Não se pode desenvolver novas tecnologias sem pensar qual será o destino desses materiais após a vida útil. O alerta da pesquisadora e professora Beatriz Luz, que é presidente do Instituto Brasileiro de Economia Circular (Ibec), reforça uma preocupação que deve ser tema da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), em novembro do ano que vem.
Na semana passada, durante o festival de tecnologia REC’n’Play, no Recife, a pesquisadora organizou o Brazilian Circular Hotspot, que chamou a atenção para a lógica da reciclagem: “a mensagem da circularidade é que não se pode desenvolver também novas tecnologias sem pensar no que acontece depois com os materiais”.
Como exemplo, ela cita paredes eólicas e painéis solares, que são considerados geradores de energia limpa, mas que exigem um planejamento para após a vida útil dessas tecnologias: “A nossa proposta é promover esse olhar amplo, mostrar para as pessoas que tudo está integrado”.
Para ela, o tema da economia circular pode alavancar as discussões sobre o combate às mudanças climáticas. Ela avalia que ações para reutilizar, recuperar e reciclar materiais e energia devem pautar as discussões de forma urgente. “Essa é uma estratégia para a regeneração do planeta, a proteção da biodiversidade e a redução da poluição e dos resíduos”, explica.
Usinas eólicas e centrais solares
O Brasil se consolidou como líder mundial em geração de energia renovável batendo mais um novo recorde em 2024. Entre janeiro e outubro deste ano, a potência fiscalizada no país ultrapassou 9,3 (GW), de acordo com dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Só em outubro o país registrou um crescimento de 1,5 GW na matriz elétrica brasileira. O salto do mês foi impulsionado principalmente pela entrada em operação de 39 novas usinas, maioria solar e eólica.
“Este é um marco histórico para o setor energético brasileiro. A expansão da matriz elétrica, com destaque para as fontes solar e eólica, demonstra o compromisso do nosso país com a transição energética e a sustentabilidade”, celebrou o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.
Ainda em outubro, a potência instalada no país ultrapassou 207 gigawatts (GW) no acumulado do ano, com um total de 256 novas usinas em 16 estados nas cinco regiões do país, de acordo com dados da Aneel, com destaque para Minas Gerais (2239,34 MW), Bahia (2.171,00 MW) e Rio Grande do Norte (1.775,85 MW).
A expansão da geração de energia renovável é estratégica para garantir maior segurança energética e preços mais competitivos para os consumidores. Para o ministro de Minas e Energia, os resultados alcançados também reafirmam o compromisso do Brasil com o desenvolvimento sustentável e a transição para uma economia de baixo carbono. “A diversificação da matriz energética é fundamental para garantir a segurança energética do país e reduzir nossa dependência de fontes fósseis”, finalizou.
Modelo mental
A transição para a economia circular, segundo Beatriz Luz, requer uma mudança no “modelo mental”, na forma de produzir e de consumir, incluindo o modo como a sociedade se relaciona com produtos e serviços.
“É importante ter o engajamento do poder público criando diretrizes favoráveis a esse novo modelo de negócio, com incentivos para produtos circulares”.
Além disso, ela defende a necessidade de a indústria se engajar e perceber as possibilidades e oportunidades de trabalhar com diferentes materiais recicláveis. A pesquisadora explica que o tema virou lei em países europeus, onde os produtores de energia têm de se responsabilizar por todos esses equipamentos necessários para distribuir essa energia renovável.
“Se não for assim, a gente vai mudar um problema de um lugar para o outro. A gente vai eliminar o problema do combustível fóssil e gerar outro problema”.
Financiamento
O economista ambiental alemão Arno Behrens, do Banco Mundial, também participou do evento de tecnologia e defendeu a necessidade de financiamento dos bancos multilaterais para ações de circularidade.
“Não faz sentido que o tema das mudanças climáticas esteja na mente de todos, mas o da economia circular nem tanto”.
Ele defendeu que políticas de economia circular são essenciais para atingir metas climáticas. “Elas podem contribuir para reduções adicionais das emissões de CO₂ provenientes da queima de combustíveis fósseis em mais de 7% até 2030”, disse.
Holofote para a região
Outro especialista estrangeiro em economia circular e sustentabilidade, o finlandês Kari Herlevi disse que o Brasil deve servir como um “holofote para as demais nações da região, para destacar o poder da inovação local”.
Ele avaliou que o evento no Recife também reforçou a preparação para a COP30, em Belém, no ano que vem.
“O Brazilian Circular Hotspot surge como um ponto estratégico de inovação e sustentabilidade, destacando as soluções brasileiras e tropicais que podem inspirar o mundo”.
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