Não é só no RS: catástrofes avançam no NE sem políticas efetivas por 3 décadas

As catástrofes no Nordeste, da mesma forma que no Rio Grande do Sul, não começaram ontem. E não vão acabar amanhã. Mas alguém precisa avisar aos governos estaduais. Confira como isso tem afetado os estados nesta primeira reportagem da série sobre o clima
Catástrofes: despreparo do Rio Grande do Sul se repete no Nordeste e em todo o Brasil
Porto Alegre embaixo d´água: catástrofes se sucedem no RS, como no Nordeste e todo o Brasil, sem políticas adequadas para o novo normal das mudanças climáticas/Foto: Reprodução (Internet)

Bahia, janeiro de 2022: enchentes causam uma das maiores catástrofes da História no Nordeste. As chuvas se prolongam por quase dois meses, alagando 51 cidades e deixando um saldo de 27 mortos, 523 feridos e 30,3 mil desabrigados. Pernambuco, Região Metropolitana do Recife, maio de 2022: temporais provocam deslizamentos de encostas, matando 140 pessoas.

Maceió, 2018 a 2024: a extração de sal-gema pela Braskem gera o maior desastre ambiental urbano em curso no mundo e 20% da cidade afunda. Sessenta mil pessoas são obrigadas a abandonarem suas casas. Bairros inteiros se transformam em escombros. Histórias de individuos – e também de famílias, comunidades, lugares e negócios – são literalmente riscadas do mapa.

Assim como no Rio Grande do Sul, onde a Região Metropolitana de Porto Alegre pode ficar mais de um mês embaixo d´água, o Nordeste tem muitas catástrofes recentes e outras nem tanto para contar. Esse tipo de evento, de proporções bíblicas, vem acontecendo na região desde os anos 2000 e se torna cada vez mais frequente, com menores intervalos.

As ocorrências vêm se sucedendo em todo o Brasil, seguindo uma curva ascendente no mundo e com uma tendência de recorrência cada vez maior.

Nesse cenário, a combinação de intempéries climáticas decorrentes do aquecimento global e tragédias geradas diretamente por atividades econômicas insustentáveis – como no caso da Braskem, em Alagoas – superam as produções mais apocalípticas de Hollywood. A pergunta que não quer calar é: como os estados nordestinos estão se preparando para enfrentar esse novo normal?

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Nesse aspecto, o despreparo também se repete, como regra, no Nordeste, em linha com a situação do Brasil.

Os governos estaduais da região, com exceções, seguem apostando em obras tradicionais, quando o momento exige outras estratégias, entre elas a criação de fundos permanentes para lidar com emergências e políticas sólidas de prevenção e enfrentamento de catástrofes.

A Bahia teve 51 municípios alagados nas enchentes de 2022
Catástrofes na Bahia: vista aérea de Ilhéus na enchente de 2022, em que 51 cidades ficaram parcialmente submersas/Foto: Reprodução/Internet (Poder360)

Paraíba sai na frente, no fundo para as catástrofes

Na região, o estado que mais avançou no sentido de se preparar financeiramente para o caos, foi a Paraíba, embora de forma ainda tímida. Segundo o gabinete do governador João Azevêdo (PSB), “está em estudo a criação de um Fundo de Proteção e Defesa Civil, para atender a essa demanda”.

“Somente com a criação desse instrumento, o Fundo Nacional de Proteção e Defesa Civil poderá repassar os recursos para os estados”, conclui a nota do Palácio da Redenção.

Catástrofes: Pernambuco tem poupança zero

Pernambuco passa por uma situação muito peculiar e altamente preocupante. O estado, desde o ano 2000, vem sendo afetado por catástrofes cada vez maiores. O record histórico foi a tragédia das chuvas, na Região Metropolitana do Recife, entre maio e junho de 2022.

Também houve temporais em 2004 e 2010, com mortos e milhares de desabrigados não apenas na capital e cidades vizinhas, mas também em outras regiões, como a Zona da Mata.

Apesar disso, as intempéries, no estado, seguiram e seguem sendo encaradas como desastres “naturais”, embora a natureza tenha pouco a ver com problemas que foram gerados pela ação do homem. Ou pela omissão.

O estado tem política de prevenção de catástrofes? Não. Tem uma política de enfrentamento desse tipo de evento? Não. Tinha recursos para encarar a situação de guerra vivida no Grande Recife, em 2022? Não. E não teria hoje.

De acordo com o secretário estadual da Fazenda, Wilson José de Paula, seu grande desafio na gestão das contas públicas, em 2024, é iniciar a criação de uma poupança, já que não existe uma reserva, por exemplo, para investimentos em infraestrutura ou enfrentar uma calamidade.

“A cultura da poupança foi totalmente abandonada nas últimas duas décadas em Pernambuco”, afirma. No ano passado, aliás, o problema da administração estadual não foi conseguir guardar dinheiro para uma necessidade – como fazem as famílias – mas algo muito pior: desequilíbrio mesmo.

A atual governadora, Raquel Lyra, assumiu uma máquina com déficit financeiro e orçamentário. Em dezembro, Pernambuco acabou perdendo a Capag B do Tesouro Nacional, como decorrência dos problemas deixados por gestões anteriores.

Com o rebaixamento, o estado deixou de ser elegível para receber garantia da União em operações de crédito. Numa situação dos cofres estaduais como essa, o que os pernambucanos devem fazer numa tragédia? Rezar e esperar o dinheiro de Brasília, como os gaúchos.

Estado tem plano para mudanças climáticas desde 2010

Na outra ponta, um aspecto positivo em que Pernambuco se destaca, do ponto de vista de instrumentos jurídicos, é na criação de uma lei pioneira instituindo uma Política Estadual de Enfrentamento às Mudanças Climáticas.

A legislação foi sancionada em junho de 2010, portanto está completando 14 anos e representa um marco importante na forma como a gestão pública lida com os desafios ambientais causados pelo homem.

Apesar do ineditismo à época, o estado avançou pouco na execução, de fato, de uma agenda para mitigar e conviver com o aquecimento global.

Espera-se que essa situação comece a ser revertida com o Plano Pernambucano de Mudança Econômico-Ecológica (PerMeie), um passo adiante em relação à lei. Essa iniciativa, lançada em 2023 pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente, tem como objetivo a implementação de modelos de desenvolvimento econômico pautados na sustentabilidade.

O desafio a que o PerMeie se propõe é gigantesco, mas o plano, sem dúvida, representa uma sinalização importantíssima sobre o papel transformador que cabe ao poder público diante das mudanças climáticas. Não atentar para a importância dessa ação, que vai até as estruturas que produzem as catástrofes, é enxugar gelo, diante do tamanho do problema.

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BA: R$ 1,5 bilhão em prevenção de calamidades decorrentes das chuvas

Numa situação financeira bem melhor que Pernambuco, a Bahia tem destinado recursos de forma contínua para evitar catástrofes e mitigar os danos provocados pelas tragédias mais recentes.

O governo baiano reporta investimentos de R$ 1,5 bilhão de 2021 até o momento em programas robustos de prevenção de calamidades decorrentes das chuvas e reconstrução de infraestrutura – incluindo habitacional – destruída pelas enchentes nos últimos anos.

A contenção de encostas, por exemplo, recebeu aportes de R$ 573 milhões nesse período. Além disso, em parceria com as prefeituras, foram construídas 2,2 mil casas para famílias que perderam suas residências nas últimas enchentes.

Outra área que mereceu atenção foi a macrodenagem, na Região Metropolitana de Salvador, para evitar alagamentos. Esse é um dever de casa fundamental, que muitos gestores públicos “esquecem” de fazer. Na Bahia, essa rubrica recebeu R$ 598 milhões nos últimos quatro anos.

O ponto em que o estado ainda precisa avançar é na criação de políticas estruturadas para o enfrentamento de calamidades, protocolos definindo o que fazer numa catástrofe, no olho do furacão.

Isso, considerando que, com a escalada do aquecimento global, por mais que se invista em prevenção e reconstrução, não há garantia, em nenhum lugar do mundo, de que as calamidades não vão voltar a acontecer.

Ceará reforça infraestrutura hídrica

O Ceará reage ao ciclo de estiagens entre 2007 e 2016 com investimentos de peso em infraestrutura hídrica.

Um dos projetos mais importantes nesse setor é o Cinturão das Águas do Ceará, que começou a ser implementado em 2013 e recebeu aportes, até o momento, de R$ 1,3 bilhão.

O empreendimento foi concebido para ligar as 12 bacias hidrográficas do Ceará à transposição do rio São Francisco. Ao todo, são 145,3 km de canais, túneis e sifões. 

Uma das áreas beneficiadas é a Grande Fortaleza, seriamente castigada pela falta de chuvas na década passada. O fenômeno, ao atingir o litoral de forma dramática, evidencia a ampliação dos problemas hídricos no estado, antes mais restritos ao interior.

Em 2016, o nível de criticidade chegou a tal ponto que a região metropolitana da capital passou por um regime de cotas de água para as unidades consumidoras. Havia metas de redução de consumo mensais que deveriam ser cumpridas, sob risco de multas pesadas aplicadas pela Companhia de Água e Esgoto do Ceará Cagece.

Na área de enfrentamento transversal dos desafios gerados pelo aquecimento global, o estado tem como principal aposta o programa “Ceará no Clima – descarbonizando e se adaptando com justiça climática”. Depois de vários ciclos de amadurecimento nos últimos anos, a iniciativa foi incluída no Plano Plurianual (PPA) 2024-2027.

É esperar para ver se de fato as ações previstas no programa vão sair do papel e quando. Até o momento, o Ceará no Clima sofre do mesmo mal que a Política de Enfrentamento às Mudanças Climáticas de Pernambuco: os projetos previstos são excelentes, mas ainda estão no campo da teoria. É tudo louvável, mas de boas intenções o inferno, assim como a questão ambiental, está cheio.

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