Na última quinta-feira (12), quando o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), anunciou seu primeiro pacote econômico para reduzir o rombo de R$ 242,7 bilhões nas contas públicas, para reduzir ou acabar com o déficit primário, o mercado logo respondeu: “esperava mais” dos anúncios do ministro.
Se todas as medidas se concretizarem, o Ministério da Economia estima que as contas do governo podem até ficar com saldo positivo de R$ 11,13 bilhões em 2023. Contudo, o ministro da Fazenda diz estar ciente de que nem todas as metas serão atingidas.
“Em algum momento no final de 2023 para o primeiro semestre de 2024, se tudo acontecer, zera o déficit. Mas sabemos que pode haver frustração. Mesmo que tome medidas, tem um delay [atraso entre as medidas e seus efeitos]”, disse Haddad. Ele estima ainda que, em 2023, as contas do Governo Federal deverão registrar um rombo menor que R$ 100 bilhões, cerca de 1% do PIB.
Litígio Zero
Haddad anunciou o programa “Litígio Zero”, semelhante ao Refis, que visa o refinanciamento de dívidas com abatimento. As pessoas físicas, micro e pequenas empresas terão de 40% a 50% de desconto sobre o valor total do débito (tributo, juros e multa), para pagar em até 12 meses, com limite de valor a 60 salários mínimos. Além disso, haverá a possibilidade de usar prejuízos fiscais e base de cálculo negativa para quitar de 52% a 70% dos débitos.
As empresas com multas e valores acima de 60 salários terão desconto de até 100% sobre o valor de juros e multas (créditos irrecuperáveis e de difícil recuperação) com prazo de 12 meses para pagar. Essas companhias também poderão contar com prejuízos fiscais e base de cálculo negativa para quitar de 52% a 70% da dívida.
Para o economista Jorge Jatobá, da Ceplan – Consultoria Econômica e Planejamento, as condições do programa são atraentes e devem agradar quem tem dívidas com o fisco. Contudo, na sua avaliação, a medida não deve gerar muita arrecadação e envolve riscos.
“Quando você fica fazendo refinanciamento, as pessoas deixam de pagar para usar o benefício. A intenção é o litígio zero, mas pode virar estímulo a mais litígio e à sonegação. O sistema tributário tem que ser menos favorável ao conflito do que é hoje. Esse tipo de programa é muito mais centrado em receita que contenção de gastos, e acho que devia ser o contrário”, disse Jorge. Na avaliação do economista, mesmo tendo pontos positivos, o pacote anunciado pelo ministro serve mais para “dar satisfações ao mercado” e, na sua avaliação, “não vai funcionar”.
Na avaliação de Sandro Prado, economista e professor da Universidade de Pernambuco (UPE), o objetivo do programa é aumentar receitas e, para isso, a proposição de renegociação e descontos para o pagamento de dívidas tributárias pelas empresas “pode, além de aumentar substancialmente a receita do ministério da Fazenda, ser uma boa oportunidade para os empresários quitarem suas dívidas com o Estado e com a sociedade”.
Voto de Qualidade
O ministro da Fazenda também anunciou o fim do voto de qualidade em favor dos contribuintes no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Isso significa que, em situações de empate, as questões tratadas terão decisão favorável à União.
Antes, durante a gestão Bolsonaro, uma lei eliminou o voto de qualidade, favorecendo os contribuintes em julgamentos no Carf. A ação reduziu a arrecadação de impostos e contribuições federais, piorando as contas públicas.
Na visão Para Thiago Castilho, sócio do escritório Severien Andrade Advogados na área tributária, a medida é “ruim” e desagrada ao empresariado, pois, dessa forma, não necessariamente se privilegia a decisão mais justa e correta, “mas, sim, aquela decisão que interessa ao governo”.
“O Carf, tribunal criado para prevenir litígio na esfera judicial e promover a correta cobrança de tributos, termina se configurando num mero tribunal figurativo, no qual as decisões mais importantes são decididas no voto de desempate, que pende para a União, lado mais forte da relação. Na briga entre contribuinte e União, a tendência é favorável à União. Por isso o empresariado, de forma geral, acha ruim essa medida que enfraquece o próprio Carf e aumenta a litigiosidade”, disse o jurista.
Na avaliação do advogado, a mudança no Carf, aliada ao Litígio Zero, desagrada aos empresários. O fim do voto de qualidade em favor do contribuinte, para ele, é “uma medida desfavorável às empresas em geral”, e “casa” com a criação do novo programa.
“O que o governo está dizendo, em outras palavras? ‘Como você vai perder no Carf, porque nos temas mais controversos geralmente há empate, como o voto decisivo será meu, vocês vão perder. Melhor que pague de forma vantajosa, com descontos, do que levar adiante uma discussão que você vai perder’. Claro, os contribuintes podem recorrer ao Judiciário, mas inegavelmente a resolução na esfera administrativa mais simples, objetiva e previsível, num prazo menor”, disse o advogado.
Para o economista Jorge Jatobá, trata-se de “uma tentativa de tirar um benefício dos empresários, que deverá beneficiar o fisco”. Do ponto de vista de arrecadação, para Jorge, o impacto é zero, enquanto que no incentivo ao fisco, é positivo. “A receita vai ganhar mais, e os empresários obviamente não vão gostar. Minha percepção é que o pacote é muito centrado em receita”, disse o economista.
ICMS fora da base do PIS/COFINS
Haddad ainda anunciou e a retirada do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) da base de cálculo dos créditos tributários de PIS/COFINS, reduzindo o crédito tributário a que o contribuinte tem direito, e a extinção dos recursos de ofício para dívidas abaixo de R$ 15 milhões, encerrando o litígio.
Quanto a essa medida, Thiago afirma que “do ponto de vista leigo, faz total sentido”, visto que “se você não paga na saída, é justo que você também não se credite na entrada”. Porém, ele pontua que a sistemática de apuração do PIS/COFINS no regime não cumulativo é imperfeita e baseada numa série de presunções, não uma mecânica – como no caso do ICMS -, em que “você se credita pelo imposto pago na entrada e, na saída, só vai usar no crédito no montante que pagou”.
“Em PIS/COFINS, não necessariamente é dessa forma, agravando o desequilíbrio nas empresas do regime cumulativo, porque no caso do regime não-cumulativo, como as empresas não tomam crédito na aquisição, consequentemente não sofrerão o mesmo impacto que as empresas que atuam no regime não-cumulativo. Você gera mais distorções no sistema tributário, aumentando a aderência e interesse por certos planejamentos tributários, a fim de reduzir a carga tributária”, disse o advogado.