Por Pedro de Menezes Carvalho*
Daniel Kahneman, reconhecido psicólogo e economista, faleceu nesta quarta-feira (27), aos 90 anos. Como um dos principais expoentes da Economia Comportamental, sua influência se estende além das fronteiras acadêmicas, deixando um legado crucial para os negócios e o direito.
A Economia Comportamental é uma disciplina interdisciplinar que combina conceitos da psicologia, economia e neurociência para entender como os seres humanos tomam decisões financeiras. Ao contrário da teoria econômica tradicional, que parte do pressuposto da racionalidade dos agentes, a Economia Comportamental reconhece que fatores emocionais e vieses cognitivos desempenham um papel significativo em nossas escolhas financeiras.
Os vieses cognitivos, por sua vez, referem-se a padrões sistemáticos de desvio do pensamento racional que podem levar a decisões distorcidas ou subótimas. Esses vieses são formas previsíveis e consistentes pelas quais o julgamento humano pode ser influenciado, muitas vezes de forma inconsciente. Reconhecer e compreender esses vieses é essencial para tomar decisões mais informadas e eficazes, tanto no contexto financeiro quanto em outras áreas da vida.
Em colaboração com Amos Tversky, Daniel Kahneman desenvolveu a Teoria do Prospecto, que foi apresentada em 1979. Esta teoria é um marco fundamental na Economia Comportamental, desafiando os princípios da Teoria da Utilidade Esperada, amplamente aceita na economia tradicional. A Teoria postula que as pessoas não avaliam as escolhas apenas com base nos possíveis ganhos e perdas absolutos, como sugere a Teoria da Utilidade Esperada, mas sim em relação a um ponto de referência ou “prospecto”. Este prospecto é muitas vezes determinado pela situação inicial ou pelo status quo.
Uma das principais descobertas da Teoria do Prospecto é o conceito de aversão à perda. Kahneman e Tversky demonstraram que as pessoas tendem a valorizar as perdas de forma muito mais significativa do que os ganhos de valor equivalente. Em outras palavras, o impacto emocional de perder uma determinada quantia é maior do que o impacto emocional de ganhar a mesma quantia. Isso leva as pessoas a serem mais propensas a correr riscos para evitar perdas do que para buscar ganhos.
Essa visão mais complexa do comportamento humano em relação ao risco financeiro oferece uma compreensão mais completa das escolhas econômicas e tem implicações importantes para a tomada de decisões em diversas áreas, desde investimentos financeiros até estratégias empresariais e políticas públicas.
Além disso, a Economia Comportamental destaca a influência dos sistemas de pensamento rápido e intuitivo (sistema 1) e pensamento lento e racional (sistema 2) na tomada de decisões. A compreensão desses sistemas permite identificar padrões comportamentais, como o efeito manada, excesso de confiança, confirmação e ancoragem, que podem afetar as escolhas financeiras e empresariais.
No mundo dos negócios, os insights de Kahneman são inestimáveis. Empresas podem aplicar esses conhecimentos para compreender o comportamento do consumidor, otimizar estratégias de precificação e gerenciar riscos de forma mais eficaz. Por exemplo, o conhecimento dos vieses comportamentais podem auxiliar no processo de tomada de decisão empresarial; gosto muito de citar os vieses do otimismo e da ancoragem, ambos são conceitos fundamentais da Economia Comportamental que desempenham papéis significativos nas decisões financeiras e empresariais.
O viés do otimismo refere-se à tendência das pessoas em subestimar os riscos e superestimar os retornos de um determinado empreendimento ou investimento. Em outras palavras, os indivíduos muitas vezes têm uma visão excessivamente positiva do futuro, ignorando ou minimizando os possíveis obstáculos e desafios que podem surgir. Esse viés pode levar a decisões financeiras arriscadas, como investir em ativos de alto risco sem uma avaliação adequada das potenciais perdas envolvidas. No contexto empresarial, o viés do otimismo pode levar os empresários a subestimar os desafios competitivos ou as dificuldades operacionais, resultando em estratégias inadequadas ou investimentos mal planejados.
Por outro lado, o viés de ancoragem refere-se à tendência das pessoas em tomar decisões com base em valores arbitrários ou informações irrelevantes, em vez de considerar todos os fatores relevantes de forma equilibrada. Quando os indivíduos são expostos a uma referência inicial, como um preço sugerido ou uma avaliação anterior, eles tendem a fixar-se nessa referência, mesmo que ela não seja necessariamente relevante para a situação atual. Por exemplo, um investidor pode fixar-se em um preço de mercado anterior de uma ação e usar isso como base para decidir se deve comprar ou vender, ignorando outras informações importantes, como mudanças nas condições do mercado ou nos fundamentos da empresa. No contexto empresarial, o viés de ancoragem pode influenciar a precificação de produtos e serviços, levando as empresas a estabelecerem preços com base em custos históricos ou percepções subjetivas de valor, em vez de considerar a demanda do mercado e os custos reais de produção.
Ambos os vieses demonstram como fatores psicológicos podem distorcer a tomada de decisão racional, levando a escolhas subótimas e consequências financeiras negativas. Reconhecer a influência desses vieses é fundamental para tomar decisões mais informadas e eficazes, tanto no âmbito pessoal quanto empresarial.
Além disso, em períodos de incerteza econômica, como volatilidade do mercado de câmbio, a compreensão dos vieses cognitivos pode ajudar empresas a evitar decisões financeiras conservadoras em excesso que podem sufocar o crescimento e a inovação. Da mesma forma, a conscientização sobre a ganância e a euforia pode ajudar a evitar investimentos especulativos prejudiciais durante períodos de exuberância irracional.
Para profissionais que buscam oportunidades desafiadoras em gestão, como liderança de equipes multidisciplinares, a compreensão dos princípios da Economia Comportamental pode ser um diferencial. Ao aplicar estratégias que consideram a influência dos fatores emocionais e vieses cognitivos, esses líderes podem promover decisões mais informadas e eficazes, contribuindo para o sucesso sustentável das organizações. Em suma, o legado de Daniel Kahneman na Economia Comportamental transcendeu os limites da academia, influenciando profundamente o mundo dos negócios e do direito. Sua compreensão inovadora do comportamento humano continua a inspirar novas abordagens e práticas que moldam um futuro mais consciente e eficiente para as organizações e sociedade como um todo. Proponho a leitura dos seus livros, em especial o clássico “rápido e Devagar: duas formas de se pensar”, certamente muitas contribuições serão retiradas e facilmente aplicadas no mundo dos negócios.
*Pedro de Menezes Carvalho – Advogado e Professor Universitário com mestrado em Direito pela UFPE. Especialista em Contratos pela Harvard University e em Negociação pela University of Michigan. Sócio do Carvalho, Machado e Timm Advogados, com foco nas áreas de Regulação, Infraestrutura, Energia, Relações Governamentais e Sustentabilidade. Experiência destacada na docência na UNICAP e PUCMinas.