Por Leonardo Dutra* e Camila Chabar**
Para colocar ou manter um produto no mercado é preciso ir além da qualidade, eficiência ou mesmo de custo. O consumidor e, em especial, os investidores também querem saber como e onde aquela mercadoria foi produzida e os critérios adotados em toda sua cadeia de produção. Mais do que entregar o que promete ou ser um bom produto, é necessário que sua cadeia seja sustentável em todos as etapas, da captação da matéria-prima à logística reversa das embalagens no pós consumo.
Atender a boas práticas sociais, de governança e de meio ambiente, incluindo de clima, passaram a ser condição sine qua non para todo o processo de produção, independentemente em qual território está sendo executado, vendido ou comprado.
Esta exigência já vem sendo sentida há alguns anos por investidores mundialmente, como mostra a pesquisa EY Global Institutional Investor Survey. Para atender a esta demanda do mercado, que vem acompanhada também de uma necessidade por maior transparência em informações de ESG (Environmental, Social and Corporate Governance, no original em inglês) e mudança climática, a Europa, em especial, vem se preparando para orientar (e exigir) este olhar de dever compartilhado nas cadeias de produção.
O chamado “selo verde”, criado em 2020, determina se uma atividade econômica é ambientalmente sustentável. Ele é aplicado em empresas e projetos e tem o objetivo de trazer informação sobre a atividade para o cliente, investidor, além de guiar investimentos públicos europeus de acordo com as normas ESG.
Por meio dessa certificação, qualquer investidor, seja pessoa física ou jurídica, pode saber se o seu dinheiro está sendo aplicado em atividades que contribuem, de fato, com a preservação do meio ambiente ou, pelo contrário, que esteja sendo utilizado em práticas opostas à agenda de intenções para a mitigação da mudança climática.
Outra regulamentação que traz a visão de responsabilidade das empresas com sua cadeia é a norma aprovada em 2010 pelo Congresso Americano quanto aos minerais de conflitos (estanho, tungstênio, tântalo e extraídos da República Democrática do Congo e em países vizinhos, os “DRC”). A norma exige que as empresas informem à SEC (Securities and Exchange Commission, ou Comissão de Valores Mobiliários Americana) sobre o uso desses minerais em qualquer ponto de sua cadeia.
Do ‘E’, passando pelo ‘S’, ‘G’, e por informações de Clima, a cobrança é para uma visão mais ampliada da produção, e não apenas o que acontece dentro das paredes da empresa. Neste sentido, o Brasil tem boas oportunidades com o atual cenário internacional, principalmente no agronegócio. Sendo um dos grandes players mundiais no setor, o Brasil pode ocupar um papel importante no comércio internacional. O país possui a maior biodiversidade do mundo, ponto crítico não apenas para o combate à mudança climática, mas também para mantermos a alta produtividade do campo.
Além disso, temos qualificação em pesquisas de inovação ao agronegócio com a visão de ESG. O desafio agora é aplicar essas descobertas e se adaptar quanto às regras das novas exigências. Afinal, são os atores mais preparados e adaptados às novas demandas que estarão mais bem posicionados para o crescimento e a participação nesse novo cenário que se configura com economias mais sustentáveis.
Um bom exemplo de como o país está se adaptando no campo das normativas é a nova Resolução CVM 59. Ela traz a obrigação de divulgação de informações bem mais detalhadas sobre ESG e clima, e ainda obriga as empresas a justificarem caso não tenham atividades neste sentido.
Outras regras vêm sendo debatidas neste sentido, como o Projeto de Lei Marcos de Direitos Humanos e Empresas (PL 572/2022), em análise na Câmara dos Deputados. Pelo texto atual, o PL prevê a responsabilização das empresas por violações aos direitos humanos em suas atividades.
Essa responsabilidade “é solidária e se estende por toda a cadeia de produção, incluída a empresa controladora, as empresas controladas, bem como os investidores públicos e privados, incluídas as subcontratistas, filiais, subsidiárias, instituições econômicas e financeiras com atividade fora do território nacional, além de entidades econômicas e financeiras nacionais que participem investindo ou se beneficiando de qualquer etapa do processo produtivo, inclusive quando não houver relação contratual formal.”.
A agenda ESG e climática está colocada e o Brasil, além de se preparar, tem possibilidades de boas oportunidades. Ter o entendimento de que esta demanda é benéfica não apenas para o meio ambienta e o social, mas também financeiramente, pode garantir uma posição privilegiada em um mercado que valoriza cada vez mais as boas práticas.
*Leonardo Dutra é líder de consultoria na área de Mudança Climática e Sustentabilidade da EY
**Camila Chabar é gerente de Mudança Climática e Sustentabilidade da EY
Leia também – Etiene Ramos – Cena Econômica: Brasil surpreende na COP26