No último final de semana, Pernambuco iniciou um novo capítulo na sua história de ciência, tecnologia e inovação. O estado, que já era considerado um dos maiores hubs desse tipo de produção no país, tornou-se também palco do debate sobre regulamentação, limites e potencialidades da maior incógnita do ano. Dos dias 5 a 8 de setembro, o 2º Fórum do Marco Regulatório da Inteligência Artificial reuniu especialistas, estudantes e entusiastas do assunto na Arena de Pernambuco, em São Lourenço da Mata.
O congresso foi uma das atrações da Campus Party, que retornou ao estado após um hiato de oito anos. A edição Nordeste recebeu o segundo evento no país relacionado ao debate sobre o Projeto de Lei (PL) 2.338/2023, que, nas palavras do Senado, “dispõe sobre o uso da Inteligência Artificial” no Brasil.
No que chamou de “palestra mais importante” sobre o assunto na CP Nordeste, o presidente do Instituto Campus Party, Francesco Farruggia, convidou ao palco Code The Future Ricardo Cappra, pesquisador referência em IA e análise de dados; Luís Fernando Silva, diretor-gerente da Accenture na América Latina; e, Germano Vasconcelos, professor do Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco (CIn-UFPE) e fundador da Neurotech (recentemente adquirida pela B3 por R$ 1,1 bilhão).
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Para Germano, “quem desenvolve (essas tecnologias), precisa participar” da construção da lei, já que ajudará na concepção de “algo bom e factível” para todos os entes envolvidos, isto é, empresas, governo e população. Mas questionada sobre quem leu o PL, a plateia foi tímida. De um grupo de quase 100 pessoas, apenas seis levantaram as mãos.
O número cresceu consideravelmente quando a pergunta foi se eles achavam que os políticos conheciam de IA o bastante para elaborarem a regularização e foi quase unânime sobre a necessidade da participação da sociedade civil na contribuição da construção da legislação.
Cappra chama o PL brasileiro de “cópia do que foi feito pela União Europeia”. “As regras europeias são boas para eles, mas são para o resto do mundo?”, enfatizou ao ser questionado sobre o plano nacional de inteligência artificial. Em entrevista exclusiva ao Movimento Econômico, o especialista apontou o porquê da necessidade da saída do debate dos centros de poder fazendo uma correlação com o bloqueio do X (antigo Twitter) no Brasil.
“Eu sou contra que a informação não circule porque não gera aprendizado e limita as pessoas. Isso de trazer o debate do Fórum da IA para a região, para Pernambuco permite que vocês participem democraticamente dos debates, criem seus pontos e coloquem numa única plataforma. É uma maneira de vocês, da região, do país, participarem de um debate que hoje tá centralizado em Brasília, então que bom que a gente tá conseguindo expandir isso para outras regiões.”
Regularização
Mas a expansão do debate deve ser tão rápida quanto a sua regularização. A falta de celeridade no processo foi lembrada por Luís Fernando, que apontou que “no dia seguinte ao que a lei entrar em vigor”, “será necessário debatê-la novamente”, exatamente devido à atualização constante do tema.
“Eles (os políticos) não sabem do que estão falando e vão opinar em algo que vai afetar nosso dia a dia”, também ponderou Luís Fernando sobre o desconhecimento técnico daqueles que estão à frente da elaboração do plano, visto como impreciso por Germano.
“O projeto é generalista. É vago e não estabelece nenhuma meta”. A ausência de estratégia no país se converte, segundo ele, na inexistência de brasileiros na lista das 100 pessoas mais influentes no setor da inteligência artificial, divulgada pela Revista Time na última quinta-feira (05). Para o diretor, o Brasil está “fora do mapa” da IA no mundo.
Transição energética e IA
O debate sobre o marco regulatório da inteligência artificial não se restringe apenas a essa ferramenta. Cappra chamou atenção sobre a quantidade de energia consumida pelos datacenters utilizados para o processamento dos dados.
De maneira mais prática, quando um usuário faz uma pergunta ao ChatGPT, por exemplo, este input é processado em algum computador da OpenAI. E por utilizar muito recursos computacionais para gerar a resposta desejada, é uma atividade que consome muita energia — potencializada com milhões de pessoas ao redor do mundo fazendo isso diariamente.
Por isso, mesmo que o Brasil produza 90% da energia limpa do mundo, o país ainda pagará caro para utilizar a inteligência artificial, já que venderá a matéria-prima, mas precisará comprar o produto final.
Campus Party e marcos regulatórios
Não é a primeira vez que a Campus Party Brasil promove debates civis. O Fórum do Marco Regulatório da Inteligência Artificial partiu de uma bem-sucedida experiência anterior. O objetivo da CPBR é liderar o diálogo global sobre o futuro da IA, assim como feito com o Marco Civil da Internet, que se tornou lei no país.
O Fórum do Marco Regulatório da IA reuniu especialistas de diversas áreas e da sociedade civil para debater os desafios e oportunidades da inteligência artificial, buscando construir um futuro onde a tecnologia seja utilizada de forma ética e responsável em benefício de toda a sociedade.
O Instituto Campus Party incentiva a participação da sociedade civil no debate através da consulta pública O que o Brasil quer da Inteligência Artificial?
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