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Um debate necessário e urgente sobre o novo licenciamento ambiental

É temerário editar uma lei de licenciamento ambiental “pasteurizada” para um país tão vasto e diverso
Mauro Buarque
Mauro Buarque/Foto: divulgação

Por Mauro Buarque*

O impacto do PL 2.159/2021, que cria a Lei Geral do Licenciamento Ambiental (LGLA), aprovado no Senado e agora em tramitação na Câmara, ainda é incerto e pouco mensurável. Embora possamos estar nos antecipando — aplicando o princípio da precaução inerente ao Direito Ambiental —, é fundamental trazer à tona os pontos mais críticos dessa proposta que flexibiliza as regras atuais.

É crucial darmos um passo atrás e analisar os exemplos recentes para verificar se, de fato, estamos caminhando na direção correta. Inicialmente, o Brasil é um país continental, megadiverso, com vários biomas distintos, diferentemente de muitas nações. Cada um desses biomas possui suas peculiaridades. Dentre eles, há um único “bioma” que cresce exponencialmente: o bioma urbano. Ele avança sobre os biomas naturais, a exemplo da Mata Atlântica e seus ecossistemas.

Dessa forma, é temerário editar uma lei de licenciamento “pasteurizada” para um país tão vasto e diverso, com realidades que variam entre áreas urbanas, rurais, unidades de conservação e margens de rios e tantas outras fragilidades.

Sobre o assunto licenciamento, a Lei Complementar 140-2011 estabeleceu as competências dos entes federados para oportunizar a cooperação preconizada na Política Nacional do Meio Ambiente. Portanto, muitas diretrizes já estão disponíveis para regrar esse serviço.

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Uma primeira grande preocupação, é uma lei federal regar uma atividade que é, constitucionalmente, de competência de outro ente (do estado ou município). Que ele regre, a princípio, a atuação federal no licenciamento. Possibilitando que os municípios regrem legislativa e operacionalmente os casos de impacto local, e os Estados, o que não é local nem federal, assumindo a competência residual. Aqui se destaca que a maior parte dos processos de licenciamento ambiental é de responsabilidade dos Estados, daí a necessidade dele junto com os municípios, serem protagonistas nesse “novo” regramento.

É essencial compreender esses recortes para entender que uma lei federal que busca padronizar e estabelecer processos de licenciamento, por vezes, pode afetar atividades que não são de competência da União, mas sim dos Estados ou dos municípios.

Partindo dessas premissas, podemos vislumbrar que o alcance do projeto aprovado é muito preocupante, especialmente quando falamos da admissão de processos de “licença por adesão” e da “licença especial”. Sem perder de vista os retrocessos legislativos que já vivenciamos, não é prudente criar tais procedimentos sem conhecer o que será beneficiado.

Por outro lado, outro ponto que merece destaque, é o ceticismo do setor ambiental — tanto em órgãos públicos quanto na academia e nos especialistas e consultores— em discutir questões que deveriam ser consideradas centrais para a política ambiental. Não é prudente nos fecharmos às críticas. Até porque, muitas dessas não são técnicas, mas pelas falhas administrativas e infraestruturais da condução dos processos.

Ou seja, uma grande crítica é direcionada pelo tempo demasiado levado pelos órgãos na análise dos temas levados a licenciamento. Esse excesso de tempo, em regra, está ligado à falta de infraestrutura e do uso de tecnologia nos procedimentos. Aqui trago um exemplo, o sisSofia desenvolvido pela Método Ambiental, um Portal de Licenciamento integrado que atua e resolve com a agilização dos processos em municípios onde já está implementado.

Outros problemas incluem a discricionariedade dos órgãos em estabelecer exigências e demandas ilimitadas ou desarrazoadas, e a imposição de compensações sem vínculo claro com os impactos identificados nos estudos. Esses são exemplos de questões que a própria área ambiental já deveria ter se debruçado e apresentado ao mercado. O que acontece é que não querer se abrir às críticas faz com que se “jogue a criança fora com a água do banho”. É dizer que a solução é dada por quem não tem conhecimento técnico para aprimorar a legislação. E isso já foi implementado no passado, quando das discussões do Novo Código Florestal. O Congresso atropelou o setor ambiental.

Lacunas do licenciamento ambiental

É imperativo um trabalho mais focado em identificar as reais lacunas do licenciamento ambiental e trabalhar para aprimorá-las. A tecnologia é um ponto-chave para trazer mais velocidade ao processo. Atualmente, há diversas ferramentas — blockchain, inteligência artificial, plataformas de licenciamento como o SisSofia — que poderiam ser integradas para padronizar processos específicos de acordo com a competência de cada nível de estudo e as exigências dos licenciamentos.

Isso nos permitiria evitar uma padronização “burra”. O licenciamento de uma estrada que atravessa o Pampa gaúcho pode, não necessariamente, ter as mesmas exigências de uma estrada na Caatinga, por isso que se insiste na impossibilidade dessa padronização.

Precisamos ter comedimento, mas sem medo de discutir a modernização do processo. Essa modernização, no entanto, deve ser feita por cada um dos entes, dentro da competência de seus processos, após esgotar todas as possibilidades de melhoria de infraestrutura e tecnologia. Isso inclui atividades e empreendimentos que, de fato, podem ter o licenciamento simplificado por estarem em áreas urbanas, ou a substituição de um estudo ambiental por um estudo de impacto de vizinhança para empreendimentos em cidades, incorporando critérios específicos.

Como fomos pouco persuasivos, ficamos reféns de um Congresso que, muitas vezes, carece de responsabilidade e conhecimento. Como já ouvi de alguns juízes, a pior alternativa para o licenciamento ambiental é a judicialização, pois a decisão será sempre a mais prejudicial ao meio ambiente.

Em uma análise inicial, é claro que ainda não temos a real dimensão dos impactos dessa nova lei, caso seja sancionada pelo Presidente da República — e espero que ele conceda mais tempo para a avaliação dos setores técnicos. O fato é que não se sabe o verdadeiro alcance dessa “cesta” generosa definida pelo Congresso, que define a blindagem de certas atividades por um licenciamento expresso e padronizado para um Brasil tão megadiverso e continental como o nosso.

*CEO da Método Ambiental, biólogo e especialista em planejamento e gerenciamento ambiental e em tratamento de resíduos industriais*

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