Na última sexta-feira (2), fez um ano que o governo de Pernambuco anunciou que a empresa de mineração Bemisa teria interesse em assumir o ramal ferroviário que ligaria a cidade de Curral Novo, no Sul do Piauí, até o Porto de Suape, em Pernambuco, o que seria a Ferrovia dos Sertões, inicialmente chamada de Transertaneja. Mas, até hoje não se tem qualquer detalhe do empreendimento e não se sabe se estão ocorrendo negociações entre os dois grupos – a Bemisa, que tem interesse no empreendimento, e a TLSA, que tem uma concessão para operar os trens no Nordeste.
A TLSA chegou a construir trechos em Pernambuco da Ferrovia Transnordestina, cujo traçado começava em Eliseu Martins, também no Sul do Piauí, indo até Salgueiro (PE) e, lá, se dividindo em dois ramais, um para o Porto de Suape, em Pernambuco, e outro para o Porto de Pecém, no Ceará.
Em nota, a Bemisa informou que vai construir uma “nova ferrovia”, o que indica que não está conseguindo avançar nas conversas com a empresa TLSA, do empresário Benjamin Steinbruck, para utilizar uma parte do que já foi construído. Ou seja, nasce mais um grande imbróglio no caminho da ferrovia que, um dia, espera-se chegar ao Porto de Suape. Ao que parece, talvez, seja implantada uma “nova ferrovia” próxima aos trechos da outra inacabada.
“Tudo pode acontecer, principalmente aqui. Mas não se sabe de lugar nenhum do mundo, onde tenham sido implantadas duas linhas férreas próximas, principalmente com pouca carga”, critica o presidente da Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco (Fiepe), Ricardo Essinger. Há seis anos, ele já dizia, publicamente, que só avançariam os trilhos da Transnordestina referentes ao trecho cearense do empreendimento – que sai de Salgueiro e vai até o Porto de Pecém, na Grande Fortaleza-, por falta de interesse da TLSA em implantar o trecho pernambucano.
A Ferrovia Transnordestina recebeu R$ 6,4 bilhões e cerca de 80% desses recursos foram públicos. Foram implantados cerca de 600 km de trilhos entre os Estados de Pernambuco, Piauí e Ceará. A competência sobre ferrovias que cortam vários Estados é do governo federal. Ao ser questionado pela reportagem do Movimento Econômico, o Ministério da Infraestrutura respondeu que “quanto à eventual negociação entre Bemisa e Transnordestina Logística S.A. (TLSA) é importante destacar que o traçado geométrico da Estrada de Ferro do Sertão e as obras da TLSA são projetos independentes, de forma que não há necessariamente obrigação de negociação entre as empresas. Além disso, embora sejam muito similares em termos de localização, são projetos que se encontram sob regimes jurídicos distintos, nesse sentido, as obras da ferrovia da Bemisa, sob o regime de autorização, não estão submetidas ao rigor de uma concessão contratada com a administração pública”.
Ou seja, o governo federal não vai obrigar a TLSA a fazer um acordo com a Bemisa, por, vários motivos, incluindo porque a primeira tem uma concessão e a segunda uma autorização. A concessão para explorar os trens no Nordeste foi dada, pelo governo federal, à antiga Companhia Ferroviária do Nordeste (CFN) numa concorrência realizada em 1997. Depois disso, a CFN criou a TLSA para, entre outras coisas, receber os recursos públicos destinados à Transnordestina. A empresa não cumpriu as metas de concessão, teve o seu contrato de concessão prorrogado pelo governo federal, abandonou as linhas férreas existentes entre Sergipe e Rio Grande do Norte e ficou por isso mesmo. As obras da Transnordestina foram iniciadas pela TLSA em 2006 e até hoje estão inacabadas.
Com o objetivo de estimular novos investimentos em ferrovia, a atual gestão do governo federal fez uma Medida Provisória permitindo que novos trechos ferroviários fossem implantados com uma autorização. A autorização para a Bemisa construir a Ferrovia do Sertão foi publicada no Diário Oficial da União em 22 de dezembro do ano passado. Procurada pela reportagem do ME, a Planalto Piauí, empresa do Grupo Bemisa, informou que “assinou em dezembro de 2021 com o Ministério da Infraestrutura contrato para avaliação do desenvolvimento da Ferrovia dos Sertões (EF 233), conectando Ipojuca (PE) a Curral Novo (PI)” e que “está convencida de que a nova ferrovia vai promover o desenvolvimento sustentável na região compreendida entre os estados de Pernambuco e Piauí”.
O que seria mais lógico, segundo Ricardo Essinger, seria concluir a parte que já está feita em Pernambuco e ambas as empresas utilizarem de forma compartilhada a parte comum. Ele se refere ao trecho que vai do Sul do Piauí até a cidade de Salgueiro. Depois desta cidade, a antiga Transnordestina era dividida em dois ramais, um seguindo para Pecém e outro, que deveria chegar em Suape. “Não temos conhecimento do que está ocorrendo em Pernambuco com relação à implantação da ferrovia. O que sabemos é que o Tribunal de Contas da União (TCU) destravou os recursos da Transnordestina e as obras estão avançando na direção de Pecém”, resume o presidente da Fiepe.
O governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), disse que o projeto com a Bemisa estava “andando bem”, mas como toda operação com empresa privada há sigilo e regras de confidencialidade. “O que nos comprometemos a fazer com relação à Ilha de Cocaia, fizemos. A empresa está fazendo os projetos. E a nossa expectativa é que ainda em 2022, ocorra um anúncio do calendário dessa obra”, comentou o governador na quinta-feira (1º), numa entrevista coletiva, depois do anúncio da implantação de um segundo terminal de contêineres no Porto de Suape.
Localizada no Porto de Suape, a Ilha de Cocaia é o local onde a Bemisa pretende implantar um terminal de uso privativo de minério de ferro. Para isso, a ilha tinha que sair da poligonal do porto organizado de Suape, onde não é possível instalar um terminal privativo. Há cerca de dois meses, o governo federal liberou a Ilha de Cocaia para ser explorada de forma privada por uma empresa.
Um pouco de uma história que se arrasta desde 2006…
A chegada da Bemisa para concluir o ramal pernambucano da ferrovia seria a forma de Pernambuco não ficar sem um ramal ferroviário, ligando o litoral ao Sertão depois que a própria TLSA informou não ser viável o trecho pernambucano da Transnordestina o que ocorreu em meados de 2021. “O governo do Estado deveria colocar essa obra como prioritária para Pernambuco. É um empreendimento que vai ajudar em tudo. E poderia trazer até a possibilidade de transportar pessoas, porque é outro conforto, menos acidentes e menos exposição à violência”, afirma Essinger. Uma ferrovia traz desenvolvimento a todo o entorno. Por exemplo, pra sair do Sertão e chegar ao litoral, a ferrovia vai passar pelo Agreste, que concentra a produção de frangos. Hoje, o setor avícola traz o milho – um dos seus principais insumos – de caminhão, que é mais caro do que o serviço prestado por uma ferrovia. A ferrovia também beneficiaria o polo de fruticultura do Vale do São Francisco, o gesso produzido no Araripe, entre outros.
Nos bastidores do governo do Estado, dizem que será uma longa negociação para definir como será o uso do que do que já foi construído pela TLSA. Será necessário um investimento de R$ 5,7 bilhões para concluir o trecho pernambucano da ferrovia no traçado da antiga Transnordestina, segundo estimativas feitas por técnicos.
Procurada pela reportagem do ME, a assessoria de imprensa da ANTT não enviou as informações pedidas, respondendo, em nota, apenas o seguinte texto: “Em razão do Acórdão nº 1708/2022 – TCU – Plenário, o qual determina, em seu item 9.3 que ‘a ANTT pactue com a TLSA um novo cronograma para realização das obras, prevendo a eventual retomada de aportes públicos, com a definição de prazos e de sanções, no caso de descumprimento dos termos pactuados’, e considerando que o referido Acórdão estabeleceu o prazo de 120 dias para essa pactuação junto à Concessionária, no momento a Agência está em tratativas com a TLSA visando à definição dos novos prazos para conclusão das obras da ferrovia“. Conclusão: para a ANTT existe apenas a Transnordestina que atualmente faz somente o trecho que segue para o Ceará.
Ainda de acordo com informações do Ministério da Infraestrutura, “não houve perda do trecho pernambucano na concessão da TLSA. O contrato assinado em 2014 segue válido e permanecem vigentes as obrigações lá pactuadas, entre elas, a construção da ferrovia até o Porto de Suape”. O MInfra contratou uma empresa de consultoria, por intermédio da Valec, para buscar soluções para o empreendimento e realizar análises de viabilidade do negócio. E continua: “Após análise dos resultados apresentados pela consultoria, o MInfra estuda de forma mais aprofundada uma das alternativas propostas, de maior potencial ao interesse público fundamentais para a tomada de decisão em questões relativas à possibilidade de repactuação contratual de prazos e traçados, processo que se encontra atualmente em curso”.