Energia solar no Brasil se aproxima de 20% da matriz e briga com eólica

Nesta 2ª reportagem da série sobre crise nas eólicas mostramos porque a energia solar no Brasil, que deveria ser uma solução, se tornou um problema
Energia solar no Brasil: Minas Gerais tem o maior empreendimento em operação no país
Complexo Jarnaúba (MG), maior empreendimento de energia solar no Brasil, gera eletricidade suficiente para 1,8 milhão de residências/Foto: Elera Renováveis (Divulgação)

Quando o governo brasileiro, em meio à crise do apagão dos anos 2000, decidiu estrategicamente implementar uma política de diversificação da matriz energética, o objetivo era tirar o país da dependência das hidrelétricas, de forma a ter um mix que garantisse mais segurança no abastecimento de eletricidade. Mas não se previu que a energia solar no Brasil poderia se tornar um problema.

O conceito, baseado na complementaridade, era similar ao adotado nos países da União Europeia. Ao longo do tempo, com o avanço da agenda global para reversão do aquecimento global, as fontes limpas – como eólica, fotovoltáica e de biomassa – ganharam, progressivamente, um destaque cada vez maior no modelo e no mercado brasileiro.

Também seguindo uma tendência semelhante à da Europa, a geração solar distribuída ganhou tração, especialmente a partir dos anos 2010. Essa modalidade permite que residências, comércios, indústrias, propriedades rurais e prédios públicos produzam a sua própria eletricidade. O crescimento acelerou ainda mais a partir de 2022, quando foi sancionado o marco legal da microgeração e minigeração distribuída, o Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE) e o Programa de Energia Renovável Social (PERS).

Os objetivos desse arcabouço eram louváveis: incentivar a descarbonização e “democratizar” a produção de energia, levando outras alternativas de geração à matriz elétrica brasileira, baseada fortemente na geração hidrelétrica.

Dois anos depois da implementação desses instrumentos, a fonte solar ultrapassou, em maio passado, a marca de 43 gigawatts (GW) de potência instalada no mercado nacional, de acordo com a Associação Brasileira de Energia Fotovoltaica (Absolar). O número corresponde a 18,2% ou quase 1/5 de toda a matriz energética do país. Essa ordem de grandeza considera tanto a geração centralizada (ou seja, as grandes usinas), quanto a distribuída.

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A entidade, claro, comemora o avanço da energia solar no Brasil e apresenta números dignos de celebração. Os novos investimentos no setor – contabiliza a associação – totalizam R$ 202 bilhões, os emprego nas plantas em operação chegam a 1,3 milhão, a arrecadação de impostos atinge R$ 62 bilhões (de 2012 a 2024) e a redução na emissão de dióxido de carbono (CO2) bate na casa dos 52 milhões de toneladas de CO2.

Nesse cenário de um dia ensolarado de verão, o setor cresce na velocidade da luz. Para se ter ideia do ritmo de expansão, de janeiro a maio deste ano, essa fonte adicionou 6 GW ao parque energético nacional, quando somados os grandes complexos solares e os sistemas de geração própria de energia em telhados, fachadas e solo.

Ao analisar esse panorama, o CEO da Absolar, Rodrigo Sauaia, afirma que “o protagonismo da da energia solar no Brasil, na transição energética, contribui fortemente para o desenvolvimento social, econômico e ambiental, em todas as esferas da sociedade”.

Ele pontua que “além de acelerar a descarbonização das atividades econômicas e ajudar no combate ao aquecimento global, a fonte solar tem papel cada vez mais estratégico para a competitividade dos setores produtivos, alívio no orçamento familiar, independência energética e prosperidade das nações”.  

GD é 68% da energia solar no Brasil

Os ganhos de sustentabilidade, econômicos e sociais produzidos pela energia solar no Brasil são inegáveis. Assim como os seus impactos negativos, advindos, entre outras questões, da concorrência com a geração eólica. O que deveria ser complementaridade virou uma competição que esta abalando os negócios das indústrias de equipamentos solares.

Já são mais de 2,5 mil desempregados nas plantas de aerogeradores, torres, pás e outros componentes. A maior parte dos demitidos está no Nordeste. O motivo desses cortes é simples. Sem encomendas há dois anos – e sem expectativa de novos contratos – os fabricantes estão paralisando a produção e dispensando a mão de obra.

Um dos principais fatores que contribui para essa crise é a crescente importação de painéis solares chineses, a preços cada vez mais baixos. Esse movimento tem estimulado uma expansão desenfreada e predatória da geração distribuída.

A GD, aliás, é a maior força da energia solar no Brasil. Sua potência total instalada no mercado brasileiro chega a 29,2 GW, 68% de tudo o que o setor fotovoltáico é capaz de produzir no país. Considerando que 1 GW abastece em torno de 500 mil clientes, temos então, por baixo, o equivalente a 14 milhões de unidades consumidoras atendidas pela geração distribuída.

Em alta: energia solar no Brasil se aproxima de 1/5 da matriz

Energia solar no Brasil já é quase 1/5 da matriz energética
Energia solar no Brasil já é quase 20% da matriz e virou um problema

MG lidera geração centralizada solar no Brasil

Energia solar no Brasil: Minas Gerais é o líder da geração centralizada (grandes usinas)
Energia solar no Brasil: MG, BA e PI formam top 3 da geração centralizada

Geração distribuída solar é mais forte em São Paulo

Energia solar no Brasil: São Paulo é o número 1 na geração distribuída
Energia solar no Brasil: SP, MG e RS tê a maior capacidade instalada de GD

Com tamanha oferta na geração distribuída, a demanda por energia eólica vem caindo, bem como os preços da eletricidade no mercado livre, onde a eletricidade eólica é comercializada.

Diante disso, as geradoras que produzem a partir dos ventos não ampliam suas unidades, nem constróem novos complexos. Essa bola de neve vai crescendo até chegar às indústrias de componentes.

Qual risco da expansão sem freios da energia solar no Brasil?

A Espanha serve de parâmetro para se entender um dos principais riscos que o Brasil corre, com a energia solar se expandindo sem freios.

Nos últimos anos, o país europeu vem se empenhando de forma exemplar à transição energética. A velocidade desse processo aumentou a partir de 2018, quando foram criados incentivos para as renováveis.

A pandemia deu ainda mais fôlego a esse boom, pois os espanhóis destinaram parte do dinheiro que tinham nos bancos – e estava parado – à instalação de painéis fotovoltáicos em seus telhados.

Essa espiral cresceu, estimulando as empresas a realizarem investimentos pesados em GD e também na área eólica. Com isso, desde 2008, a capacidade instalada do setor solar se multiplicou por oito, enquanto a eólica dobrou.

Do ponto de vista da descarbonização, o resultado foi excelente. O problema é a sustentabilidade de uma atividade econômica onde atualmente há superprodução, como o setor elétrico da Espanha. No pós-pandemia, a demanda de energia recuou no pais. Os impactos econômicos da Guerra da Ucrânia intensificaram essa retração.

O desequilíbrio entre oferta e consumo fez o preço da eletricidade desabar, afetando a sobrevivência das empresas e o setor energético como um todo. Confrontados por esse quadro, os espanhóis discutem agora como resolver essa equação.

Uma das alternativas que vem sendo debatidas é a criação de políticas públicas para acelerar a eletrificação da economia em 34% até 2030. Entre os setores que aparecem com maior potencial de contribuir para esse crescimento estão as indústrias que ainda utilizam combustíveis fósseis, juntamente com os segmentos de aquecimento, refrigeração e automotivo.

No caso da mudança de matriz no setor industrial, as chances são consideráveis. O mesmo acontece na climatização: as variações extremas de temperatura decorrentes das mudanças climáticas apontam a existência de grandes oportunidades nessa área.

No mercado automobilístico, o panorama também é animador, porém mais complexo, considerando a resistência dos consumidores a essa mudança. De 2021 a 2023, o governo espanhol destinou 800 milhões de euros (em torno de R$ 4,8 bilhões) a benefícios voltados para incentivar a compra de veículos a bateria. Mesmo assim, os carros elétricos, em 2024, não passam de 6% da frota do país até o momento.

Leia a 1ª reportagem da série:

Crise das eólicas: após 2,5 mil demissões, setor pede socorro

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