Por Juliana Albuquerque
Contratar pessoa jurídica para prestar serviço tem sido alternativa de muitas empresas para reduzir o custo previdenciário e trabalhista em momentos acentuados de crise econômica. A contratação, contudo, requer atenção para deixar de fora elementos que caracterizam vínculo empregatício, como habitualidade, subordinação e onerosidade. Para trabalhadores, é uma oportunidade para prestar seus serviços para várias empresas sem que haja grandes descontos em seus proventos, o que aumenta seus ganhos.
A possibilidade de contratar nessa modalidade tem sido possível desde a reforma trabalhista, em 2017, mas tem se intensificado após a pandemia. Para se ter uma ideia do aumento desse tipo de contratação, no começo de 2020, antes da pandemia da Covid-19 se intensificar no Brasil, 7% dos profissionais no País buscavam trabalhar como pessoa jurídica (PJ).
Esse cenário mudou com o avanço da crise sanitária e consequente aumento do desemprego, que naquele ano, segundo o IBGE, fechou com uma taxa média de desemprego de 13,5%. Ao fim de 2020, de acordo com levantamento realizado pela plataforma de recrutamento online Revelo, 40% dos que estavam em busca de oportunidades no mercado de trabalho buscaram pelo regime com CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica).
Ainda de acordo com a sondagem da Revelo, que considera processos de recrutamento e seleção em todo o Brasil, entre 2019 e 2020, o volume percentual de contratações PJ passou de 22,06% para 31,14%.
“A contratação flexível foi uma alternativa encontrada pelas empresas para seguir com oportunidades em um momento de incertezas. Já os profissionais, para mais chances de recolocação, passaram a aceitar outros tipos de contratos, como o PJ”, comenta Patrícia Carvalho, Diretora de Experiência do Candidato e Marketing na Revelo.
Para os trabalhadores, tornar-se Pessoa Jurídica é uma oportunidade para prestar seus serviços e ter ganhos maiores do que os obtidos com carteira assinada. É o caso de Marcos Ubiratan. Formado em Gestão de TI desde 2008, ele trabalha com soluções de TI desde os 14 anos e decidiu há 9 anos se tornar PJ.
“Passei a prestar serviços para as empresas que eu já tinha trabalhado de carteira assinada, agora, emitindo nota, o que se intensificou após a pandemia. Vejo como vantagem dessa modalidade o fato de poder prestar serviços não apenas a uma única empresa, mas vários locais. A desvantagem é que se não tiver controle, as empresas querem contratar você para um dia e exigir sua presença em outros dias e horários não acordados dentro do contrato de prestação”, comenta Ubiratã.
É justamente nesse ponto que, tanto a empresa que contrata, quanto aquela que presta o serviço, têm que ficar atentas. De acordo com o advogado especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário, João Varella, esse tipo de contratação precisa deixar de fora elementos que caracterizam vínculo empregatício, como habitualidade, subordinação e pagamento de salário.
“Se por acaso for configurada as características do vínculo de emprego, como a subordinação, a ligação direta entre as empresas contratante e contratada, além da remuneração não-eventual, a empresa contratante pode ser condenada a reconhecer o vínculo de emprego e, consequentemente, a arcar com todos os encargos sociais, como: recolhimento do FGTS, contribuição para a Previdência Social, anotação do vínculo na carteira de trabalho. A Justiça do Trabalho está aí para corrigir essa distorção da realidade, se comprovado os elementos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)”, adverte Varella.
O advogado lembra que o foco de quem presta um serviço deve ser a entrega do trabalho, sem que o contratado tenha que cumprir horário predeterminado pela contratante, que venha configurar habitualidade da prestação do serviço.
“No momento em que é estabelecido um horário de serviço, o vínculo de emprego pode ser configurado. Contudo, o empregador pode estabelecer um prazo”, completa.
Pejotização é um ato legal e modifica a relação de trabalho
Para Pedro Amarante, que é advogado especialista em direito tributário e professor da ITS Edu, é importante ressaltar que embora tenha uma conotação pejorativa, a pejotização é um ato legal, pois coloca o véu da pessoa jurídica em cima da física.
“Todo empresário pejotiza no ato de empreender. Um ponto importante é que esse ato pode ser distorcido. Isso ocorre em contratação de uma determinada pessoa que tem caráter de subordinação, que presta serviço diariamente para empresa, cria uma habitualidade. Então, essa pessoa sob o viés da legislação trabalhista, teria uma relação empregatícia, mas que no ato de abrir uma pessoa jurídica para estar prestando serviço para determinada empresa, pode ser considerado um ato que, embora legal, excede a legalidade”, explica o especialista.
Segundo ele, a simulação, ou seja, quando se comprova que a pessoa jurídica só existiu para fugir das normas trabalhistas e tributárias, é constatada em decorrência de um acúmulo de fatores. Por exemplo: a empresa não tem empregado, não tem outras fontes de receita além daquela empresa para quem está prestando serviço. Isso pode trazer consequências tanto para quem pejotiza de maneira simulada, quanto para quem contrata por pejotização simulada – que é a cobrança de tributo retroativo.
“Muitas vezes sob o olhar da Receita Federal e das entidades fiscalizatórias, elas analisam esse ponto para fins de desconsiderar a pessoa jurídica e passar a tributar as empresas que podem ter realizado essa burla à legislação tributária e trabalhista, para que ela pague o complemento de tributo que deixou de ser pago. Na esfera trabalhista, pode vir a ocorrer, após um processo judicial, a desconsideração da pessoa jurídica e a configuração da relação de emprego”, complementa.
Vantagens para quem utiliza o recurso dentro do que garante a legislação
Tanto na esfera trabalhista, quanto tributária, a pejotização só traz vantagem se for feita da maneira legal. Afinal, a pejotização tem o benefício de desonerar o custo da empresa, o que por isso só já é uma vantagem – visto que o custo para ter uma folha de empregados é de aproximadamente 28%.
“Vemos muitos casos dessa prática dentro do âmbito totalmente legal em contratos de jogadores de futebol que, apesar de seus contratos como jogadores de clubes, abrem suas empresas para gerir suas verbas de publicidade à parte, contratando outras empresas para prestar serviços. Isso é absolutamente legal, é uma forma de receber como pessoa física e reduzir seus tributos. O mesmo ocorre de forma bastante comum na área médica, em que médicos constituem uma pessoa jurídica para prestar serviços para hospitais, quando necessário. Nesse caso, pela PJ, o médico contrata os serviços do seu staff, composto de enfermeiros e instrumentadores, por exemplo, e declara suas receitas e despesas através da pessoa jurídica, paga o tributo que teria se tivesse uma folha de pagamento de funcionários”, exemplifica.
Falta de benefícios pode ser entrave para trabalhador
Ao decidir se tornar Pessoa Jurídica e prestar serviços para outras empresas, a pessoa tem que ter em mente que benefícios comuns no regime celetista, como férias, plano de saúde, alimentação, não são mais obrigações legais de quem os contrata. Isso não impede, claro, que em comum acordo entre as partes, isso seja definido. Além dessas desvantagens, uma vez encerrado o contrato, o profissional PJ não tem direito ao seguro-desemprego ou a qualquer tipo de benefício social, como auxílio-doença ou acidente.
“Foi justamente para corrigir esse problema que o governo criou o Micro Empreendedor Individual (MEI). Porque esse trabalhador paga INSS e está coberto pela Previdência Social, o que é uma vantagem para o trabalhador e o governo”, explica Flávio Cesário, presidente do Sindicato dos Contabilistas do Estado de Pernambuco.
De acordo com o Mapa de Empresas do Ministério da Economia, o reflexo da pandemia na formação de novos negócios como PJ através do MEI se intensificou. Em 2020, de aproximadamente 3,36 milhões de empresas abertas, cerca de 2,66 milhões eram MEIs – um crescimento de 8,4% no número de novos microempreendedores individuais em relação a 2019.
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