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Pedro de Menezes Carvalho[1]
As organizações navegam em um fluxo temporal contínuo, onde passado, presente e futuro se entrelaçam. Nesse contexto, a transformação e a evolução dos negócios são impulsionadas pelas demandas do mercado e pelos avanços tecnológicos. Um grande dilema que sempre escuto é a forte vinculação aos “legados dos fundadores” – ouvindo a famosa frase: “segundos os princípios elaborados pelo nosso fundador em 19…”, esta afirmação serve como base para o presente e molda as expectativas futuras. No entanto, a sobrevivência e o sucesso a longo prazo exigem mais do que a mera repetição de modelos temporalmente ultrapassados.
Os legados devem ser periodicamente revistos e não em cimentados em um determinado espaço no tempo. A sustentabilidade genuína reside na capacidade de explorar novos cenários, experimentar abordagens inovadoras e adaptar-se às constantes mudanças do ambiente de negócios.
A preservação dos valores e princípios dos fundadores é fundamental para manter a integridade ética e moral da organização. Contudo, a competitividade exige uma avaliação crítica e contínua das estratégias e práticas de mercado.
O setor varejista, por exemplo, passou por transformações significativas com a digitalização e a ascensão da economia baseada em dados. Empresas que resistem à inovação e se apegam a métodos obsoletos correm o risco de perder relevância e, eventualmente, desaparecer.
O planejamento do futuro vai além da simples extensão do presente. Organizações inovadoras não apenas acompanham as mudanças, mas as antecipam, criando novas realidades por meio da experimentação e prototipagem. Daí que cada vez é mais comum que instituições com longa história na economia nacional estejam mudando seus organogramas e inserindo setores com o objetivo de buscar inovações no mercado que possam, de alguma forma, agregar ao serviço prestado ou abrir novas fronteiras econômicas.
Essas empresas testam hipóteses constantemente, desenvolvem produtos e serviços que desafiam o status quo e, ao perceberem que suas soluções geram valor, as integram ao presente. No entanto, quando uma inovação se torna operacional e rotineira, ela passa a fazer parte do passado, exigindo que o ciclo de inovação recomece.
Esse ciclo contínuo explica por que algumas empresas que foram dominantes no passado perderam sua posição de destaque. Xerox, Nokia e Kodak são exemplos clássicos de organizações que falharam ao ignorar os sinais de mudança, concentrando-se excessivamente em seus produtos consagrados e negligenciando as inovações disruptivas que surgiam em seus setores. Essas empresas subestimaram a velocidade das transformações tecnológicas e pagaram o preço por sua inércia.
Um fato me chamou muita atenção, foi quando o CEO da NOKIA, ao anunciar a venda da NOKIA à MICROSOFT terminou o discurso chorando ao afirmar que “não fizemos nada de errado, mas de alguma forma perdemos”. Ele tem razão! A NOKIA não fez nada de errado durante seu processo de operacionalização; todavia, não olhou para o futuro.
Desde meados do século XX, testemunhamos ondas sucessivas de transformação tecnológica e econômica. A era industrial deu lugar à era da informação, que hoje engloba áreas como biotecnologia e a exploração do DNA como linguagem computacional.
A tecnologia evoluiu em ciclos bem definidos: computadores empresariais surgiram nos anos 1970, os PCs se popularizaram na década de 1980, a internet revolucionou a comunicação nos anos 1990, os smartphones integraram o digital ao cotidiano nos anos 2000 e, a partir de 2010, vivemos a era da hiperconectividade, com a integração total dessas tecnologias ao ambiente corporativo.
Apesar do avanço acelerado, levou quase quatro décadas para que a digitalização impactasse diretamente a produtividade dos negócios. Esse amadurecimento do mercado não apenas impulsionou a eficiência, mas também gerou fortunas monumentais, concentrando poder e influência em bilionários que, em muitos casos, têm mais relevância política do que líderes de nações.
Inovação e política global
Essas transformações tecnológicas ocorreram paralelamente a mudanças políticas globais. Durante a Guerra Fria, o mundo se dividiu em blocos: a União Soviética apostou em uma economia baseada em commodities, enquanto o Ocidente investiu na agregação de valor por meio da inovação tecnológica. O colapso soviético nos anos 1990 reorganizou a economia global, consolidando a China como a “fábrica do mundo” e marginalizando a Rússia no cenário econômico.
Atualmente, vivemos um período de incerteza global. Conflitos como a invasão da Ucrânia e a crescente rivalidade entre China e EUA geram instabilidades que afetam diretamente os negócios, impactando cadeias de suprimentos, estratégias de investimento e a dinâmica do comércio internacional.
O Brasil, inserido nesse contexto, passa por uma revolução nos setores financeiro, varejista, educacional e de saúde, ao mesmo tempo em que enfrenta desafios ambientais, sociais e geopolíticos que exigem resiliência e criatividade.
Diante de um cenário geopolítico cheio de incertezas e estabilidades falsamente construídas, para sobreviver e prosperar, as empresas precisam adotar uma abordagem de aprendizado contínuo e reavaliar suas estratégias com frequência. Copiar inovações ultrapassadas sem considerar o contexto específico do negócio leva à homogeneização do mercado e à perda de vantagem competitiva.
A verdadeira vantagem está na capacidade de questionar constantemente: Como o modelo de negócios funciona? Qual é o posicionamento da marca? Como a inovação é incorporada? Qual a estratégia de longo prazo? Como a empresa pode gerar valor de forma sustentável?
Organizações que planejam para os próximos 20 ou 30 anos — e não apenas para o próximo trimestre — tendem a ser mais resilientes e adaptáveis. Um exemplo disso são empresas globais que destinam 75% de seu orçamento para fusões e aquisições (M&A) e apenas 25% para investimentos internos, apostando no crescimento por meio da aquisição de novas competências e do fortalecimento do ecossistema de inovação. Trata-se de um verdadeiro crescimento centrífugo.
O mundo dos negócios evolui em ritmo acelerado, e a adaptabilidade tornou-se um requisito essencial para a sobrevivência empresarial. A estratégia vencedora não está em replicar modelos do passado, mas em explorar novos futuros, criar diferenciais competitivos e reinventar-se continuamente. O desafio dos líderes empresariais é compreender que o presente consome o futuro constantemente — e a verdadeira sustentabilidade não está em proteger o que foi conquistado, mas em estar preparado para moldar o que ainda está por vir.
[1] Pedro de Menezes Carvalho é advogado e professor universitário com mestrado em Direito pela UFPE. Especialista em Contratos pela Harvard University e em Negociação pela University of Michigan. Advogado na área de Regulação, Negócios, Energia e Financeira. Experiência destacada na docência na UNICAP, IBMEC e PUCMinas.