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Cannabis medicinal pode movimentar US$ 1,5 bi até 2028

Saiba como um coquetel de barreiras legais, preconceito da sociedade e desconhecimento da classe médica sobre a cannabis medicinal vem prejudicando o tratamento de milhares de pessoas e travando negócios
Laboratórios brasileiros estão fora do mercado de cannabis medicinal
Cannabis medicinal: 25 produtos à base da planta já estão disponíveis no Brasil, mas laboratórios brasileiros estão fora do setor/Foto: PUC Rio

O mercado de cannabis medicinal no Brasil tem uma notícia boa e uma ruim neste final de 2023. A informação que deve ser comemorada é que 430 mil pacientes já são tratados no país com medicamentos à base da planta, crescimento de 130% sobre 2022. A má é que os laboratórios brasileiros estão perdendo a oportunidade de participar de um segmento que, numa análise muito conservadora, deve movimentar US$ 1 bilhão em 2024 e US$ 1,5 bi em 2028, no país.

Devido às restrições legais, apenas três associações estão autorizadas, por medida judicial, a elaborar os fitofármacos a partir de cannabis e vender os medicamentos. São duas no Nordeste – a pioneira Abrace, na Paraíba, e a Aliança Medicinal, em Pernambuco – e uma no Sul: a Associação de Cannabis Medicinal de Santa Catarina (Santa Cannabis).

Num cenário de avanço de doenças que podem ser tratadas com cannabis medicinal – como parkinson e alzheimer, entre outras – esses obstáculos impactam principalmente quem precisa desse tipo de produto, mas também afetam a indústria nacional.

Além das entidades que conseguiram autorização nos tribunais, apenas os laboratórios estrangeiros conseguem disponibilizar no país remédios desse tipo, devido aos empecilhos à produção no país.

O resultado são preços altos, o que leva os pacientes, na maioria dos casos a dependerem da distribuição gratuita do Sistema Unificado de Saúde (SUS) que, obviamente, é afetado negativamente pelo custo elevado da importação. Todos perdem.

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Pernambuco avança na cannabis medicinal

Atentos à oportunidade de contribuírem para uma solução desse problema, laboratórios públicos, como o Lafepe – do Governo de Pernambuco – estão contratando consultorias jurídicas em busca de saídas legais que permitam a fabricação de cannabis medicinal.

Uma primeira barreira já foi derrubada no estado, com a aprovação, em dezembro de 2022, da lei nº 18.124, a partir de projeto do deputado estadual João Paulo. O texto dispõe sobre o cultivo e o processamento da cannabis para fins medicinais, veterinários e científicos, por associações de pacientes, nos casos autorizados pela ANVISA e pela legislação federal.

Breno Luz
Breno Luz

O avanço ainda não é o suficiente, no entanto, para a superação de todos os entraves gerados pela insegurança jurídica em torno do tema. O que levou o Lafepe a buscar o suporte de uma assessoria especializada, a fim de produzir o óleo de canabidiol.

O objetivo é fornecer o insumo para o SUS, num jogo de ganha-ganha: o laboratório contribuiria para facilitar o acesso dos pacientes aos produtos à base de canabidiol – graças ao aumento da oferta – e agregaria mais uma receita. Enquanto isso, o sistema público de saúde teria uma opção de compra desses medicamentos com um custo bem mais baixo que o do comércio exterior.

Cannabis medicinal em debate no Recife

Esse panorama, que envolve esperanças de quem precisa de tratamento à base de canabidiol, desafios da saúde pública e uma oportunidade bilionária para a indústria farmacêutica brasileira foi discutido no Recife, neste final de semana, na 1ª Jornada Regional da Cannabis Medicinal Norte-Nordeste (JRCMed).

Cannabis
Cannabis medicinal/ Imagem de Julia Teichmann por Pixabay

O evento, realizado no Mar Hotel (zona sul da capital) reuniu em torno de 150 profissionais das áreas de saúde e jurídica, incluindo integrantes da Comissão de Direito da Cannabis Medicinal da Ordem dos Advogados do Brasil, em Pernambuco (CDCM/OAB-PE).

Recife foi a cidade escolhida no Nordeste por abrigar um dos principais polos médicos do país. Além disso, a cidade é um centro de referência em pesquisas, incluindo na área de cannabis medicinal, por meio de um projeto da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) em parceria com o Lafepe.

Essa jornada é o primeiro recorte regional da Conferência Internacional da Cannabis Medicinal (CICMed), realizada em São Paulo, em 2022, e, em 2023, tem como objetivo desmistificar o uso da planta.

Brasil está 20 anos atrasado

Coordenador geral do evento, o advogado pernambucano Breno Luz ressalta que, apesar de alguns avanços do setor, o Brasil está 20 anos atrasado nesse tema em relação a países como os Estados Unidos, Canadá, Portugal, Espanha, Suíça, Alemanha e Israel.

“Hoje, nós temos mais de 20 estados já legislando em favor da utilização da cannabis medicinal e ao pagamento do tratamento através do SUS, mas ainda há muito a ser enfentado”, analisa.

“É preciso trazer mais informação técnica e científica para os médicos e garantir segurança jurídica aos pacientes e aos profissionais de saúde”, adverte o advogado, que também é sócio fundador da Eventmed, empresa de eventos científicos nichada no segmento de cannabis medicinal e que atua em toda a América Latina.

Legislação e preconceito

Conhecida popularmente como maconha, a cannabis enfrenta problemas legais e muito preconceito. Destravar o debate sobre o uso medicinal da planta na área da justiça é exatamente o trabalho da CDCM. Criada este ano, a comissão assessora pacientes e profissionais de saúde na luta contra as barreiras ao uso do canabidiol e se esforça para derrubar as restrições da legislação.

“É essencial que o acesso ao conhecimento e à informação sobre a cannabis sejam ampliados no meio jurídico em favor de salvar vidas”, diz o secretário-geral do colegiado, Robson Freire.

Já na área dos costumes, o desafio das entidades que atuam nesse campo é mudar a visão de uma parte da sociedade, que enxerga a cannabis apenas como uma droga ilícita.

Trata-se de uma percepção desconectada da realidade atual. A planta, além de ser considerada uma farmácia completa pelas diversas possibilidades de aplicações na indústria de medicamentos, já é utilizada em 25 medicamentos disponíveis em farmácias privadas e na rede do SUS.

Professor de Medicina da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), Hélio Mororó – um dos organizadores da jornada – defende que é preciso esclarecer a sociedade sobre as propriedades da cannabis para tratar “desde dores intensas em quem sofre de câncer até doenças como alzheimer, parkinson, epilepsia e fibromialgia”.

“Os derivados da cannabis também são utilizados no tratamento de doenças autoimunes e do transtorno do espectro autista”, acrescenta. “Há outras aplicações em áreas como odontologia e até veterinária”, frisa.

Para o especialista, “não podemos deixar de usar um recurso natural, fitoterápico, uma ferramenta de tratamento complementar que tem ajudado milhares de pessoas, em todo o mundo, a enfrentar doenças”.

Hélio Mororó destaca ainda a necessidade de um trabalho de conscientização junto à própria comunidade médica. “Apesar dos avanços, a maior parte dos profissionais no campo da saúde desconhece os benefícios do canabidiol”, alerta.

Nesse panorama, considerando todas os fatores desfavoráveis, pacientes são prejudicados, médicos estão desinformados sobre produtos que contribuiriam para o tratamento de várias doenças e o SUS paga mais caro do que poderia pela cannabis medicinal. Os laboratórios brasileiros, por suas vez, simplesmente deixam de ganhar dinheiro ao não poder atender a uma necessidade da sociedade.

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