
Por Pedro de Menezes Carvalho[1]
A Bolsa de Valores tem um papel central no desenvolvimento econômico de qualquer país. Ela é o elo que conecta empresas em busca de capital para financiar projetos (inclusive de infraestrutura), expandir operações e gerar empregos, com investidores de todos os perfis que buscando rentabilizar suas economias. Não é apenas o setor privado que se beneficia desse ambiente: o próprio governo também recorre ao mercado financeiro para captar recursos por meio da emissão de títulos públicos e operações com ações de empresas estatais.
A lógica é simples e poderosa: quando uma empresa acessa a Bolsa, seja por meio da emissão de ações ou títulos de dívida, ela ganha fôlego para investir em produção, inovação e crescimento. Isso gera emprego, aumenta a renda, fortalece a arrecadação de tributos e movimenta a economia como um todo. Por outro lado, os investidores – sejam eles pequenos poupadores ou grandes fundos institucionais – encontram na Bolsa a oportunidade de aplicar seu capital em ativos como ações, títulos, certificados e até criptomoedas, buscando retorno financeiro. Hoje, são mais de 17,7 milhões de investidores em renda fixa e mais de 5 milhões em renda variável na B3, o que mostra como esse mercado é cada vez mais acessível e relevante para os brasileiros.
A função essencial da Bolsa é justamente garantir uma alocação eficiente de capital, direcionando os recursos da sociedade para os projetos e empresas com maior potencial de crescimento, beneficiando toda a cadeia produtiva e o próprio país. Isso explica a importância de observar os dados vindos do mercado financeiro e, com eles, entender as perspectivas de futuro para o País.
Durante anos, a Bolsa de Valores brasileira (B3) foi referência entre os mercados emergentes, era um espaço de crescimento, atração de capital estrangeiro e desenvolvimento do mercado de capitais local. Mas os ventos mudaram! E o sinal mais claro dessa virada não está no Ibovespa, e sim na queda da liquidez — especialmente quando comparada à movimentação dos ADRs (American Depositary Receipts) de empresas brasileiras negociados em Nova York.
Os ADRs, ou American Depositary Receipts, são instrumentos financeiros criados para facilitar o investimento de estrangeiros em empresas de fora dos Estados Unidos. No caso, eles funcionam como recibos que representam ações de companhias internacionais, permitindo que esses papéis sejam negociados nas bolsas americanas, como a NYSE ou a Nasdaq.
O funcionamento é o seguinte: uma empresa brasileira, por exemplo, deposita suas ações em um banco nos EUA, que fica responsável por emitir os ADRs correspondentes. Esses certificados passam a ser comprados e vendidos no mercado americano, em dólares, com toda a estrutura de liquidação e regulamentação local. Na prática, o investidor norte-americano consegue investir em companhias globais como se estivesse negociando ações americanas, sem precisar abrir conta em uma corretora no exterior ou lidar com questões cambiais ou burocráticas típicas de operações internacionais.
Os ADRs podem equivaler a uma ação, a uma fração ou até a um conjunto de ações, dependendo da estratégia definida pela empresa e pelo banco emissor. Um exemplo bastante conhecido é o da Petrobras, que mantém suas ações listadas na B3, mas também oferece ADRs nos Estados Unidos, possibilitando que investidores de fora participem dos seus resultados financeiros de forma prática e regulamentada dentro do mercado americano.
Até o fim de maio de 2025, os ADRs brasileiros movimentaram, por dia, o equivalente a 61% de todo o volume financeiro médio diário da B3. É o maior percentual desde 2015. O dado pode parecer técnico à primeira vista, mas carrega um simbolismo forte: o mercado brasileiro está ficando menos relevante aos olhos do investidor global. E não é apenas por uma questão de preferência, trata-se de uma mudança de rota.
Liquidez da bolsa
De um lado, vemos a liquidez da B3 reduzir: foi de US$ 5,29 bilhões por dia em 2021 para US$ 3,32 bilhões em 2025. Do outro, os ADRs caminham na direção oposta: cresceram de US$ 1,49 bilhão por dia em 2023 para US$ 2,03 bilhões neste ano. O cenário local, com juros elevados, inflação persistente e incertezas fiscais contribui para essa fuga. Já o ambiente norte-americano oferece mais previsibilidade, profundidade de mercado e governança. Resultado: o capital prefere operar em Nova York.
Essa migração não acontece apenas no agregado, empresas brasileiras de peso, como Petrobras, Vale, Itaú Unibanco, Bradesco e Embraer, já movimentam mais em ADRs do que em ações locais. No caso da Petrobras PN, a liquidez do ADR (PBR.A) é quase quatro vezes maior que a das ações na B3. O que antes era uma alternativa internacional para ampliar exposição hoje parece ser a principal vitrine para muitas companhias brasileiras.
Mais preocupante ainda é a concentração da liquidez. Para se ter uma ideia, em 2025, apenas 25 ativos, somando ADRs e ações, respondem por 99,9% de todo o volume financeiro diário da B3. Dez deles são ADRs. A bolsa brasileira se tornou, na prática, um mercado de poucos nomes, com pouca diversificação e alta vulnerabilidade a choques específicos. Esse nível de concentração afasta o investidor institucional estrangeiro e reduz as oportunidades para o investidor local.
Listar ADRs é, sem dúvida, uma estratégia válida; traz acesso direto ao capital internacional, melhora a visibilidade institucional, exige mais governança e amplia a base de acionistas. Mas também tem um custo alto: compliance rigoroso com a SEC, exigência constante de entrega de resultados e exposição jurídica mais severa. Para grandes companhias já consolidadas, o esforço vale a pena. Para empresas menores, ainda em fase de crescimento, pode ser um fardo maior do que a recompensa.
No fim das contas, a disparada dos ADRs não é um fenômeno isolado. É um reflexo do desalinhamento entre o Brasil e o capital global. A liquidez não está apenas migrando, ela está buscando segurança, previsibilidade e profundidade de mercado. E, por enquanto, não está encontrando isso por aqui.
Não se trata apenas de perder volume. Trata-se de perder relevância. A B3 precisa mais do que resgatar números precisa retomar sua função como uma plataforma vibrante, diversificada e confiável. Se continuar encolhendo, o risco não é só virar uma bolsa de poucos papéis, mas deixar de ser um mercado de verdade.
[1] Pedro de Menezes Carvalho é advogado e professor universitário com mestrado em Direito pela UFPE. Especialista em Contratos pela Harvard University e em Negociação pela University of Michigan. Advogado na área de Regulação, Negócios, Energia e Financeira. Experiência destacada na docência na UNICAP, IBMEC e PUCMinas.
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