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Rodrigo Cardoso Silva: O Brasil precisa de uma moeda digital?

"Posso dizer com exatidão que é um mau negócio para a economia brasileira. O real ainda está longe de se tornar uma moeda estável e forte, como o franco suíço, por exemplo."
Rodrigo Cardoso
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Por Rodrigo Cardoso Silva*

Quem já ouviu falar em Blockchain? É uma tecnologia que ressurgiu em 2008 com a introdução da moeda digital chamada de Bitcoin, dando ensejo à possibilidade de uma nova moeda na economia mundial.

Já se passaram quinze anos e os entusiastas das mudanças digitais ainda estão esperando o mundo “se transformar” com a moeda digital e a tecnologia Blockchain. E por que isso ainda não deu certo?

Primeiro, é porque as pessoas confundiram tecnologia com ideologias político-sociais, já que o Bitcoin pareceu renovar a forma de gerir determinados negócios com a possibilidade de reduzir os custos operacionais das transações. Também acharam possível armazenar informações irreversíveis por terceiros e, por fim, a descentralização na tomada de decisões a partir de um modelo consensual entre as partes, excluindo a centralização do governo.

Na prática, o cenário real é outro. O consumo de energia elétrica é altíssimo para alimentar “fazendas de mineração de dados” nas redes em Blockchain e a resposta das operações é muito lenta. A irreversibilidade da informação não é 100% segura, pois poderá ocorrer a quebra da cadeia com o ataque cibernético denominado por Satoshi Nakamoto de “51%”, ou seja, um ataque a uma Blockchain de criptomoeda por um grupo de mineradores que controlam mais de 50% da taxa de hash de mineração da rede. Isso significa que um usuário ou grupo de usuários com 51% dos nós na rede dá às partes controladoras o poder de reverter a informação em um ou mais blocos.

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E a consensualidade na tomada das decisões não é algo tão simples de conquistar entre as pessoas e a escala mundial, pois a tecnologia é limitada pela sua infraestrutura tecnológica – não existe uma rede blockchain única e global e as redes existentes são incompatíveis na interligação.

Segundo, com o advento da moeda digital em escala quase global, surge um “sistema monetário digital informal” que passa a operar de forma não regulamentada por lei, causando um imbróglio para as transações financeiras do setor. Tal fato deu a possibilidade da elaboração de outros tipos de crimes digitais. Por exemplo, o uso de criptomoedas para aquisição de entorpecentes – Silk Road. E a fraude na aplicação de carteiras de moedas digitais – como a Mt. Gox, que deixou um rombo bilionário para as pessoas que investiram o seu dinheiro.

Apesar disso, algumas nações da comunidade internacional possuem tendências à normalização da moeda digital. No artigo “A legal framework for blockchain technology in Brazil” de 2020, eu defendo a ideia de que a regulação deve atingir somente o produto ou serviço, e não o seu substrato que, neste caso, é a tecnologia Blockchain, pois a legislação sobre ela poderá causar obstáculo à inovação tecnológica.

O Brasil está disposto a se arriscar no mundo dos criptoativos e apresentou, no final do ano de 2022, o seu “Marco Cripto”, que institui o decreto-lei dos criptoativos para regularizar a atividade no país.

Posso dizer com exatidão que é um mau negócio para a economia brasileira. O real ainda está longe de se tornar uma moeda estável e forte, como o franco suíço, por exemplo.

Antes de pensar em regularizar qualquer moeda, entendo que ela deve ser precificada porque não se avalia uma moeda, mas, sim, o seu preço. A economia nomeia como taxa de câmbio para dar qualidade à moeda. Quanto maior a taxa, melhor é a moeda. E para ser melhor ela deve cumprir dois requisitos básicos: poder de compra e reserva de valor.

O real no país até tem poder de compra, mas perde no segundo requisito por causa da inflação medida pela taxa de câmbio. Isso faz com que a moeda brasileira não seja um vantajoso ativo financeiro para reserva de valor, pois é menos valiosa com relação às outras.

Agora, a história do Bitcoin e outras moedas digitais são de altos e baixos no poder de compra e qualidade, o que significa que não é um tipo de moeda para se pensar em reserva de valor. Além disso, o poder de compra com moedas digitais é bastante sazonal, ou seja, é muito volátil com altos e baixos até os dias atuais.

Quantas pessoas que estão lendo este artigo compram com criptomoedas? Arrisco a dizer que poucas. Até em eventos sobre o tema, a moeda digital não é utilizada como poder de compra de ingressos ou qualquer outro tipo de aquisição.

Com esse cenário, o sistema financeiro brasileiro precisa de moeda digital? A resposta é não.

O país está passando por um momento de instabilidade regulatória em torno da Internet. De 1994 até 2018, as leis que disciplinam a inovação e os atos na camada de aplicação da Internet são eficazes. É claro que a aplicação da lei depende dos agentes públicos e não é com mais legislações que o problema será resolvido na Internet.

A tributação digital também é algo delicado e que deve ser mensurado com sabedoria, porque do contrário, o efeito poderá ser negativo para a economia nacional.

Isso tudo influencia na adoção de uma moeda digital no país.

Talvez, há luz no fim do túnel. A tecnologia Blockchain tem o seu lado positivo: é uma ferramenta poderosa para auditar processos e ajudar no combate às fraudes, pode ser um complemento valioso no processo de transparência e validação, mas, como já foi dito, não é um processo barato.

Entre moedas digitais e a Blockchain, aposto na Blockchain. Mas é imprescindível ter consciência de que não se transfere para a tecnologia a responsabilidade contra qualquer comportamento ilícito ou irregular, pois o impulso de trapacear é do ser humano e não da tecnologia.


*Rodrigo Cardoso Silva
é Professor Doutor da Faculdade de Computação e Informática (FCI) na Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), Assessor Especialista no NIC.br e CGI.br, Doutor em Ciência da Computação, Mestre em Direito Internacional e Membro da Internet Society e da Associação Brasileira de Estudos de Defesa

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