O efeito de três meses de queda consecutiva no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial, vem sendo observado com cautela por economistas. Todos concordam que a inflação foi pressionada para baixo pela redução no preço da energia e dos combustíveis, principalmente da gasolina, mas há um consenso de que a deflação não prossegue.
O Boletim Focus, publicado semanalmente pelo Banco Central, trouxe essa sinalização na edição divulgada na última segunda-feira (10). A previsão é de níveis elevados para a Selic no primeiro semestre do próximo ano. A taxa está em 13,75% ao ano e só deve cair para 11,25% no final de 2023.
É um sinal de que o mercado espera inflação elevada ao longo de 2023, já que, para conter a inflação, o BC sobe a taxa de juros para reduzir o consumo. Já para 2024 e 2025, a previsão é de Selic em 8% ao ano e 7,75% ao ano, respectivamente.
Para Raone Costa, economista chefe da Alphatree Capital, é uma deflação muito concentrada em alguns setores: “Na gasolina, energia e comunicação, e agora jogando mais um grupo para baixo, que é o de alimentos. Nesta parte, carne e leite, seriam os grandes responsáveis, principalmente o leite”, pontua.
Raone ressalta, que no resto, na parte de bens industriais e de serviços, há pouco sinal de mudança inflacionária. “E dificilmente vamos continuar vendo tantas quedas na gasolina. Assim a deflação está com dias contados e não deve ocorrer nos próximos meses”.
André Morais, presidente do Conselho Regional de Economia-PE, é um dos que entendem que a inflação está caindo de forma artificial, ancorada na redução da cobrança do ICMS. “Para reduzir os preços dos combustíveis foi preciso que os estados reduzissem o valor cobrado pelo ICMS. O preço real não caiu. E isso não se sustenta. Isso é uma estratégia eleitoral”, define. “Estamos mexendo muito na parte fiscal e puxando o crescimento que seria do próximo ano, para este”, alerta
Interesses preservados
“Vimos medida igual no governo Dilma. Mas lá atrás, houve redução no lucro. Desta vez, o interesse dos acionistas foi preservado e se mexeu na arrecadação”, analisa o economista Rodolfo Guimarães, do Condepe-Fidem.
“Uma mesma política, a princípio, com efeitos diferentes”, ressalta. Para Guimarães a medida não vai sustentar a deflação por muito tempo. Mas vai sustentar uma tese: “A tese de que era o ICMS que mantinha os preços dos combustíveis elevados”.
Daniel Lins, da VLGI Asset, espera nova alta nos preços dos combustíveis nos próximos meses, com a chegada do inverno na Europa em meio à crise energética que o continente enfrenta devido à guerra na Ucrânia.
“O preço do petróleo deve subir entre dezembro e janeiro. E o Banco Central já sinaliza que no começo do ano pode elevar a Selic em 0,25% para conter o repique da inflação”, analisa.
Lins está um pouco mais otimista que os demais. Ele percebe que as cadeias produtivas começam a se regularizar globalmente e isso terá impacto positivo nos preços da economia. “Há uma oferta maior de produtos, como os chips para automóveis, por exemplo, e isso ajuda no equilíbrio dos preços”.
Efeito em cadeia
Paulo Guimarães, economista do Ceplan Consultoria, diverge sobre as cadeias produtivas. Sediado em Portugal, ele prevê a persistência da desorganização das redes de suprimento e um cenário internacional recessivo. “Tudo isso traz instabilidade”, reflete.
O economista diz que o Brasil terá aumento de inflação porque está sujeito ao cenário internacional. “Há instabilidade global, com acirramento do conflito na Ucrânia. O preço dos combustíveis vai aumentar e isso será um efeito em cadeira”, analisa.
Por isso, na opinião dele, queda na taxa Selic só deve ocorrer mesmo no segundo semestre de 2023. “Assim, portanto, o IPCA ainda vai permanecer acima de 5%. Talvez não seja o processo inflacionário de 2021 e 2022, deve ser mais brando, mas não arrefece no primeiro semestre”.
Tem limite
Para o economista da Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco (FIEPE), Cezar Andrade, se não houvesse a lei de redução do ICMS e o preço dos combustíveis tivesse permanecido estável, o país não teria tido deflação neste período.
“Só a gasolina acumula uma queda no preço de mais de 31% nos últimos três meses. E essa redução é uma política emergencial e de curto prazo, já que apenas os sucessivos aumentos da taxa Selic não vinham sendo suficientes para se reduzir a inflação. Por tanto, não deve se sustentar por muito tempo”, concorda.
O economista diz que a política fiscal tem um limite. “Chegará um momento em que não será mais possível reduzir essa tributação. Se chegar a situação de zerar o ICMS desses setores, o preço ainda pode sofrer influência da alta do petróleo, que voltou a crescer com a persistência da guerra na Ucrânia e, a partir daí, a redução dos preços só seria possível com o subsídio do governo”.
Preços ao consumidor
O consumidor não sente o reflexo da deflação nos preços porque os adubos e fertilizantes, com custo muito elevados, afetam toda a cadeia de alimentos do país, interferindo no preço final. “Alinhado a isso, ainda temos a desvalorização do câmbio que encarece todos os produtos importados pelo nosso país”, diz Andrade
O dólar alto também contribui para elevar preços de produtos vendidos em supermercados. A soja e o café, são commodities que têm sido bastante exportadas, porque é mais vantajoso vender no mercado internacional do que no nacional e isso leva à escassez de produtos, mantendo elevados os preços do óleo de soja e do café, por exemplo.
“Além disso, a grande questão é que a pressão inflacionária, segue espalhada por parte dos preços da economia. Alguns produtos que têm o peso maior para o cálculo tiveram queda nos preços (gasolina e energia), no entanto, os outros permanecem com o preço alto ou ainda aumentando. O que explica, por sua vez, consumidores não sentirem tanto assim a deflação que já vem ocorrendo há três meses”, explica Andrade.
Inflação nos EUA
“O IPCA em queda por três meses, para o Brasil, acaba sendo um bom indicador. Estamos vendo o mercado com aversão muito forte ao risco e na expectativa do anúncio dos índices de inflação nos Estados Unidos, nesta quinta-feira (13), que devem vir acima do esperado e pressionar os juros para cima no mercado americano”, diz Fabrizio Velloni, economista chefe da Frente Corretora.
Para ele, em comparação a outros países que estão tentando reduzir a inflação sem sucesso, com curva ascendente de juros, o Brasil demonstra inflação sob controle com algum crescimento já esperado.
“E assim que sair essa pressão eleitoral, o Brasil, demostrando queda de inflação expressiva e contínua, vai poder atrair capital e mudar o cenário, principalmente do dólar. Mas ainda vamos ver muita volatilidade, com alta de preços de commodities e petróleo”.