Valeria Saturnino
Já sabemos o quanto a pandemia do novo coronavírus tem nos afetado. Perdas de familiares e amigos queridos, sequelas para quem pegou e sobreviveu, problemas de saúde mental decorrentes do isolamento, dentre outros.
Na face econômica da pandemia, o Brasil chega a um recorde de desemprego de 14,7% no primeiro trimestre de 2021, conforme o IBGE, com 14,805 milhões de desempregados. Além disso, segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC – CNC), o percentual de famílias brasileiras endividadas chega a 69,7%, sendo o maior nível em 11 anos. A pesquisa destaca o cartão de crédito como o principal tipo de dívida para 81,8% dos pesquisados.
É certo que fatores decorrentes da pandemia como aumento do desemprego, inflação mais elevada e mais recentemente a redução do auxílio emergencial são capazes de aumentar esse índice. Entretanto, já em janeiro de 2020 o nível de endividamento das famílias brasileiras era de 65,3%, quase dois terços do total. Os dados só mostram o agravamento de uma situação já crítica: a de que os brasileiros precisam de educação financeira.
As origens deste problema podem ser resgatadas da década de 90. Após o Plano Real, com o controle da inflação, a expansão da bancarização e a disseminação do crédito, tudo aquilo que antes era impensável tornou-se plausível: ter televisão em casa, celular próprio, e até mesmo o carro zero km.
A facilitação do crédito no Brasil não veio acompanhada dos conceitos de planejamento financeiro e de educação financeira. Ao contrário, veio apenas acompanhada de uma imensa vontade dos brasileiros que, após décadas de exclusão econômica, usaram o crédito à disposição ao máximo para financiar o seu consumo, sem pensar nas consequências. Comprar passou a ser símbolo de prosperidade e, sem pensar no alto comprometimento da renda ao longo dos anos, os brasileiros foram aumentando esse percentual, entrando em inadimplência quando da diminuição de sua renda ou com deslizes de consumos maiores que os suportados pela sua própria renda.
Por esses e outros motivos, percebe-se que a falta de educação financeira na população brasileira é um problema que já tem uma certa história, e que só fez se agravar durante a pandemia. A melhor forma de atravessar uma crise é tendo reservas financeiras, em especial a reserva de emergências, a qual deve ser utilizada em caso de desemprego ou gastos extras não esperados. De acordo com a 3ª Edição do Raio X do Investidor Brasileiro, pesquisa realizada pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais – ANBIMA, 62% da população brasileira iniciou 2020 sem qualquer tipo de reserva financeira para alguma emergência.
É certo que muitos outros fatores precisam ser sanados para que as famílias brasileiras voltem a ter mais empregos e uma renda maior, tais como a vacinação em massa, a retomada do crescimento econômico e a geração de novos postos de trabalho, mas a Educação Financeira é a chave para uma vida financeira realmente saudável.
É certo que houve avanços nesse sentido no Brasil, como a implantação da Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF) enquanto política pública desde 2010; a obrigatoriedade de conteúdos de educação financeira na grade curricular do ensino básico; e a mudança no perfil de investimentos, com a quantidade de investidores na bolsa de valores brasileira tendo praticamente duplicado entre 2019 e 2020, alcançando 3% da população. Entretanto, quando se compara com Estados Unidos e Japão, nos quais 55% e 45% da população, respectivamente, investem em ações, podemos ver o quanto ainda temos que avançar.
As famílias que estejam endividadas podem sim fazer algo ainda durante a pandemia para ao menos diminuir seu nível de endividamento. Primeiro, é essencial fazer um planejamento financeiro, levantando dívidas, gastos e receitas. Em seguida, cortar gastos não essenciais para dar margem à pagamentos maiores, acelerando a quitação das dívidas. Além disso, pode ser feita a negociação das dívidas, trocando dívidas mais caras (cartão de crédito e cheque especial) por outras com taxas de juros menores. Neste contexto, o mais importante de tudo é não fazer novas dívidas.
A crise vai passar, isso é certo, mas se a educação financeira não passar a fazer parte da cultura das famílias brasileiras, ficaremos travados, sem avançar em um ciclo de crescimento que depende de reservas financeiras internas, de um consumo responsável e de baixos níveis de endividamento. O Brasil precisa de muito mais educação financeira.
Valeria Saturnino é Doutora em Finanças, Professora da UFPB e Consultora Associada da Ceplan Consultoria Econômica e Planejamento