Pedro de Menezes Carvalho[1]
A gestão de escritórios de advocacia modernos vai muito além da mera excelência técnica – essa, embora imprescindível, é apenas o ponto de partida. Assim como em esportes de alta performance, onde os atletas compartilham níveis técnicos similares e a diferença está no preparo psicológico; o que distingue um escritório de outro – tratando de escritórios em nível de excelência – não é a habilidade jurídica isolada, mas a capacidade de ir além do direito positivado. Nesse contexto, o advogado moderno precisa operar com uma mentalidade estratégica, integrando áreas como economia e psicologia para compreender o negócio do cliente e agregar valor real.
A advocacia contemporânea exige um modelo proativo de atuação. O advogado deixou de ser apenas um executor de processos judiciais; seu papel se expandiu para o de um facilitador de negócios, capaz de identificar as melhores alternativas para negociações (como a aplicação da BATNA – Best Alternative to a Negotiated Agreement); como também, de auxiliar ao cliente no processo de tomada de decisão estratégica. A capacidade de evitar litígios e propor soluções eficientes e inovadoras é cada vez mais valorizada, refletindo uma mudança de paradigma: em vez de reagir a conflitos, o profissional jurídico se antecipa a eles, desenvolvendo estratégias assertivas e soluções extrajudiciais.
Projetos como “Oceano Azul do Direito”, de Ticiano Gadelha, ou o “Jurídico Sem Gravata” são exemplos de abordagens inovadoras que buscam repensar o papel do advogado, incentivando uma visão fora da caixa. Esse movimento impulsiona os profissionais a serem mais criativos, ágeis e voltados para soluções que integram ética, compliance e inovação tecnológica.
Outro ponto de destaque na gestão de escritórios de advocacia é o avanço do Legal Operations. Esse conceito se refere à aplicação de princípios de gestão, tecnologia e dados para otimizar a eficiência jurídica. De acordo com uma análise recente da Gartner, até 2025 o setor jurídico precisará se adaptar a mudanças rápidas, com foco em decisões baseadas em dados, na gestão de riscos e no desenvolvimento de habilidades interpessoais. O Legal Operations emerge como um redutor da assimetria informacional, promovendo um fluxo contínuo de dados entre departamentos e garantindo que os times jurídicos atuem de forma integrada com outras áreas da organização.
Isso é fundamental para que o advogado interno e os escritórios contratados colaborem efetivamente, trocando informações relevantes e alinhando estratégias. A interconexão entre áreas jurídicas e não jurídicas reduz lacunas operacionais e assegura uma defesa/decisão mais robusta e eficiente dos interesses da empresa, especialmente em setores regulados, onde o conhecimento técnico e regulatório deve caminhar lado a lado.
A aplicação da neurociência no campo jurídico é outro diferencial importante. Compreender como o cérebro humano processa decisões e interpreta situações pode ajudar os advogados a desenvolverem estratégias mais eficazes, especialmente em questões que envolvem a percepção do consumidor e conflitos emocionais. Esse conhecimento é particularmente relevante quando se avalia, por exemplo, o impacto de uma marca similar à de um concorrente na mente do público – uma questão jurídica com solução fora do escopo tradicional do direito.
Além disso, a jurimetria tem se consolidado como uma ferramenta essencial na gestão de escritórios e na prática jurídica moderna. A análise estatística de decisões judiciais permite que advogados identifiquem padrões de julgamentos, antecipem resultados e ajustem suas estratégias para maximizar a eficiência. Isso transforma o processo decisório em uma prática mais objetiva e baseada em dados concretos, deixando para trás o empirismo e suposições subjetivas. Ao permitir uma avaliação precisa das chances de sucesso, a jurimetria fortalece o poder de negociação e orienta os advogados para soluções mais estratégicas.
Advocacia moderna
A advocacia moderna requer que os profissionais desenvolvam habilidades de gestão e se aprofundem nas dinâmicas dos negócios de seus clientes. Em operações de M&A, por exemplo, é crucial que o advogado seja capaz de analisar os riscos e entender os impactos regulatórios e concorrenciais da transação. A falta de visão integrada pode comprometer não apenas o valor de aquisição, mas até mesmo inviabilizar o negócio.
Nos setores regulados, a divisão entre áreas jurídica e regulatória vem sendo cada vez mais questionada. A defesa eficaz de uma empresa em processos sancionadores exige uma compreensão profunda do ambiente regulado, permitindo que os advogados se posicionem de maneira estratégica. A integração de equipes multidisciplinares, incluindo especialistas em direito concorrencial, mercado financeiro, ambiental e regulatório, amplia a capacidade de identificar riscos e oportunidades nas operações corporativas.
A integração de profissionais com diferentes perspectivas é essencial, seja dentro do próprio escritório ou por meio de parcerias estratégicas com outros escritórios. Contar com advogados que possuam uma visão ampliada, como a econômica e a tecnológica, permite que esses profissionais transitem por diversas áreas do escritório, atuando como consultores internos e colaborando de forma interdisciplinar com todas as equipes.
Esse modelo promove uma abordagem mais estratégica, na qual o advogado não se limita à sua área de especialização, mas assume um papel consultivo, oferecendo insights abrangentes que enriquecem tanto a análise de casos específicos quanto a identificação de novas oportunidades junto aos clientes.
Profissionais com essa capacidade de circular entre diferentes frentes jurídicas e compreender o negócio do cliente em profundidade tornam-se verdadeiros catalisadores de inovação, ajudando não apenas na resolução eficiente de demandas, mas também na antecipação de necessidades e na criação de valor. Essa transversalidade é um diferencial competitivo, pois aprimora a prospecção e fidelização de clientes, ao mesmo tempo em que fortalece a conexão entre as áreas jurídicas e os objetivos estratégicos das empresas.
Embora a qualidade técnica seja um requisito básico, o verdadeiro diferencial de um advogado está na confiança que ele conquista de seus clientes. A confiança é o fator que determina a longevidade das relações e a fidelização dos clientes, especialmente em um mercado competitivo. Profissionais que compartilham dos mesmos valores e visões de seus clientes tendem a construir parcerias duradouras e produtivas.
A confiança é construída com base na transparência, na capacidade de comunicação e na entrega consistente de resultados. Nesse sentido, a diversificação das competências se torna um ativo estratégico. Escritórios que integram conhecimento jurídico com habilidades de gestão, economia e tecnologia se destacam no mercado e são percebidos como parceiros estratégicos na tomada de decisões empresariais.
O advogado do futuro não se limitará ao conhecimento das leis. Ele será um gestor de riscos, um negociador habilidoso e um parceiro de negócios. A integração de áreas como neurociência, jurimetria e Legal Operations na prática jurídica é apenas o começo de uma transformação mais profunda. Escritórios que investem em inovação, tecnologia e formação de equipes multidisciplinares estarão melhor posicionados para atender às demandas do mercado e se destacar em um cenário cada vez mais complexo e dinâmico.
Em resumo, o diferencial não está apenas na técnica, mas na capacidade de enxergar além dela. Escritórios que entendem o cliente, antecipam suas necessidades e entregam soluções inovadoras, éticas e eficientes serão aqueles que prosperarão no mercado jurídico do futuro.
[1] Advogado e Professor Universitário com mestrado em Direito pela UFPE. Especialista em Contratos pela Harvard University e em Negociação pela University of Michigan. Advogado na área de Regulação, Infraestrutura, Energia e Financeira. Experiência destacada na docência na UNICAP, IBMEC e PUCMinas.
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