Uma análise global da Deloitte sobre tendências governamentais traz motivos para otimismo. O relatório Government Trends 2024, elaborado pelo Deloitte Center for Government Insights, identificou mais de 200 casos ao redor do mundo que comprovam transformações significativas na prestação de serviços e nas operações públicas. Essas iniciativas mostram que agências governamentais podem alcançar melhorias exponenciais, superando desafios e registrando avanços de mais de 10 vezes em áreas como eficiência operacional, experiência do cidadão e resultados de suas missões.
Essa transformação é viabilizada pela convergência entre tecnologia, inovações em processos, políticas, força de trabalho e regulamentação. Em entrevista ao Movimento Econômico, Edson Cedraz, sócio líder da Deloitte para o Nordeste, destacou três fatores principais que impulsionam essas mudanças:
Integração entre entes públicos
A integração entre diferentes órgãos públicos é fundamental para otimizar processos e eliminar entraves burocráticos. “Atualmente, em muitos locais, empreendedores enfrentam uma ‘via-crúcis’ para abrir empresas, passando por diversas instâncias, que vão do Corpo de Bombeiros à Junta Comercial. Para mitigar isso, algumas iniciativas centralizam e simplificam esses processos”, explica Cedraz.
No Brasil, o Sebrae tem liderado ações que eliminam a necessidade de passar por múltiplos órgãos, centralizando etapas para facilitar a vida dos empreendedores. Um exemplo internacional de sucesso é o modelo de “balcão único” implementado no município de Cascais, em Portugal. Nesse modelo, um único ponto de contato oferece suporte ao empreendedor, independentemente dos níveis de governo envolvidos. A proposta, além de facilitar a criação de negócios, é replicável e poderia ser amplamente adotada no Brasil.
Flexibilidade regulatória
A flexibilidade regulatória é outro pilar essencial dessa transformação. “Não se trata de flexibilizar para ser conivente com situações de inconformidade, mas sim de adaptar a regulamentação à realidade da sociedade e das empresas. A regulação precisa acompanhar a dinâmica social, sendo moderna e ajustada às demandas contemporâneas”, destaca Cedraz.
A regulação flexível não pode perder o rigor necessário para garantir conformidade. O foco é flexibilizar para modernizar. Isso garante que as regulamentações sejam instrumentos de apoio ao desenvolvimento, em vez de barreiras burocráticas.
Uso massivo de tecnologia
A tecnologia desempenha um papel central na modernização dos serviços públicos. Em Cascais, por exemplo, soluções tecnológicas estão sendo amplamente utilizadas para otimizar áreas como limpeza urbana, monitoramento de segurança, gestão de resíduos e tráfego. Segundo Cedraz, embora a adoção de tecnologia seja liderada pelo setor público, ela requer a colaboração ativa de empresas privadas. “As empresas privadas têm que estar presentes neste processo; não se pode esperar que apenas o setor público participe”, reforça Cedraz.
A seguir estão destacadas oito tendências que estão redefinindo a forma como governos operam e interagem com a sociedade. Estas tendências, fundamentadas em avanços tecnológicos, reengenharia de processos e inovação colaborativa, apontam para o conceito de “governo 10x” – melhorias significativas que oferecem dez vezes mais eficiência e impacto em comparação aos padrões atuais.
1. Velocidade Operacional (Government at Warp Speed)
Governos em todo o mundo estão adotando tecnologias como inteligência artificial (IA) para acelerar serviços e processos. Exemplos incluem o sistema ALERTWildfire da Califórnia, que utiliza câmeras infravermelhas e IA para detectar incêndios em segundos, reduzindo drasticamente os tempos de resposta. Essa abordagem de alta velocidade também está presente na digitalização de processos administrativos, como emissão de licenças e aprovação de projetos.
2. Produtividade com IA
Avanços em IA, incluindo IA generativa, estão revolucionando a produtividade no setor público. A automação de tarefas repetitivas permite que funcionários públicos se concentrem em atividades estratégicas. Um exemplo é a Receita Federal dos EUA, que, ao implementar ferramentas de digitalização e IA, reduziu tempos de resposta de semanas para horas, eliminando um enorme backlog de processos.
3. Agilidade Governamental
Em um mundo de crises simultâneas, como mudanças climáticas e pandemias, governos estão adotando abordagens mais flexíveis e ágeis. Isso inclui mudanças em políticas, financiamento e tomada de decisões, muitas vezes baseadas em dados em tempo real. Modelos ágeis estão transformando setores como infraestrutura e regulamentação ambiental, permitindo respostas mais rápidas e eficazes.
4. Inovação em Ecossistemas
Resolver desafios complexos requer colaboração. Governos estão formando ecossistemas com parceiros do setor privado, acadêmico e ONGs para desenvolver soluções escaláveis. Exemplos incluem a iniciativa Aadhaar da Índia, que combinou identidade digital, pagamentos online e parcerias público-privadas para promover a inclusão financeira em tempo recorde.
5. Resiliência Governamental
Em um cenário de crises interligadas, como conflitos geopolíticos e desastres naturais, governos estão investindo em tecnologias emergentes, como gêmeos digitais e IA, para simular cenários e planejar respostas eficazes. A resiliência se tornou imperativa para proteger infraestruturas críticas e assegurar a continuidade dos serviços essenciais.
6. Equidade e Inclusão
Governos estão redesenhando políticas e serviços para torná-los mais acessíveis e inclusivos. Isso inclui iniciativas para digitalizar processos que antes eram burocráticos e demorados, como programas de benefícios sociais automáticos baseados em eventos de vida (nascimento, óbito), que eliminam a necessidade de aplicação manual.
7. Transformação de Missões
Desafios globais, como a transição para energias renováveis, estão sendo abordados por meio de colaboração interinstitucional. A Dinamarca, por exemplo, simplificou o licenciamento ambiental com um sistema de ponto único de contato, reduzindo o tempo de aprovação de projetos de energia eólica de anos para apenas 10 dias.
8. Experiência do Cidadão
A digitalização de serviços públicos está tornando os governos mais acessíveis e personalizados. Sistemas de identidade digital, pagamentos eletrônicos e plataformas de troca de dados estão permitindo que os cidadãos acessem serviços rapidamente e sem complicações. Exemplos incluem o programa de benefícios familiares da Áustria, que automatiza a concessão de auxílios financeiros após o nascimento de uma criança.
Convergência como Pilar da Transformação
O relatório enfatiza que a transformação governamental não é impulsionada apenas pela tecnologia, mas pela convergência de elementos como design centrado no humano, políticas baseadas em evidências e parcerias público-privadas. O impacto dessas convergências é evidente em exemplos como o sistema europeu Once Only Principle, que economiza bilhões de euros ao integrar dados e eliminar redundâncias em processos administrativos.
Reflexões e Caminhos Futuros
O relatório conclui que os governos têm a oportunidade de liderar um novo paradigma de governança, onde eficiência, inovação e equidade coexistem. No entanto, a implementação dessas tendências exige investimentos em infraestrutura digital, capacitação de equipes e formulação de políticas adaptativas. O conceito de “governo 10x” representa um futuro onde melhorias exponenciais não são apenas possíveis, mas essenciais para enfrentar os desafios contemporâneos.
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