Uma economia de mercado deve funcionar livremente à exceção da regulação que é aplicada na maioria dos países capitalistas do mundo para evitar abusos e práticas desleais que mascarem o funcionamento do sistema de preços, conduzindo a distorções na alocação de recursos que causem danos ao desempenho da atividade produtiva e ao bem estar da população.
A inflação que atinge o Brasil e o mundo tem origem no lado da oferta uma vez que rupturas nas cadeias produtivas decorrentes da pandemia e da guerra na Ucrânia conduziram à elevação de preços de insumos agrícolas, alimentos, peças e componentes para a indústria, energia, especialmente combustíveis, e commoditties das quais somos grandes exportadores.
A inflação brasileira, todavia, tem uma componente peculiar que é a política de reajuste dos preços dos combustíveis pela Petrobras. Como a empresa importa gasolina e diesel, entre outros derivados do petróleo, sendo também exportador deste combustível fóssil, a formação de preços tem origem em dois fatores: o preço do barril de petróleo no mercado internacional e o valor do dólar no mercado doméstico.
Como estamos em ano eleitoral e a inflação desgasta o presidente que almeja se reeleger, a tentação é grande para controlar preços artificialmente. Já conhecemos esse filme. No governo Dilma a intervenção nos preços dos combustíveis e da energia elétrica causou enormes danos à Petrobras e às empresas do sistema Eletrobrás. Não esqueçamos também as iniciativas daquele governo para baixar os juros artificialmente em momento em que o Banco Central ainda não era independente.
O governo Bolsonaro que tem um ministro da Economia que se diz liberal, está tentando colocar em prática medidas para reduzir preços dos combustíveis que são danosas à Petrobras, aos estados e municípios, aos agentes econômicos e à população. Pressionar a Petrobras, por diversas formas, a não alinhar os custos dos combustíveis com os do mercado internacional conduz a uma defasagem de preços que causa prejuízos a uma empresa de capital aberto que tem milhões de acionistas no Brasil e no exterior.
Ademais, pode gerar uma severa crise de desabastecimento no curto prazo porque os importadores de combustíveis, além da Petrobras, não irão adquirir diesel e gasolina no mercado internacional para revendê-los a um preço menor no mercado interno cuja demanda é insatisfeita pela empresa. É bem conhecida na história da economia que intervenções artificiais no sistema de preços causam crises de abastecimento e estimulam a formação de mercados negros. O sistema de preços cobra um alto custo social e econômico por essa prática que tem raízes populistas.
A maior parte dos impostos brasileiros são indiretos, fazendo parte da formação dos preços. Governo e Congresso estão tentando reduzir o preço dos combustíveis por meio de uma direta intervenção nas alíquotas do ICMS – principal tributo de titularidade dos estados- que incidem sobre combustíveis e energia. Estas duas categorias de bens junto com telecomunicações constituem o principal esteio da receita tributária deste entes e uma das principais fontes de recursos dos municípios, que têm direito a receber 25% da receita do ICMS a título de transferência.
O governo, em um frenesi tributário que tem o propósito de amortecer artificialmente impactos inflacionários, já reduziu alíquotas do IPI, afetando a transferência de recursos federais (FPE e FPM) para estados e municípios, e do imposto de importação. Retardar ou mitigar impacto sobre os preços finais dos combustíveis por essas medidas não resolve o problema que reside na política de reajuste de preços da Petrobras a qual, se praticada livremente, como deveria ser, adiaria, mas não resolveria o choque de custos que tem origem em dois componentes sobre os quais o governo não tem praticamente nenhum controle: o preço do dólar e o preço do petróleo no mercado internacional.
Medidas de compensação poderiam ser desenhadas para reduzir os impactos dessa política de reajuste sobre os setores e segmentos mais vulneráveis da economia e da população. O Banco Central, agora independente, é o xerife da inflação. Deixemos para ele a missão de garantir a estabilidade de preços por meio de sua principal arma que é a taxa básica de juros. O governo pode colaborar no combate à inflação por meio de uma politica fiscal restritiva e não usando intervenções sujas na economia.
Essas intervenções trarão altos custos, presentes e futuros, para o funcionamento da economia e do sistema de preços, para a Petrobras, para os entes federativos e para a população em geral. O que um governo, que se diz liberal na economia, e um Congresso que tenta se reeleger são capazes de fazer, por vias populistas, para se manter no poder?
Jorge Jatobá é sócio-diretor da CEPLAN Consultoria Econômica e presidente do Lide Economia-Pernambuco
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