Um questionamento da empresa Algobom Indústria e Comércio de Produtos Têxteis Ltda junto à Secretaria da Fazenda (Sefaz) traz luz ao debate sobre o estímulo a empresas que empregam ou pensam em empregar reeducandos do sistema prisional em Pernambuco.
No estado é prevista isenção do ICMS na saída interna de produto resultante do trabalho de egressos do sistema penitenciário, conforme o artigo 32 do Anexo 7 do decreto nº 44.650 de 2017.
Mas não se tem conhecimento de empresas que, mesmo empregando reeducandos, tenham acesso ao benefício. “O problema é que o entendimento da Fazenda é muito restrito”, lamenta o advogado responsável pela ação, Cristiano Araújo Luzes, sócio tributário do Serur Advogados. A resolução de consulta da Sefaz foi emitida após questionamento da banca sobre o decreto que trata do assunto.
No entendimento do Cristiano Luzes, a Sefaz exigia que a integralidade do quadro funcional da empresa fosse de egressos do sistema prisional. “Isso é algo muito difícil de se operacionalizar, uma vez que a legislação do próprio programa determina que o trabalho seja supervisionado. Dessa forma, a Sefaz entregou com uma mão, mas retirou com a outra”, pontua Araújo.
Reeducandos no ciclo produtivo
Na resolução de consulta, com data de 20 de setembro de 2024, a Sefaz esclarece que “ a isenção somente se aplica à mercadoria cujo ciclo produtivo tenha sido executado exclusivamente por detentos”, sugerindo que, ao menos na linha de produção, todos os trabalhadores sejam reeducandos.
“A Fazenda afastou o rigor, ao flexibilizar a exigência de que o quadro funcional esteja integralmente preenchido para que a empresa tenha direito ao benefício. Mas esse ponto ainda será discutido judicialmente. Além disso, não há uma decisão final da Fazenda quanto à extensão do benefício para todos os estabelecimentos com reeducandos, pois essa questão será debatida em uma nova tese judicial para permitir o benefício a mais empresas”, explica.
Com a resolução de consulta, a Algobom garantiu o direito de fazer uso do benefício. O efeito é vinculante para outras empresas que venham requerer o direito ao benefício junto à Sefaz.
O advogado salienta que, com a resposta obtida junto a Secretaria, ficou esclarecido um outro ponto controverso: o conceito de “estabelecimento” apto ao benefício. No entendimento da Fazenda “estabelecimento do Sistema Penitenciário” é aquele produtor, industrial, comercial ou prestador de serviço de transporte ou comunicação, de pessoa jurídica de direito privado, que, por meio de vínculo formal com o Estado (…) integre as políticas públicas relacionadas à execução indireta da pena e à reeducação de detentos, contribuindo com os objetivos do mencionado sistema.”
“Existem cerca de três dezenas de empresas em Pernambuco que empregam reeducandos e nenhuma delas conseguem se beneficiar do diferimento no ICMS”, lamenta Cristiano Araújo. “Trata-se de um assunto de interesse social, pois estamos falando de incentivos para que o setor privado contribua com a ressocialização de condenados pela Justiça. Além de que é um incentivo importante para a própria atividade empresarial em Pernambuco”, analisa o advogado.
Uma dessas empresas é o Grupo Julietto, uma rede de restaurantes comandada pela empresária Rose Guareschi. Com nove casas espalhadas por diversos pontos da cidade, inclusive shopping centers, a Julietto emprega cerca de 5 mil pessoas. Embora a mais de 60% dos funcionários sejam reeducandos, a empresa não faz uso do benefício. No seu quadro de trabalhadores constam ainda jovens em situação de risco e pessoas que respondem a algum tipo de processo na Justiça.
“Nunca usamos o benefício. Acho muito complicado, são muitas exigências”, comenta Rose Guareschi, conhecida pelo propósito social de seu negócio. “Prefiro seguir como estou, porque tenho liberdade de dirigir minha empresa como entendo ser melhor. Você sabe, não há almoço grátis”, alerta.
O Movimento Econômico procurou a Secretária Fazenda para entender seu posicionamento sobre o assunto e para saber quantas empresas de fato são beneficiadas pela legislação em Pernambuco, mas não obteve retorno algum.
“Agora, estamos trabalhando na esfera administrativa pela recuperação do indébito tributário. E na judicial discutiremos uma nova tese para afastar o rigor da exigência de integralidade do quadro funcional, permitindo assim que mais empresas possam ser beneficiadas, já que algumas empresas já tentaram o benefício, mas que não chegaram a ser reconhecidas. Inclusive, há precedente no Tribunal Administrativo Tributário de Pernambuco, o TATE, que reconheceu como devido o pagamento do ICMS por empresa que realizou a contratação de reeducandos do sistema”, completa o advogado Cristiano Luzes.
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