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Fintechs: legislação brasileira favorece a inovação e internacionalização

A imunidade tributária para exportação de serviços é um benefício importante para fintechs
Marcelo Bueno M. Carneiro
Marcelo Bueno M. Carneiro/Foto: divulgação

Pedro de Menezes Carvalho[1]

Marcelo Bueno M. Carneiro[2]

As fintechs têm revolucionado o mercado financeiro global com a introdução de soluções tecnológicas inovadoras. Assim como para empresas de outras áreas de negócios, no Brasil, a imunidade tributária sobre a exportação de serviços é um benefício importante para as fintechs, especialmente para aquelas que buscam expandir suas fronteiras e atender a clientes internacionais.

Este texto busca trazer luz para as que ainda buscam explorar a imunidade tributária aplicável, sejam ou não fintechs, como um diferencial que lhes provêm condições de competir com empresas estrangeiras situadas em países com melhores condições empresariais, utilizando um estudo de caso representativo para ilustrar a aplicação prática dessa imunidade e destacando a relevância das interpretações jurídicas mais recentes.

O mercado brasileiro sempre foi um mercado atrativo para empresas internacionais, mas suas leis e regulações infralegais sempre foram uma barreira de entrada para muitas que não estavam dispostas a correr o “risco Brasil”. Em setembro de 2021, o Banco Central deu um passo que ajudou e muito as fintechs nacionais a se tornarem mecanismos viáveis de facilitação de negócios para as empresas estrangeiras que não podiam ou não queriam constituir uma base em território nacional.

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Ele instituiu as regras de e-FX, permitindo que as fintechs provessem serviços financeiros para que as empresas estrangeiras não aportadas no Brasil pudessem receber em suas contas bancárias no exterior, pelos produtos e serviços consumidos por residentes no Brasil, sem que estes tivessem que fazer remessas de dólares ou precisassem possuir cartão de crédito internacional e se preocuparem com o câmbio.

Serviços das fintechs

Por meio desse mecanismo, uma fintech que atue no desenvolvimento de serviços bancários e tecnológicos na área financeira e atenda clientes nacionais, passou a poder, igualmente, atender a clientesinternacionais. Portanto, entre os serviços ofertados pelas fintechs, podemos citar a integração de sistemas para facilitar transações de compra de produtos e serviços de fornecedores internacionais para consumidores brasileiros.

Os serviços eFX (Electronic Foreign Exchange) são possíveis, por exemplo, graças à implementação de uma API e um Gateway de Pagamento. A API permite a integração dos serviços financeiros da fintech com os sistemas de seus clientes estrangeiros, facilitando o envio e recebimento de informações de pagamento e outros serviços financeiros digitais, para a posterior conversão e remessa de moedas.

O Gateway de Pagamento processa as transações, garantindo a verificação dos dados, autenticação e segurança das transferências de fundos entre compradores e vendedores. O sistema facilita a comunicação entre todas as partes envolvidas na transação, assegurando que os pagamentos sejam realizados de maneira eficaz e segura.

A Constituição Federal exclui as exportações de serviço do campo de incidência do ISS. A Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003, dispõe que a não incidência do ISS sobre serviços exportados pressupõe o resultado da prestação fora do território nacional. No entanto, a aplicação dessa imunidade sempre foi controversa nos tribunais, especialmente devido à divergência de interpretação quanto ao conceito de resultado dos serviços – ou seja, onde se verifica e o que caracteriza a utilidade decorrente da prestação.

A Lei Complementar 116/2003, em seu artigo 2º, inciso I, traz em seu conteúdo norma de não incidência que coaduna com a previsão de imunidade tributária no artigo 156, § 3º, inciso II, da Constituição Federal. Todavia, o parágrafo único dessa norma condiciona o gozo dessa imunidade tributária ao asseverar que não farão jus a este benefício quando os serviços forem desenvolvidos em território brasileiro e o resultado dessa prestação se concretizar no Brasil, ainda que o pagamento referente a eles ocorra no exterior.

No caso das fintechs, muitos serviços são prestados e têm seus resultados diretamente configurados no exterior. Por exemplo, a prestação de serviço de intermediação de pagamentos, onde uma empresa sediada no Brasil funciona como ponte entre o tomador de serviço (no Brasil) e a empresa (sediada no exterior). O serviço consiste nessa ponte, e o resultado financeiro é percebido no exterior, no momento em que os recursos financeiros coletados em território nacional são enviados à contratante localizada no exterior, por meio de operação de cambio.

Consideram-se exportados, e consequentemente excluídos da incidência do ISS, os serviços que sejam completamente desenvolvidos no exterior ou que, embora desenvolvidos no Brasil, tenham seu resultado verificado no exterior. Cumpre determinar, portanto, o que deve ser entendido por resultado do serviço e quando ele é verificado no exterior. Nesse aspecto, contrapõem-se duas correntes: a do resultado-consumação, segundo a qual o resultado se verifica no local onde o serviço é concluído, e a do resultado-utilidade, segundo a qual o local de aferição do resultado é aquele no qual ocorre a sua fruição.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) adotou inicialmente a teoria do resultado-consumação. No REsp nº 831.124/RJ, o tribunal concluiu que o serviço de reparo e revisão de motores e turbinas de aeronaves para clientes estrangeiros não configura exportação de serviço, pois o objetivo da contratação, que é o efetivo conserto do equipamento, é totalmente concluído no território nacional. Neste julgamento, o STJ considerou que, embora os motores e turbinas sejam enviados de volta ao exterior após o conserto, o serviço em si é totalmente realizado no Brasil, invalidando a exportação do serviço para fins de imunidade tributária.

Por outro lado, ao apreciar o AREsp 587403/RS, o STJ adotou o conceito de resultado-utilidade, ao decidir que a remessa de projetos de engenharia ao exterior poderá configurar exportação quando se puder extrair do seu teor, bem como dos termos do ato negocial, a intenção de sua execução no território estrangeiro. Exemplo disso é a mudança de entendimento quanto à atividade de reparo de aeronaves estrangeiras. A princípio, o STJ havia concluído pela incidência do ISS, mas posteriormente reconheceu existir exportação, pois o resultado (utilidade) do conserto de aeronave de companhia aérea estrangeira se verificaria no exterior.

Para as fintechs, a teoria do resultado-utilidade é particularmente relevante, uma vez que abre a possibilidade de concorrer com bancos nacionais e prestar serviços envolvendo transações internacionais onde o resultado é percebido fora do território brasileiro, com agilidade, facilidade e competitividade. Prevalecendo esta interpretação, as fintechs podem se beneficiar da imunidade tributária ao exportarem seus serviços, desde que possam demonstrar que a utilidade dos serviços ocorre no exterior.

Diversos casos práticos evidenciam a importância da imunidade tributária para fintechs que operam internacionalmente. No caso levantado como exemplo, os serviços de facilitação de transações internacionais são claramente configurados como exportação de serviços, uma vez que a utilidade desses serviços é percebida no exterior; pois, o serviço é prestado ou o produto é adquirido no exterior e é apenas quitado em solo nacional, por meio da intermediação de pagamentos, onde os recursos financeiros coletados no Brasil são enviados a uma empresa contratante localizada no exterior, configurando assim o resultado no exterior.

A imunidade tributária para exportação de serviços é um benefício importante para fintechs, permitindo-lhes expandir suas operações internacionalmente sem a carga tributária adicional. Este estudo de caso exemplifica como a legislação brasileira pode apoiar a inovação e o crescimento das fintechs e demais empresas que sonham em competir internacionalmente, beneficiando tanto a economia nacional quanto as relações comerciais internacionais.

Importante, ainda, esclarecermos que tal posicionamento não significa uma imunidade tributária total, uma vez que as operações ainda estão sujeitas ao IOF (imposto sobre operações financeiras). E talvez seja aí onde reside o maior problema, pois as empresas exportadoras de serviços ainda precisam lidar com a guerra fiscal entre entes federativos, pela qual municípios que não querem abrir mão de receitas, buscam utilizar-se de outros entendimentos para inviabilizar esse caminho.

Assim, é sempre importante que as empresas que querem tomar esse benefício sejam sempre bem assessoradas juridicamente, a fim de evitar a criação de um passivo que pode se tornar grande, acumulando-se pelos 5 anos de prazo de prescrição sobre o qual os créditos tributários estão fundamentados.

A compreensão das diferentes interpretações jurídicas sobre o conceito de resultado dos serviços é fundamental para a correta aplicação da imunidade tributária. Para as fintechs, a adoção da teoria do resultado-utilidade pelo STJ é um avanço significativo, permitindo que continuem a crescer e inovar no cenário global, beneficiando não apenas suas operações, mas também contribuindo para a economia brasileira de forma mais ampla.


[1] Advogado e Professor Universitário com mestrado em Direito pela UFPE. Especializado em Contratos pela Harvard University e em Negociação pela University of Michigan. Possui certificações em Sustentabilidade, Governança e Compliance pela Fundação Getúlio Vargas. Além disso, detém um MBA em Direito Marítimo pela Maritime Law Academy. Atua liderando a área de Regulação, Infraestrutura, operações societárias e mercado de capitais. Destaca-se por sua vasta experiência como docente, ministrando aulas em instituições de prestígio como UNICAP, IBMEC e PUCMinas.

[2] Advogado e Diretor Jurídico, Riscos e LGPD do Z.ro Bank, especialista em Direito dos Contratos pela PUC/SP; em meios de pagamentos e criptomoedas; e em Negociação pela University of Michigan.

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