Por Patrícia Raposo
Na última quinta-feira (10), o Complexo Portuário de Suape lançou seu Projeto Carbono Neutro para combater o efeito estufa e levar energia limpa a todas as suas áreas, inclusive a navios atracados no porto. Mas a gestão do porto quer dar um passo mais avançado na sustentabilidade e criar sua própria moeda, com a qual vai remunerar atividades alinhadas à sua política verde e, possivelmente, transformá-la mais adiante num criptoativo, atraindo investidores.
O projeto de Suape é robusto. Dois contratos vão gerar inventários distintos. Um será voltado ao Compliance Climático, prevendo a mensuração da emissão de gases de efeito estufa nos oito municípios do território estratégico de Suape , das empresas e dos veículos que circulam na área. O outro, vai quantificar o estoque de carbono na Zona de Preservação Ecológica. Os trabalhos ficarão sob responsabilidade da Associação Plantas do Nordeste e do Consórcio Way Carbon.
“Vamos levantar aquilo que temos de efetivo de carbono e saber quanto temos de crédito ou de débito, para venda ou compra, e assim criar um novo mercado no estado de Pernambuco e região. Essa é uma iniciativa que Suape puxa e tenho certeza que as empresa de Suape vão tomar a mesma inciativa para criamos esse mercado”, disse o presidente do porto pernambucano, Roberto Gusmão.
Para desenvolver esse mercado e chegar à sua moeda local, Suape precisa criar as bases que lhe darão sustentação. E esta se enquadra numa nova realidade econômica, na qual a consciência coletiva de uma empresa para fatores sociais e ambientais ganha muita relevância, o que pode ser traduzido pela sigla ESG, a grande tendência mundial.
“Uma árvore ao ser plantada começa a sequestrar carbono e, na medida em que envelhece, vai transformando-o em biomassa que se incorpora à natureza, devido à matéria em decomposição oriunda dos produtos madeireiros. Precisamos saber quanto carbono nossas matas sequestram”, revela Carlos Cavalcanti, diretor de Sustentabilidade de Suape.
Além de conhecer o quantitativo de seu estoque de carbono, Suape precisa saber quanto cada uma das 150 empresas instaladas na sua área emitem de poluentes. Ao fazer o cruzamento de informações, a gestão do complexo poderá oferecer créditos de carbono para que suas empresas sejam certificadas e assim possam neutralizar suas emissões até que façam todos os ajustes necessário para zera-las.
É aí que entra a moeda local. “O compliance climático é algo que já está entrando na contabilidade das empresas, que se verão obrigadas a baixar suas emissões de carbono para fazer negócios dentro da lógica ESG. E enquanto não tiverem se adequado aos protocolos e processos para zerar suas emissões, terão que comprar créditos e isso pode ser feito com uma moeda local”, explica o diretor de Sustentabilidade.
E a moeda verde chegará às comunidades porque a intenção da administração portuária é criar um incentivo financeiro para os habitantes da região. “O plano diretor de Suape não contemplava moradores no complexo, mas eles existem e precisamos considerá-los. Nossa intenção é remunerar essas pessoas por suas práticas de preservação ambiental”, explica Cavalcanti.
Ele afirma que a moeda de Suape será homologada pelo Banco Central e será transacionada obedecendo às normas do Protocolo de Kyoto. “Isso ajuda a equalizar a economia para baixar a pegada de carbono”, diz Cavalcanti.
Novo Plano Diretor
Recentemente, Suape deu início à revisão de seu Plano Diretor, que passará a considerar todas essas variáveis, inclusive o capital humano. O plano será elaborado por um consórcio formado pelas empresas TPF e Ceplan Consultoria. A ideia é que as pessoas remuneradas com a moeda local a utilizem para gerar riqueza interna em suas comunidades.
O modelo se baseia nas experiências exitosas de Alagoas e Ceará. O projeto mais antigo é o da comunidade do Conjunto Palmeiras, em Fortaleza. Ali foi criada, há cerca de duas décadas, a moeda palma. Em Alagoas o projeto envolve marisqueiras na lagoa do Mundaú, em Maceió.
A moeda palma surgiu quando a comunidade percebeu que o consumo de todos os moradores do bairro chegava a R$ 1,3 milhão por mês. E mesmo assim, eles eram pobres. Mas na verdade, não eram. O problema estava no fato de que tudo que se comprava vinha de fora e até o corte de cabelo era feito fora do bairro. Isso fazia com que o dinheiro saísse da comunidade, nada ficava. A criação da moeda palma mudou essa realidade e fez surgir até um banco.
Em Alagoas, o projeto “Maceió Inclusiva Através da Economia Circular”, criou a moeda social para ser usada na economia circular da comunidade das marisqueiras da Lagoa do Mundaú. Dentro da logica circular, tudo que é transacionado usa a moeda social.
Criptoativo como objetivo
Mas a moeda de Suape pode ir bem mais além. Ela tende a ser digital e sendo digital pode vir a se tornar uma criptomoeda. Muitas criptomoedas surgiram como solução a uma demanda específica e se valorizaram diante de sua função. Como a moeda em questão vai se desenvolver num ambiente de grandes e arrojadas empresas, ela tem potencial para atrair investidores.
Isso pode se tornar realidade muito antes do que se imagina. “Os inventários assinados por Suape darão a base para criar o modelo de transações”, vibra Cavalcanti. Mas ele ressalta: “Para que essa moeda seja longeva, é preciso que se torne um projeto de estado, não de governo, como é hoje o próprio Complexo Portuário de Suape”.
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