O inicio da atual década mais parece um roteiro de filme de catástrofe hollywoodiano, mas infelizmente não é filme. Logo no início de 2020 o mundo é acometido por uma pandemia, que surge um século depois da última grande crise sanitária – a gripe espanhola. Como se não bastasse, no começo de 2022 a Rússia invade a Ucrânia desencadeando um conflito bélico, desumano e com fortes repercussões na geopolítica mundial. Tudo isso acompanhado por registros de secas prolongadas em diversos países, inclusive no Brasil.
Esse cenário um tanto apocalíptico tem reflexos graves, entre eles, a escalada de preços das commodities, com destaque para o valor dos alimentos. Além da interrupção na cadeia de suprimentos provocada pela pandemia, a guerra entre Rússia e Ucrânia é travada por países que produzem quase um terço do trigo e da cevada do mundo, entre outras culturas relevantes como o milho. Pelo lado russo há ainda o impacto indireto no preço dos alimentos, já que o País é o maior produtor de potássio do mundo, usado como insumo para produção de fertilizantes. No que se refere às questões climáticas, o Brasil, a China e a Índia sofreram perdas importantes nas safras de soja e trigo.
Nesse contexto, alguns países anunciaram restrições à exportação para evitar desabastecimento interno, ou seja, impactando de forma significativa a oferta global de alimentos. Um dos últimos a anunciar medidas restritivas foi a Índia, grande produtor de grãos, mas com uma população de cerca de 1,38 bilhão de habitantes.
Preço dos alimentos no mundo é o maior dos últimos 60 anos
De acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), o índice mundial de preços de alimentos coletados nos últimos 60 anos, atingiu o recorde mais alto em março de 2022. Diante dessa combinação, a revista The Economist, na edição de 19 de maio, estampou a reportagem da capa com o título “The coming food catastrophe” se referindo a próxima catástrofe alimentar.
Os alertas da FAO, da The Economist e de diversos especialistas, dizem respeito ao efeito do preço dos alimentos principalmente para os países, regiões e populações mais pobres e vulneráveis. Como é de conhecimento, a parcela da renda utilizada no consumo de alimentos das classes mais pobres é significativamente maior que nos demais extratos sociais, ou seja, o impacto é proporcionalmente maior no orçamento familiar dessas pessoas. Além da questão dos preços, há também o alerta ao desabastecimento e o risco de convulsões sociais.
No que diz respeito à política monetária como medida de combate ao processo inflacionário, os Bancos Centrais administram, já há alguns meses, uma escalada no aumento dos juros. Contudo, fica a pergunta sobre as limitações dessas medidas diante de um quadro estrutural e não de aquecimento de demanda.
O que se percebe é o avanço no debate sobre a necessidade de medidas transitórias. Especialistas advogam a concessão de subsídios diretos aos preços ao consumidor ou mesmo ao produtor através dos insumos e meios de produção, até que o mundo possa encontrar uma governança mais adequada para enfrentar esses desafios. O mais curioso é que os elementos citados aqui no artigo são em grande parte de domínio do próprio ser humano: guerras, pandemia, fenômenos climáticos, protecionismo, diplomacia, civilização…
Paulo Guimarães é Economista, doutorando pela Universidade de Lisboa e sócio-diretor da Ceplan Consultoria Econômica
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