Por Valdeci Monteiro
Os efeitos da pandemia da Covid-19 na economia global resultaram numa vigorosa queda da produção e nos fluxos comerciais em 2020, principalmente decorrente da necessidade de restrição na circulação de pessoas devido aos lockdowns. Os dados de 2021 do Fundo Monetário Internacional (FMI) indicam recuperação econômica, com os efeitos de curto prazo da pandemia já boa parte superados.
De 2020 para 2021, o PIB mundial cresceu de -3,1% para 6,1%, com EUA expandindo neste período de -3,4% para 5,7%; Zona do Euro de -6,5% para 5,2%; China de 2,3% para 8,1%; e o Brasil de -3,9% para 4,6% (www.imf.org/en/publications).
Esta recuperação deve-se, em parte, aos estímulos fiscais e financeiros, através de pacotes estruturados pelos bancos centrais e governos em todo mundo, somados a uma retomada gradual da economia a partir do avanço no processo de vacinação.
Há, contudo, efeitos de médio e longo prazos importantes a serem considerados do impacto gerado pelo contexto pandêmico na estrutura produtiva mundial. Trata-se da profunda desorganização das cadeias logísticas de suprimentos e da constatação da necessidade de revisão da gestão e de organização produtiva utilizados pelas empresas.
As pausas na produção que ocorreram no globo em momentos desconexos, e as medidas sanitárias que repercutiram na diminuição do fluxo logístico e de escoamento de mercadorias por navios e aviões, conduziram a um descompasso nas cadeias de suprimento. Aliado a isso, o uso do Just-in-time desenvolvido de forma indiscriminada pelas empresas, tornou a falta de matérias primas um fato relevante na dificuldade da retomada da oferta global. O comércio mundial de semicondutores é um exemplo deste problema. Presentes em diversas cadeias produtivas, sua escassez atrapalhou, inclusive a produção mundial de veículos.
Em 2022, as cadeias logísticas que, como exposto, sofreram duramente os efeitos da pandemia da covid-19, mal tiveram tempo de se reorganizar. A conjuntura planetária voltou a dar sinais de instabilidade e o setor de logística a contemplar novos ingredientes de dificuldades, por conta do ataque russo à Ucrânia e dos novos lockdowns sanitários na China. Nesse sentido, a Organização Mundial do Comércio (OMC) já em abril, reduziu de 4,7% para 3% a previsão de crescimento do comércio de mercadorias em 2022.
No caso da China, mesmo considerando a recuperação importante do seu PIB em 2021, os recentes fechamentos das cidades de Xangai e Pequim para conter uma nova onda de contaminações pela Covid-19 pode resultar em mais uma falta de insumos para a cadeia produtiva e, consequentemente, elevar ainda mais os preços em 2022.
Por seu turno, a eclosão da invasão da Ucrânia pela Rússia, dando origem a uma guerra muito próxima ao raio de atuação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), trouxe novos ingredientes de tensão geopolítica e de instabilidade na economia mundial. Com relação às cadeias globais de suprimento, dois aspectos devem ser destacados. No curto prazo, existem restrições importantes no fluxo de trigo e seus derivados; terras raras; fertilizantes; gás, petróleo e combustíveis, que já estão gerando efeito direto na conjuntura de aquecimento internacional dos preços.
Outro aspecto, é o impacto imediato na questão energética. Além de ser um dos maiores produtores mundiais de petróleo, a Rússia fornecia um terço do gás natural consumido na Europa. No caso do petróleo, de 24 de fevereiro, quando começou a guerra, até o dia 8 de março de 2022, o barril de petróleo Brent subiu 34,6%.
Por outro lado, a Rússia e a Ucrânia respondiam por metade das exportações mundiais de trigo — 30% e 20% respectivamente. A Rússia era o maior exportador de produtos nitrogenados, usados em fertilizantes. A Ucrânia, o terceiro exportador mundial de milho. Trigo para alimentos, milho para rações, fertilizante para o plantio: as sanções à Rússia e a destruição da Ucrânia desordenaram a produção.
Assim, essas novas circunstâncias do ambiente mundial, sobretudo a guerra, proporcionaram novos e importantes ingredientes a tensão inflacionária mundial que já vinha em curso e mais obstáculos e desafios para as cadeias globais de suprimento, que deverá sofrer grandes mudanças para os próximos meses e anos.
O Brasil sentiu de imediato este choque adverso da oferta mundial, sobretudo os efeitos do aumento dos preços de produtos como petróleo e fertilizantes. Não obstante, observando o médios e longo prazos, este cenário pode resultar em oportunidades, tanto no incremento do setor exportador, sobretudo, na produção de alimentos e minérios; quanto na possibilidade de se acelerar a diversificação da sua matriz energética, estimulando a produção de energias renováveis. Para tanto, o País deve se qualificar ainda mais como exportador de alimentos e minérios, e buscar maior grau de autonomia de commodities como petróleo e fertilizantes.
Na perspectiva das cadeias globais de suprimento é importante, de um lado, que as empresas nacionais, dependentes do comércio mundial estejam atentas para a maior necessidade de gerenciamento de riscos e dos estoques; para a busca de alternativas de canais de fornecedores com menos impacto de custos, inclusive pelo estímulo a fornecedores locais; e para promover maior grau de produtividade visando elevar o grau de competitividade.
Também relevante que o governo invista em infraestrutura para eliminar gargalos (a exemplo da área de transporte) e promova conjunto de incentivos para desenvolver maior capacidade produtiva interna (a exemplo de apoio a inovação e desenvolvimento tecnológico).
Valdeci Monteiro dos Santos é economista, sócio-diretor da Ceplan Consultoria e professor de economia e assessor de planejamento da Universidade Católica de Pernambuco