendem a se consolidarem, como o avanço do delivery; a adesão mais ampla ao home office, a expansão dos serviços de streaming, as alterações entre outros.
Os shoppings terão que se reinventar. Devem ser consideradas questões como: 1) avanço do e-commerce, inclusive partindo de sua própria estrutura – seja uma venda feita pelo WhatsApp ou pela própria plataforma digital do varejista; 2) alterações no padrão de vendas presenciais -exemplo da diminuição de áreas locadas, do uso mais intenso de recursos digitais nas lojas, do crescimento dos modelos de negócios compartilhados, etc., com as lojas físicas funcionando como uma vitrine para os produtos, sendo cada vez mais difícil separar o que é venda online da off-line; 3) convergência dos canais de venda, que também deverá implicar na ampliação do digital, na perspectiva de conectar o cliente a uma determinada loja de um shopping para que ele possa saber, antes de se deslocar até o estabelecimento, se um produto está disponível.
Importante lembrar também que algumas tendências que ficaram relativamente represadas no contexto da pandemia tendem a voltar e com intensidade. Os shopping centers no Brasil têm características que vão além de um local de compras, tornaram-se um grande espaço de entretenimento, incluindo gastronomia, bem como de prestação de serviços diversos – e esses segmentos ainda não retomaram ao ritmo pré-pandêmico. O grande desafio é como o shopping center conseguirá aderir à nova jornada de consumo, sendo um grande hub de entretenimento e prestação de serviços.
Há que se levar em consideração, também, as tendências de fortalecimento de nichos de mercado como o de Pet Friendly e de lojas e serviços especializados em segmentos sociais específicos, como o público feminino, o LGBTQIA+, entre outros. Bem como, a ampliação de shoppings no interior do país, sobretudo em cidades de médio porte.
Em particular, o mercado de shopping center no Nordeste brasileiro, em combinação com estes desafios, apresenta também um grande potencial, considerando o grande potencial de consumo. Estudo do Escritório Técnico de Estudos Econômicos do Nordeste (Etene) do Banco do Nordeste, já apontava evidências importantes do crescimento do setor de shoppings na região (Caderno Setorial do Etene, fevereiro de 2018). No cenário pós-pandemia e pós-crise econômica, certamente o Nordeste deverá apresentar um forte impulso neste setor.
Até lá os lojistas e administradores de shoppings na região e no Brasil como um todo terão que ter muita competência na gestão financeira, criatividade e obstinação na gestão dos seus negócios para superar a crise e as mudanças em curso.
*Valdeci Monteiro dos Santos é sócio-diretor da Ceplan Consultoria e professor de Economia e Assessor de Planejamento da Universidade Católica de Pernambuco