Conflito no Mar Vermelho ameaça economia local

Vivemos uma década marcada por significativos bloqueios marítimos e os que acontece agora no Mar Vermelho pode impactar indústrias e portos na margem ocidental do Atlântico.
Canal de Suez
Canal de Suez: ponto chave sob tensão/Foto: Pixabay

A década volta a ser marcada por nova perturbação no mercado de navegação global. Em 2020, a pandemia da Covid-19 interrompeu quase totalmente o fluxo de navios a partir da China e causou grande desorganização nas cadeias de suprimentos. No ano seguinte, em março de 2021, o Ever Given, um navio porta-contêineres de quase 200 mil toneladas, encalhou na margem leste do Canal de Suez, interrompendo uma das passagens mais importantes para o comércio mundial. Agora, são os conflitos no Mar Vermelho que preocupam as empresas que atuam na corrente de comércio global.

Não custa lembrar que a Covid-19 provocou parada súbita em todos corredores de navegação a partir da China, derrubou os preços dos fretes e causou escassez de insumos e equipamentos. O índice Baltic Dry, que acompanha o custo do transporte de matéria-prima a granel chegou a cair 80%. Ele é um indicador da atividade econômica global.

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Já o navio que bloqueou por seis dias a principal rota de tráfego entre a Europa e a Ásia, onde passa cerca de 10% do comércio marítimo mundial, provocou perdas econômicas, diretas e indiretas estimadas em US$ 300 bilhões. O Canal de Suez, no Egito, levou três dias para a retomada do seu tráfego após o desbloqueio.

A nova preocupação dos armadores são os ataques dos rebeldes Houthis iemenitas no Mar Vermelho, que levaram ao menos 18 companhias a desviar seus navios da região, desafiando os que atuam na corrente do comércio global. O fluxo de navios naquelas águas caiu 66%.

A opção por novas rotas de navegação mais longas, ampliou o tempo de entrega das mercadorias em 40%. Conforme disse à BBC de Londres Larry Carvalho, advogado especialista em logística e direito marítimo, o custo médio por embarcação só com óleo bunker (o combustível dos navios) está na casa de US$ 30 mil por dia e o aumento no trajeto implica em um custo adicional que chega a U$ 300 mil, sem falar nos custos com mão de obra, alimentação e vários outros envolvidos numa diária no mar.

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Tudo isso vem pressionando o preço do frete. De acordo com o índice Freightos Baltic, que mede as taxas de frete de contêineres, o aumento foi de 121,59% entre 1º dezembro de 2023 (quando o valor médio para um contêiner de 40 pés era de US$ 1.179,20) e 12 de janeiro – quando o frete havia subido para US$ 2.613,00.

Indústrias em alerta

“As novas rotas aumentam o tempo de entrega dos navios e isso pressiona o custo das mercadorias. Podemos prever uma inflação na cadeia global que pode chegar por aqui, já que nossa indústria depende de itens importados”, analisa o economista da Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco (Fiepe), Cezar Andrade. Há ainda os efeitos sobre o petróleo, cujo preço teve ligeiro aumento na última terça-feira, mas ainda não sofreu grande impacto.

Exportações de Pernambuco foram afetadas pelos EUA e Argentina, na visão do economista Cézar Andrade (Fiepe)
Economista da Fiepe, Cézar Andrade/Foto: divulgação

No mercado financeiro, porém, a situação é outra. A alteração nas rotas dos armadores, desorganizou os fluxos comerciais na Europa e nos Estados Unidos, com repercussão sobre o prazo de entrega de mercadorias. Na semana passada, a agência Dow Jones informou que as ações de empresas americanas e europeias que dependem desses armadores estão caindo, principalmente as das montadoras.

Stellantis reage e usa aviões

As empresas tentam reagir. A Stellantis decidiu usar aviões para transportar peças essenciais. A Volvo paralisou sua fábrica na Bélgica, devido ao atraso de mercadorias, e a Tesla parou sua unidade na Alemanha. Todas essas empresas tiveram quedas em suas ações. E muitas outras.

Alguns portos do Nordeste olham com atenção o cenário global, ainda que não tenham rotas ligadas diretamente à região de conflito. Este é o caso do Complexo Industrial Portuário de Suape, um dos dez maiores do Brasil, que indiretamente se conecta com o Mar Vermelho, já que operacionaliza mercadorias que fazem transbordo em portos como o de Santos, este sim, com rotas para a região de conflito.

Em 2023, Suape movimentou cerca de 544 mil TEUs (medida de um container marítimo normal, de 20 pés de comprimento, por 8 de largura e 8 de altura). “Se os ataques perdurarem, será uma questão de tempo para sentirmos os seus efeitos, porque na logística é tudo muito interligado”, analisa o presidente de Suape, Márcio Guiot.

“A história comprova que toda vez que efeitos importantes no comércio global acontecem, há reflexos em maior ou menor grau sobre a economia local e o que ocorre no Mar Vermelho pode alcançar a margem ocidental do Atlântico”, sustenta Guiot.

Márcio Guiot, presidente de Suape
Márcio Guiot, presidente de Suape/Foto: divulgação

Maersk: pausa na rota do mar vermelho

A Maerks, que controla a APM Terminals, empresa com terminal de contêiner em Pecém (CE) e está iniciando a construção de outro em Suape, comunicou ao mercado recentemente pausa na rota do Mar Vermelho/Golfo de Aden diante da escalada do conflito. A medida foi tomada após o incidente envolvendo a Maersk Hangzhou, que em menos de 24 horas foi atacado duas vezes pelos rebeldes. O episódio ocorreu nos últimos dias de dezembro de 2023.

O armador dinamarquês analisa que “a situação está em constante evolução e permanece altamente volátil, e todas as informações disponíveis confirmam que o risco de segurança continua a atingir um nível significativamente elevado”. Assim, todos os navios da Maersk que transitam pelo Mar Vermelho/Golfo de Aden foram desviados para sul, em torno do Cabo da Boa Esperança. Rota seguida por outros armadores e bem mais longa.

Lars Jansen, especialista líder em transporte de contêiner da dinamarquesa Vespicci Maritima, publicou na última terça-feira em seu perfil no Linkedin, que os Houthis afirmaram que agora consideram todos os navios americanos e britânicos como alvos hostis. “Trata-se de uma expansão do seu público-alvo, que até agora consistia em navios com laços com Israel”, escreveu.

Os conflitos ocorrem há mais de um mês e não há sinais de que possam arrefecer. Analistas internacionais dizem que isso só aconteceria se os bombardeios na Faixa de Gaza fossem suspensos. O que também está fora de cogitação. Na última semana, os rebeldes Houthis fizeram cinco ataques contra embarcações norte-americanas atingindo três navios. Os Estados Unidos retaliaram com outros cinco ataques a focos rebeldes.

Não é à toa que a Maersk comunicou que “a anteriormente anunciadas Sobretaxa de Interrupção de Trânsito (TDS), Sobretaxa de Alta Temporada (PSS) e Sobretaxa de Contingência de Emergência (ECS) para todas as cargas em navios afetados pelas interrupções ao redor do Mar Vermelho/Golfo de Aden permanecem em vigor.

Entenda o cenário

Mar Vermelho/reprodução Wikipedia
Mar Vermelho/reprodução Wikipedia

O Mar Vermelho divide a Península Arábica e o continente africano. O seu ponto chave é o estreito Babelmândebe, passagem estratégica para quase toda a navegação entre o Oceano Índico e o Mar Mediterrâneo, que se dá por acesso pelo Canal de Suez.

O canal de Suez, por sua vez, é uma via navegável artificial a nível do mar. Inaugurado em 17 de novembro de 1869, após 10 anos de construção, permite que navios viajem entre a Europa e a Ásia Meridional sem ter de navegar em torno de África (pelo Cabo da Boa Esperança), reduzindo assim a distância da viagem marítima entre o continente europeu e a Índia em cerca de sete mil quilômetros.

Juntos, o Babelmândebe, o Mar Vermelho e o Canal de Suez são as ligações vitais para a principal rota de navegação do mundo, entre Ásia e Europa. E é esse percurso que vem sendo evitado diante dos conflitos.

No Estreito de Babelmândebe, a distância entre os dois continentes é de apenas 30 quilômetros de mar. Segundo o site Asia Financial, 12% do tráfego marítimo mundial transita através dessa rota mais curta, pelo Canal de Suez. Tanto que China e Índia já pediram o fim dos ataques a navios no Mar Vermelho, que têm colocado em risco os interesses comerciais das duas maiores economias asiáticas.

Estima-se que mais de 200 navios ainda estejam nas águas do Mar Vermelho em meio aos ataques ocidentais ao Iêmen, conforme os dados do Marinetraffic.

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