José Messias Teodoro*
Riqueza Nacional nas mãos do setor privado
A Renda Nacional Bruta – RNB é definida como a soma de todos os rendimentos: salários, aposentadorias, lucros e dividendos, juros, aluguéis, honorários, subsídios governamentais. Em 2020, ela está estimada em R$ 16,052 trilhões (US$ 3,093 trilhões x R$ 5,19).
A Dívida Pública Bruta – DPB acumulada, em 31/12/2020, era de R$ 6,939 trilhões. Sendo assim, a RNB é 2,3 vezes maior que DPB. Ficando a RNB anual por pessoa em R$ 75.503,00 e a DPB em R$ 32.638,00.
Porém, essa DPB não será paga por toda sociedade. Quem pagará essa dívida são os contribuintes que pagam impostos, são os que vivem de salários, aposentados do setor privado, aqueles que depositam suas economias na caderneta de poupança, quem recebe aluguéis e honorários.
Serão excluídos do pagamento da DPB aqueles que vivem de lucros e dividendos, aposentados e pensionistas do setor público, os isentos da tributação ou com tributação favorecida, aqueles que recebem subsídios e desonerações fiscais governamentais e os poucos que vivem de rendimentos das aplicações financeiras em títulos públicos, porém detentores de grandes capitais especulativos, ou melhor, uma parcela expressiva de privilegiados.
O Tesouro Nacional apurou um Patrimônio Público Líquido Negativo, em 31/12/2020, ou seja, um Passivo a Descoberto da União de – R$ 4,445 trilhões. Mesmo deduzindo as reservas internacionais depositadas no BCB que somam R$ 1.963 trilhões, resta ainda uma dívida de – R$ 2,482 trilhões.
Por sua vez, a riqueza bruta do setor privado, patrimônio das famílias e empresas, em 31/12/2020, foi estimada em R$ 13,945 trilhões (US$ 2,687 trilhões x R$ 5,19) que após a dedução do Passivo a Descoberto da União de – R$ 2,482 a ser pago pelos contribuintes, apura-se uma riqueza líquida do setor privado em torno de R$ 11,463 trilhões. Isso demonstra uma integral Riqueza Nacional Líquida – RNL em poder do setor privado e nenhuma riqueza pública em circulação.
Juros e inflação acima da taxa de crescimento da economia
As taxas de juros pagas pelo Tesouro Nacional sempre foram superiores à inflação e à taxa de crescimento da economia. A DPB tornou-se um grande negócio para os investidores e governo, um péssimo negócio para os contribuintes e poupadores que investem suas economias na caderneta de poupança.
A rentabilidade dos bancos brasileiros, em 2020, Retorno sobre o Patrimônio Líquido –
ROI, foi de 11,5%, informação extraída do Relatório de Economia Bancária publicado pelo BCB. A inflação foi de 4,52% medida pelo IPCA e houve uma retração no PIB de – 4,1%, resultado dos efeitos negativos da economia interna e externa provocado pelo enfrentamento da pandemia da Covid-19.
Os títulos públicos geram juros reais para os investidores e são pagos em dia, são de risco baixo. Em 2020, o Tesouro Nacional pagou R$ 347,0 bilhões de juros para os investidores, o que representa 5,0% da DPB, e distribuiu R$ 34,7 bilhões para o Bolsa Família. Os juros da DPB no ano foram 10 vezes maiores que o valor distribuído para as famílias inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais – CadÚnico.
Redução da dívida pública com o uso da inflação, poupadores perdem e investidores ganham
Com uma inflação, de 4,52%, em 2020, e 10,42%, em 2021, e com tendência de alta nos próximos anos, fica evidenciado que a inflação está sendo usada como instrumento para reduzir o saldo da DPB nos próximos anos. A longo prazo a DPB será substancialmente corroída pela inflação. Isso é uma realidade e a política monetária de gestão da DPB segue nessa direção.
Os investidores em títulos públicos ficam mais ricos e a classe média mais pobre. Amparando essa perversa política de transferência de rendas submerge falsas “reformas tributárias” com o objetivo camuflado de aumentar os impostos somente para classe média. Os congressistas ignoram e engavetam os Projetos de Lei que tratam da tributação das grandes fortunas, heranças, transferências de rendas e distribuição de lucros e dividendos.
A classe média aplica suas economias na caderneta de poupança. Em 30/12/2020, o saldo depositado era de R$ 1.035 trilhão (9% da RNL). Esses poupadores foram brutalmente penalizados, tiveram uma perda real de – 2,41% (juro nominal de 2,11% para depósitos após 03 de agosto de 2012, deduzido 4,52% da inflação). Em 2021, a perda real foi de R$ – 7,48% (juro nominal de 2,94%).
Enquanto isso, os investidores em títulos públicos, em média, receberam juros reais de 2,84% (9,50% juros nominais deduzido 2,14% de imposto de renda e 4,52% da inflação).
Do saldo da poupança privada no valor R$ 1,035 trilhão, 65% são destinados, obrigatoriamente, para o financiamento imobiliário, aquisição da casa própria e empréstimos rurais. A taxa média de juros reais cobrados nos financiamentos imobiliários, em 2020, foi de 3,48% ao ano (8,0% taxa efetiva menos 4,52% da inflação).
O restante, 35% do saldo da poupança, é depositado compulsoriamente pelos bancos no Banco Central, serve como instrumento de política monetária para controlar o dinheiro em circulação. Uma parte desses depósitos compulsórios poderia ser liberado para o financiamento de investimentos em obras de infraestruturas: geração e distribuição de energia, água potável e saneamento básico, isso prejudica e retarda o crescimento do país, uma vez que seguidos déficits públicos impedem a execução dessas obras.
Transferência de renda à brasileira: da classe média aos investidores em títulos públicos
Em resumo podemos dizer que a transferência de renda a “moda brasileira” se dá da seguinte forma: a classe média paga tributos, o governo arrecada muito e gasta mais do que arrecada, paga juros reais para os investidores em títulos públicos e os investidores na poupança recebem juros negativos, e o congresso aumenta o limite dos gastos primários com manobras no critério de atualização do índice inflacionário. Desse jeito não sobra dinheiro para investimentos em infraestrutura e bem-estar social.
Os investidores em títulos públicos são uma minoria, essa elite econômica e financeira tem grande poder de influência nas decisões sobre a determinação da taxa de juros Selic, isso acaba sendo a principal causa da grande concentração de rendas no Brasil. Isso ocorre porque parte dos impostos pagos pela classe média são insuficientes para o pagamento de juros reais aos investidores.
O contribuinte, classe média, paga a conta duas vezes, paga tributos e paga juros reais da DPB para os investidores. Há uma injustiça tributária sendo praticada, o investidor em títulos públicos, quando é tributado, paga uma alíquota máxima de imposto de renda de 22,5% e mínima de 15%, enquanto o trabalhador e o aposentado pagam, obrigatoriamente, uma alíquota máxima de 27,5% e mínima de 7,5%. Os altos salários são tributados numa tabela regressiva, chamada falsamente de “tabela progressiva”, com isso a classe média paga mais imposto de renda do que a classe alta.
A DPB acabou sendo transformada num mecanismo de transferência de riqueza do setor público para o setor privado, isso se deu mediante concessões, privilégios e o pagamento de juros reais para os investidores em títulos da dívida pública. Os investidores recebem juros reais acima da remuneração da poupança privada que deveria estar sendo destinada uma parte para investimentos públicos em bem-estar dos contribuintes.
Para melhor entendimento, demonstro de forma breve e simplificada, como ao longo de 30 anos uma dívida no valor de R$ 6.939 trilhões (2020, 93,6% do PIB), pode ser desvalorizada e chegar a R$ 3,308 trilhões, uma redução de 52,3%. Para tanto, basta manter uma diferença de 2,5% ao ano entre inflações anuais de 10,5% em relação aos juros de 8,0%, com resultados orçamentários anuais igual a zero. Para uma taxa de crescimento da economia em torno de 1,0% ao ano, o PIB de R$ 7,410 trilhões, em 2020, chegaria a R$ 9,987 trilhões, em 2050. Então essa dívida que era 93,6% do PIB, em 2020, passaria a ser 33,1% do PIB, em 2050. Para fins didáticos, esse modelo econômico manteve as premissas constantes durante todo período (Ceteris Paribus).
Enfim, reduzir a Dívida Pública Bruta – DPB com ganhos inflacionários atrelado a transferências de rendas da classe média para a classe dos super-ricos e reduzir a Dívida Pública Líquida – DPL com ganhos cambiais não realizados, poderá levar a desestabilização de nossa economia. Teorias econômicas a “moda brasileira, com aromas dos ventos Europeus” escondem a realidade e o tamanho da Dívida Pública – Bruta ou Líquida.
*José Messias Teodoro – Consultor Tributário há mais de 30 anos e especialista em planejamento tributário, sucessório, restruturação e reorganização societária.