O fim da jornada de trabalho de seis dias com um de descanso ( 6 x 1) não está sendo vista com bons olhos por representantes dos setores produtivos, principalmente pelos que representam a indústria e o comércio. O projeto que propõe a alteração foi protocolada na Câmara dos Deputados, pela deputada federal Erika Hilton (Psol), na quarta-feira (13), para tramitar como uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC). Na prática, os empresários argumentam que a redução da jornada do trabalho pode contribuir para aumentar a informalidade, além de gerar mais custos para as empresas.
O projeto prevê a redução da jornada de trabalho semanal de 44 horas para 36 horas com o limite de quatro dias por semana e oito horas diárias. Na proposta, a redução ocorre sem a diminuição do salário. “Este debate já existe há algum tempo e nunca prosperou. É uma questão que deve ser analisada com muito critério pelas empresas e trabalhadores. É uma medida populista que ignora algo muito importante: a produtividade. O Brasil não precisa de redução da jornada de trabalho, mas de aumento da produtividade”, comenta o diretor institucional da Câmara de Dirigentes Lojistas do Recife (CDL-Recife), Paulo Monteiro.
“Se houver uma redução da carga horária trabalhada sem a diminuição proporcional do salário, as empresas vão pagar mais por menos horas trabalhadas e teriam que contratar mais, onerando o custo delas”, comenta Paulo Monteiro. E acrescenta: “as grandes empresas podem até compensar esta redução da jornada com modernização e novas tecnologias que aumentem a produtividade, mas esta não é a realidade das médias, pequenas e micros que são responsáveis por mais de 90% do emprego gerado no País”.
Segundo ele, este último grupo de empresa só vão ter duas opções: repassar o aumento de custo para o consumidor, gerando mais inflação, ou reduzir os postos de trabalho, o que pode contribuir para aumentar o desemprego ou a informalidade. “As médias vão contratar pessoas jurídicas para reduzir o custo, que pode ser um Micro Empreendedor Individual (MEI)”, cita Paulo. Os MEIs e pessoas jurídicas não têm alguns direitos garantidos, como o Fundo de Garantia por Tempo de Trabalho (FGTS). As pessoas que trabalham no comércio geralmente têm uma escala de 6×1.
Caso a proposta seja aprovada, Paulo argumenta que o comércio será um dos mais prejudicados, atingindo principalmente as médias, pequenas e micro empresas. Ele lembra também que as leis ordinárias já garantem novas jornadas de trabalho, dependendo da categoria. “Os acordos coletivos se sobrepõem ao legislado”, conclui, argumentando que o comércio já está sentindo “uma evasão de recursos por causa das bets (apostas)”.
Representante da Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco (Fiepe) no Conselho de Relações de Trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Erico Furtado, diz que o Congresso Nacional deveria procurar soluções para problemas mais graves, porque a atual legislação já permite a alteração da jornada de trabalho. “As leis ordinárias já podem fazer esta alteração desde que seja numa convenção ou num acordo coletivo de trabalho”, comenta.
Erico cita como exemplo o setor da construção civil que alterou a jornada de trabalho. “Para evitar as quatro horas do sábado, colocamos estas quatro horas durante a semana. E aí se for preciso trabalhar no final de semana, as empresas têm que pagar hora-extra”, afirma.
Erico também argumenta que caso seja aprovada a PEC pode contribuir para uma maior informalidade, podendo também aumentar o desemprego. E complementa: “o Congresso deveria procurar soluções para combater o desemprego e a informalidade. O Brasil tem 103 milhões de pessoas ocupadas e quase 40 milhões não têm carteira assinada”.
Posicionamento da CNI sobre a PEC da 6×1
A CNI se posicionou com uma nota no seu portal dizendo que uma eventual redução obrigatória da jornada de trabalho, estabelecida por lei, “deve produzir efeitos negativos no mercado de trabalho e na capacidade das empresas de competir, sobretudo aquelas de micro e pequeno porte”. A entidade defendeu a “negociação coletiva” como “o melhor caminho para que empresas e trabalhadores encontrem as soluções em acordo com as respectivas realidades econômicas e produtivas”.
Segundo o presidente do Conselho de Relações do Trabalho da CNI, Alexandre Furlan, “a justificativa de que uma redução da jornada estimularia a criação de novos empregos não se sustenta, é uma conta que não fecha. O que fomenta a criação de empregos é o crescimento da economia, que deve ser nossa agenda de país. É preciso lembrar que a Constituição é clara ao indicar que a negociação coletiva é o caminho para se discutir ajustes em jornada de trabalho”.
O outro lado da PEC 6×1
Co- autora da PEC da escala da 6×1, a deputada federal Maria Arraes (PSB) diz que a PEC “não tem como objetivo aumentar o desemprego ou prejudicar a economia. Esse primeiro passo dado busca abrir uma ampla discussão entre trabalhadores, setor público e setor privado. Não é uma questão de ideologia política, mas sim de garantir dignidade aos trabalhadores, sem comprometer a sustentabilidade das empresas.
Segundo a parlamentar, o modelo 4×3 (de quatro dias de trabalho e três de descanso) funciona em outros países. Ela cita que “na Inglaterra, por exemplo, a jornada de trabalho foi reduzida para quatro dias desde 2022, e as empresas britânicas mantiveram o novo modelo com resultados expressivos”.
Ainda de acordo com Maria Arraes, “uma pesquisa conduzida pela 4 Day Week Brazil, em parceria com diversas organizações e a Fundação Getúlio Vargas (FGV-Eaesp), envolveu 290 funcionários de 21 empresas, das quais 19 completaram a implementação da jornada reduzida”. Ela diz que os resultados desta pesquisa mostram que a produtividade aumentou para 71,5% dos participantes, com redução de 72,8% na exaustão frequente, 49,6% na insônia e 30,5% na ansiedade semanal.
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